LINHA POLICIAL - Paulo Alves - Parte três - Capítulo um

LINHA POLICIAL Parte 3

[Paulo Alves]

Ser uma pessoa de bem nunca foi o plano de Romão Félix, nem mesmo quando ainda era uma criança catequisada. Seus pais fizeram de tudo para tentar mudar seu caráter, mas todo o investimento em torná-lo um ser humano digno foi por água abaixo quando Romão alcançou a adolescência e cometeu seu primeiro delito. Aos quinze anos ele assaltou a mão armada uma loja de jogos levando não só o dinheiro, como também as mercadorias. A fuga foi ainda mais emocionante e perigosa. Félix pilotava em alta velocidade uma motocicleta emprestada e em seu encalço a polícia. Ele temia por sua vida, mas o que importava de verdade era a adrenalina vivida no momento. Por sorte ele conseguiu despistar os agentes entrando num dos bairros mais perigosos de Luzia, lugar onde policial algum ousa em pisar. Pois é, essa foi a sua estreia no sub mundo e hoje aos 47 anos, Romão é considerado o bandido mais letal que existe na cidade.

Sua especialidade sempre foi roubo, mas agora ele quer ganhar mais grana. Qual o jeito mais fácil e rápido de se fazer fortuna? Tráfico de drogas. Ele não quer ser somente um traficante varejista, mas sim um chefão atacadista. Romão Félix quer ser poderoso, por isso investiu pesado na compra de duas toneladas de cocaína pura vindas da Colômbia. Ao telefone, usando seu portunhol vagabundo, ele negocia a compra, marcando o dia e horário da entrega.

- Perfeito, a noite é o melhor período para essas coisas. Às três horas da manhã no porto de Luzia, estarei lá com la Plata.

Duas toneladas de cocaína. Félix precisou quebrar o porquinho e se desfazer de alguns bens como carros, casa e duas motos. O que sobrou foi sua cobertura num apartamento de luxo onde ele costuma dar festas com direito a garotas nuas e bebidas fortes rolando a madrugada inteira. Sim, ele sabe que a droga lhe dará o triplo de tudo que perdeu, por isso ele está tranquilo. Ao deixar o celular de lado Romão estalou os dedos e imediatamente uma menina branca, magra, com roupas curtas saiu do quarto. Romão aumentou o volume do rádio onde era executado um funk lixo e ordenou que a mesma voltasse a dançar para ele.

- Dance para mim.

- Só se for agora.

*

Mais uma bocejada e dessa vez Alves não conseguiu evitar o famoso “Aahhh”. A cinco horas ele se encontra sentado naquela cadeira com seu binóculo pendurado no pescoço observando a movimentação do prédio onde Romão Félix mora. Ordens são ordens, ainda mais vindas do chefe Ramos.

- Eu quero Félix preso, você entendeu, investigador Paulo?

Damião Ramos mete medo em qualquer um. Poucos conseguem peita-lo e Alves com certeza não faz parte desse grupo. Alguém saiu do prédio. Paulo ajustou o binóculo e viu uma menina novinha passando pelo portão. Shortinho jeans curto e top amarelo e sem nada nas mãos. Uma gatinha, mas provavelmente uma garota de programa. Seria viável descer e bater um papinho com ela? Seria, mas não agora, pensou Paulo alongando às costas. Ela certamente estava com Romão e aborda-la agora só iria atrapalhar os planos. O celular vibrou no bolso da calça. Janaína.

- Oi, amor?

- Ainda de olho no Félix?

- Sim, o sujeito é escorregadio demais.

- Pretende ficar aí sentado até que horas?

Alves consultou seu relógio digital. Vinte uma e trinta e oito.

- Bom, eu pretendia ficar até às vinte e três, por que?

- Porque eu estou de banho tomado, envolvida em meus lençóis, só de calcinha.

Paulo Alves se ajeitou na cadeira.

- Sério? Aquela calcinha branca, pequena que você comprou?

- Essa mesma.

Pegou sua mochila e guardou seus pertences.

- Chego aí em dez minutos.

- Vem apagar meu fogo, detetive.

Paulo deixou o prédio onde estava desde a tarde. Subiu em sua motocicleta e voou para casa.

*

Janaína Lopes foi a melhor coisa que aconteceu na vida de alguém como Paulo Alves, ela é praticamente o bálsamo na lesão dolorosa. Alves precisava e muito de um alento depois de tudo o que passou com Mara. Traição. Algo imperdoável, o dispositivo que pode acarretar uma tragédia. Para uma pessoa que apostou todas as suas fichas num relacionamento onde não faltava sexo e curtição, de repente se vê sendo enganado, perdoar somente é pouco. Paulo amava de verdade a Mara. Já ela não poderia dizer o mesmo. O mais engraçado nessa história é que nada faltava para ela, não havia motivos para tal coisa – pelo menos no ponto de vista do policial - Paulo era dedicado. Sempre que podia a presenteava com flores ou peças de roupa. Tudo isso tem um nome, safadeza. Não importa se é homem ou mulher, traição é uma grande sacanagem.

