A dívida
O carcereiro recebeu o alvará de soltura que lhe fora entregue pela abertura num guichê protegido por tela de arame, e fez um comentário retórico:
- Então, Zayden Delgado era mesmo inocente...
- Foi o que o juiz declarou - disse o agente que levara o documento.
- Infelizmente, chegaram à esta conclusão tarde demais - redarguiu o carcereiro. - Eles usaram a sonda mental para vasculhar a mente do sujeito, e você sabe como aquela coisa abre buracos na memória. Delgado nunca mais vai ser o mesmo...
- Então, você o conhece?
- Sim, eu o vejo todos os dias no banho de sol. Ele está quase sempre sozinho, num canto do pátio, muito quieto...
- Eu não gostaria de ser acusado de um crime que não cometi e ter que passar por essa experiência - admitiu o agente.
- Pior é ter que voltar à sociedade e todos o encararem como se tivesse cometido o crime - ponderou o carcereiro, erguendo-se de sua cadeira. - Aguarde aqui, eu vou buscar Delgado.
Voltou pouco depois com o prisioneiro, já vestido com roupas civis, uma bolsa de lona surrada na mão.
- Você vai acompanhar o agente Cohen até a saída - informou o carcereiro. - E de lá, estará livre.
- Livre com um passe de ônibus para o centro da cidade? - Questionou Delgado em tom tranquilo, que nem chegava a ser uma queixa, mas uma constatação.
- Talvez não precise dele - replicou Cohen. - Há alguém esperando por você, lá fora.
- Minha mulher? - Delgado pareceu animar-se.
- Não; Gabriel Salazar. Lembra dele?
Delgado franziu a testa.
- Acho que... nós trabalhamos juntos, não foi?
- Sim, vocês trabalharam na mesma empresa. Salazar tentou livrar você da sonda mental, mas infelizmente não foi ouvido; pode-se dizer que foi a única pessoa que acreditou na sua inocência - disse Cohen. - E ele estava certo.
Delgado fez um aceno de cabeça.
- Bem... acho que tenho que agradecer a ele.
O prisioneiro seguiu o agente até a última porta de ferro que o separava do mundo exterior, e ali se despediram. Cohen foi para o estacionamento do presídio, onde estacionara seu carro, e Delgado retribuiu o aceno que Salazar, encostado num sedã do outro lado da rua, lhe dera. Os dois homens trocaram um abraço antes de embarcar no veículo.
- Desculpe não ter feito mais por você - disse Salazar, enquanto se afastavam do presídio.
- Você fez mais do que todos da minha família e a minha própria mulher - redarguiu Delgado, sentado no banco do carona. - Tenho uma dívida contigo.
Sem desviar o olhar da estrada em frente, Salazar respondeu:
- Considere essa dívida paga, meu amigo.
- [13-03-2022]