Teoria e prática de como vencer licitação

Estávamos no escritório, uma sala com ar condicionado, duas mesas, uma de frente para a outra, cadeiras giratórias para tudo que é lado e um saco cheio de garrafas plásticas de água mineral vazias e outros lixos. Todo mundo nessa porra é preguiçoso para ir até uma lixeira do lado de fora e jogar tudo lá.

Estou em uma das mesas, meu chefe está na outra. Ele conversa no celular com um político, suposto secretário do governador do estado. Meu chefe, que é dono de uma empresa de construção civil, se gaba de ter saído vitorioso em mais uma concorrência de licitação.

Depois de meia hora, ou quase, de bazófia, ele desligou a ligação. A princípio, fiquei indiferente. Mas como eu estava sem fazer porra nenhuma, resolvi puxar assunto. Queria saber como ele conseguia vencer licitação. A empresa dele era imbatível. Incontáveis governos subnacionais estavam sempre utilizando serviços da empresa dele.

Ele me olhou com um cenho ressabiado. Olhou para o ar condicionado, viu que estava 27 graus e disse "saia para a praça de alimentação e sentirá a mesma temperatura. Não comprei ar condicionado para sentir o que sinto lá fora, comprei para gelar, caralho!". Ele, então, diminuiu até 16 graus. Em seguida, coçou o queixo. "Então você quer saber como sempre vencemos? A resposta é simples, meu rapaz, nós somos corruptos!".

Pensei que era zoeira dele. Os chefes, patrões, CEOs, essa canalha toda costuma dizer uma coisa, quando na verdade é oposto dessa coisa. Me contaram a história de um patrão que disse ao empregado que a empresa dele respeitava os direitos trabalhistas. O que ele passou como funcionário deixou conspícuo que era sacanagem cruel.

Por isso cogitei que meu chefe também estava me sacaneando. A empresa era honesta e ele tava tentando me tirar como otário, eu disse isso a ele. "Não", ele redarguiu, "nós somos corruptos. O segredo da vitória é a propina". Mesmo com ele dizendo isso, ou seja, sendo bastante específico ao admitir o método, continuei achando que era chalaça. O tom dele era tão espontâneo que ganhava caráter humorístico. Se ele dissesse isso em pé e com um microfone em mãos, iria parecer comédia stand up, mas como ele estava sentado, então era comédia sitting down. "Eu só perdia na Tomada de Preços, até que meu ex-genro encontrou na Deep Web um pdf intitulado 'Teoria e Prática de Como Vencer Licitação' e foi aí que tudo mudou", ele explicou. "Pensei que era alguma baboseira, alguma trollagem, algum manual de autoajuda, mas não, é algo detalhado, bastante prático".

Continuei duvidando, até que ele me mostrou o pdf, confirmando a existência do documento. Depois dessa quase passei a acreditar, não boto fé que ele iria escrever um livro digital de 400 páginas só para dar suporte a uma mentira tola.

Embora o título evoque uma meta específica, no conteúdo existe abordagem mais abrangente da prática de corrupção. No livro tem: aulas de lavagem de dinheiro, onde encontrar doleiros, como transportar propina, como mandar dinheiro para paraísos fiscais, um guia informando em detalhes cada paraíso fiscal do planeta, como fazer uso de "laranjas", como articular esquemas de superfaturamente etc. Há até "medidas extremas", como praticar queima de arquivo, por exemplo.

Era uma obra apócrifa. Em fóruns da internet, alguns usuários atribuem a autoria a um dono de empreiteira envolvido em corrupção, hoje em cana. Outros dizem que o autor é um político corrupto, também na cadeia. E há quem diga que o livro não passa de uma sátira parodiando a bandidagem de colarinho branco no Brasil.

"Se você ainda duvida, te mostrarei uma evidência palpável, concreta", ele disse. Levantou um dos pisos, quadrados brancos de 1600 cm² com ornamentos que parecem rabiscos de criança. Debaixo do piso havia um esconderijo perfeito para se esconder uma mala. Ele tirou de dentro um mochilão, desses usados para viajar de avião. No interior, R$ 100 mil, dinheiro vivo: Quinhentas notas de 100 e duzentos e cinquenta notas de 200. Era dinheiro de propina, disse ele. "Isso aqui, meu rapaz, nos garante qualquer triunfo", ele disse.

"Você ainda duvida?", ele perguntou. De sacanagem, eu disse "sim". "Acho que são notas falsas e você está me sacaneando". Então ele chamou Gildo, um negão de quase dois metros, forte, parecia um tanque. "Mostre a ele, Gildo". O cara tirou uma 357 da cintura, engatilhou e apontou para mim. "Você irá acompanhar Gildo na entrega da propina, para ver como é. Se duvida da veracidade da arma, ele pode dar um tiro nos seus cornos agora mesmo".

"Conversa", eu disse. "Estamos num escritório dentro de um shopping, os tiros iam chamar atenção. Vocês nunca iam me apagar aqui".

"Verdade", disse Gildo. "Então poderíamos te apagar em outro lugar, porém tem outra opção também". Então ele sacou uma glock e logo depois atarraxou um silenciador. Nesse momento, qualquer dúvida que eu tinha se dissipou de vez. Quando o sujeito atarraxa o silenciador na arma, ele está falando a verdade.

"Ainda bem que você confia nos valores da empresa. Agora vá! Hoje você perde o cabaço, vai ver um negócio de verdade", disse meu chefe.