O ódio e o seu desdobramento

Para quem conviveu com Miriam antes e depois da tragédia com a filha, fica fácil lembrar que os seus olhos nunca mais foram os mesmos. Era mulher bonita, inteligente e curiosa. De seus olhos azuis eram lançados flashes de curiosidade e conquista. Atraente, sempre teve os homens que quis e, não raras vezes, passou por maus bocados para descartar um ou outro. Desde a trágica morte de sua filha Maria seu olhar ficou vago e triste. Em todas as suas tentativas de descobrir o assassino me parecida que mais vago e triste ficava. O desejo incontrolável de buscar justiça a destroçou. Por anos largou toda a sua vida profissional como arquiteta para lançar-se ao vazio da busca. Em certas ocasiões, quando conseguíamos conversar sobre a sua investidura, eu tive a impressão de que ela queria cobrar o sangue da sua filha com mais sangue. Algo desenfreado a deixou obstinada demais para eu ter disponibilidade e paciência para continuar a amizade. E os anos se passaram.

Uns 5 anos depois do nosso último encontro, por coincidência, lí em um jornal que ela havia conseguido colocar dez pessoas na cadeia, como suspeitos. Já tinha vendido tudo o que havia adquirido para entregar à advogados criminalistas. Encontrar o assassino seria para ela, a meu ver, um troféu.

Poucos meses após essa notícia, fui tomada por uma sensação de desespero ao ler, no mesmo periódico, que ela havia sido assassinada brutalmente por seu marido que, após o crime, havia procurado a polícia para entregar-se. A justificativa, embora injustificável, foi plenamente entendida por mim: era ódio demais para compartilhar.

Orei pelos dois, com uma tristeza infinita.

Escrito na Oficina "Provocações" da Pragmatha Editora - Módulo 01

Rosalva
Enviado por Rosalva em 01/03/2021
Reeditado em 04/05/2021
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