Um corpo estendido no chão
Um grito durante a madrugada do dia 12 de junho de 1972, me fez acordar. Estava lá, um corpo de uma mulher estirado no chão. Uma moça linda, muito linda. Aparentava figurar seus 20 e poucos anos. Eu fui o primeiro a presenciar aquela brutal cena. Do meu quarto andar fiquei assistindo aquela cena de horror, uma linda mulher com o corpo aparentemente espancado. O meu vizinho do andar debaixo, um jovem advogado foi o primeiro a sair. Olhou, observou, olhou novamente, colocou as mãos na cabeça e entrou. Enquanto isso o corpo permanecia lá, totalmente parado, sem nenhum sinal de vida, não se mexia de forma alguma.
A luz do andar de cima acendeu. Era o andar de um policial aposentado que era conhecido como um dos melhores agentes da polícia de Porto Velho. Lá de cima ele também observava o corpo. Acendeu um cigarro. Não demorou muito e logo entrou, foi só o tempo de acabar de fumar o seu cigarro. Pelo seu movimento, parece que foi dormir. Alguma coisa me intrigou... Por que dois homens da lei não demonstraram nenhum interesse em tomar alguma providência? Nenhum deles me viram, mas eu os vi. Fiquei ali escondido na janela do meu quarto, por cerca de uns dez minutos. Tive um mal pressentimento e resolvi entrar e me resguardar de algo terrível que estava para acontecer. Deitei em minha cama, mas minha consciência pesou. Comecei a pensar quem seria aquela linda jovem, o que teria acontecido com ela, se ela estava viva. Tentei dormir, não consegui. E se ela fosse alguma coisa minha? Prima, irmã, sei lá. Comecei a pensar. No intuito do incomodo e movido principalmente pela curiosidade do que teria acontecido, resolvi levantar e mais uma vez olhar aquela cena. Para a minha surpresa, ao abrir a janela, com todo o cuidado possível para não fazer nenhum barulho, o corpo da jovem já não estava mais lá.
Como assim? Perguntei para mim mesmo. Como seria possível aquilo, se não escutei nenhum movimento diferente após aquela cena. Achei por um instante que aquilo tudo pudesse ter sido coisa da minha imaginação, mas como explicar o advogado lá próximo ao corpo e o policial na janela do seu quarto? Fui para o meu quarto ainda mais intrigado, precisava de todo jeito decifrar aquele enigma.
O advogado perto do corpo... O agente olhando da janela... fique mais uma vez querendo entender o porquê de não fazerem nada. De repente, ouvi um pequeno gemido. Era como se alguém estivesse agonizando. Algumas vozes começaram a surgir nos corredores do meu andar, eram vozes de dois homens conversando em um tom de preocupação:
- E agora, o que faremos?
- Será se alguém viu?
- Acho que não, a essa hora da madrugada, dificilmente alguém estaria acordado, e principalmente aqui no bairro da Discórdia, que anda muito perigoso.
Era como se os dois estivessem arrastando algo.
- É maneiro! Acho que chegaremos logo no andar de cima.
- Temos, sim! Não podemos deixar isso aqui!
Não tinha dúvidas nenhuma, de que aquela conversa toda se tratava do corpo da mulher. Hesitei em sair e pegá-los em flagrante, mas isso seria pior, eu poderia colocar em risco a minha vida.
Pensei em ligar para a polícia, mas como faria isso, se para chegar ao o único telefone disponível no bairro, eu teria que passar pelo andar em que os homens conversavam.
Esperei parar as conversas. Enquanto isso, escutava claramente algo sendo arrastado. Cada vez mais um pequeno som agonizante tomava proporção no extenso corredor do prédio. Durou cerca de uns vinte minutos até todo barulho desaparecer no andar de cima.
A luz do andar do agente acendeu. Respirei aliviado, tinha a certeza que ele também havia escutado tudo e que finalmente tomaria uma providência. Vi claramente quando ele acendeu um outro cigarro. Sua expressão não era nada das melhores, parecia estar preocupado com alguma coisa. Gesticulava muito, parecia discutir com alguém. Para minha surpresa, o jovem advogado apareceu na janela. O que ele fazia no andar do agente àquela hora da madrugada? Conversa vai, conversa vem, muita gesticulação entre os dois e principalmente expressões faciais de muita insegura.
Não hesitei em confirmar: os dois estão com o corpo da jovem no apartamento. Coloquei um casaco, saí com passos suaves, precisava denunciar o ocorrido. Pensei: estou arriscando minha vida, pois estou me envolvendo em algo muito sério. Mesmo assim fui. Cheguei ao único telefone das proximidades. Liguei várias vezes e ninguém atendia, “deveriam estar tirando um cochilo”. Insisti, perdia a conta do tanto de ligação que já tinha realizado. Mesmo assim não desisti, pois tinha certeza que algo errado acontecia naquele andar. Finalmente fui atendido, porém a grande ventania da madrugada atrapalhava um pouco a conversa. Consegui realizar a denúncia e retornei para o meu andar. Enquanto isso, os dois ainda estava lá, ainda com as mesmas atitudes.
Após cerca de uma hora escutei um barulho de um carro. Fui ver da janela, era o carro da polícia. Dois policiais desceram da viatura. Acompanhei tudo pela janela. Atirei o meu olhar para o andar do agente e eles já não estavam lá. O som das botas deles ecoavam nos corredores do prédio. Algumas batidas de portas anunciavam que a polícia finalmente estava prestes a desvendar o mistério da moça. Por lá escutei conversas. Com certeza era a polícia interrogando os dois. Achei também que a imprensa estava a caminho, pois aquele fato daria uma ótima notícia. Foi dito e feito, um carro da imprensa chegou. Os jornalistas logo correram para o andar do agente. As conversas já duravam cerca de uma hora. De repente ouvi risos! Vários risos. Uma algazarra, parecia até festa. Não entendi nada daquilo. E o corpo da moça? O que aconteceu? Fui me deitar com aquele enigma na minha mente. Escutei o carro da polícia ir embora, ainda tocaram a sirene para se despedir, enquanto que os homens da imprensa continuavam com as altas gargalhadas no andar do agente.
Acabei pegando no sono, nem vi quando foram embora, nem muito menos o que teria acontecido com a jovem. No outro dia quando fui pegar o meu jornal para saber as notícias do dia, tenho uma grande surpresa ao ler a manchete... HOMEM CHAMA POLÍCIA PARA RESGATAR MANEQUIM QUE CAIU DO 4º ANDAR, NO BAIRRO DA DISCÓRDIA.