Lá pelas tantas o casal encerrou suas atividades sexuais. Como sempre, Janaína deu um show na cama. Foi preciso Paulo pedir uma trégua para então partir para o segundo tempo. Ele permaneceu deitado e ela se sentou na beirada da cama ajeitando a enorme madeixa cacheada.

- Você acha que transamos além da conta? – perguntou Janaína juntando os cabelos e os prendendo com uma piranha.

- Como assim, além da conta? – colocou os braços atrás da cabeça.

- Sei lá, essa é a quarta em cinco dias, será que somos dois maníacos sexuais? – se levantou e colocou um short curto rosa.

- Que papo sem pé nem cabeça é esse? Somos jovens, temos saúde, o que há de errado nisso? – ficou de lado admirando o belo corpo esbelto da jornalista. – além do mais, quem mandou ser gostosinha?

- Então é assim que você me enxerga? Eu não sou só uma vagina, investigador Paulo Alves, sou mulher, tenho profissão e sentimentos e...

- Blá, blá, blá e mais blá, blá, blá. – se sentou na cama. – quantas vezes preciso falar que te amo e que quero me casar com você?

Sim, Janaína não esperava por isso. Seus olhos ficaram úmidos e ela precisou puxar ar.

- Casamento, você está falando sério?

- Muito sério. – voltou a se deitar. – não precisa responder agora se não quiser. Pense um pouco.

A jornalista jamais imaginou que um dia, depois de transar, seria pedida em casamento por um policial. Lhe faltaram palavras e sobraram recordações de outros relacionamentos frustrados. Janaína foi mulher de poucos homens, porém nenhum desses poucos a tratavam com carinho e dignidade, coisa que não podem faltar a uma mulher. Ela abriu a boca para aceitar o pedido, mas o que saiu foi...

- Preciso fazer xixi. – correu para o banheiro.

Não. Ela não foi urinar e sim tentar abafar com as mãos o choro de alegria. Casamento. Ela, logo ela pedida em casamento. Quem diria? Janaína bem que tentou, mas os seus soluços foram mais fortes. Do quarto, Alves sorria enrolado no lençol.

- Minha pretinha merece. – falou para ele mesmo.

*

Damião Ramos tem polícia correndo nas veias, disso ninguém tem dúvidas. Por ser um agente dedicado e honrar a farda que veste, Ramos faz questão de que seus homens sejam exatamente como ele. Para ser um policial do departamento de Luzia é preciso mais que amor a profissão. É preciso ser a instituição materializada. Primeiro a chegar e último a sair, sempre foi assim e ele não vai mudar nunca. Damião é do tipo de chefe que não passa pano e nem alisa a cabeça de ninguém, mas sabe reconhecer quando um dos seus homens faz um bom trabalho. Tudo que ele quer é uma cidade segura. A lei precisa prevalecer sempre. A cidade de Luzia já sofreu demais por causa de gestões incompetentes e gestores corruptos. O cidadão de bem pagou o preço por causa de homens gananciosos, sem amor algum a pátria e que topavam tudo por dinheiro. Mas agora quem lidera a segurança é ele, o chato, o grosso, mas honesto Damião Ramos.

Pela manhã ele saiu de sua sala e cruzou os corredores movimentados. Todos estão trabalhando e quem não está passa a pelo menos fingir que está. Ramos procura por Paulo que se encontra atualizando suas informações sobre Félix com a cara no monitor do computador.

- Alves, checou as informações, elas são verdadeiras?

- Estou fazendo isso agora chefe, é de matar de ódio. – apontou para a tela.

O xingamento saiu mais alto do que deveria.

- Romão Félix precisa ser tirado de circulação imediatamente. – Ramos falou entre os dentes.

- Morte de policiais, roubo de carga e agora é bem provável que ele esteja partindo para o tráfico de drogas.

- Se isso for provado, Luzia vai se transformar num inferno. O que ele quer, ser um Pablo Escobar?

- Vou continuar seguindo os passos dele. Me dê mais um tempo.

- Tem todo. – saiu em direção a outra mesa.

*

Romão se esbalda transando com duas garotas com idade para serem suas filhas ou sobrinhas. Ele gosta desse tipo de loucura, sempre foi fã dos excessos. Por ele a vida se resumiria em dinheiro, mulheres e depravação. Antes de ser o Romão que ele é hoje, num passado bem distante, o bandido chegou atuar em filmes pornô amadores. Ele produzia, gravava e atuava disponibilizando o material em plataformas de conteúdos adultos. Como o negócio não rendeu o esperado, ele decidiu parar e partir para outro ramo. Ele agora vive uma expectativa. As duas toneladas de cocaína pura chegando, a galinha dos ovos de ouro. Tráfico de drogas, dinheiro certo e avista, fora o respeito que ele conquistará no sub mundo. Hora de formar seu exercício, recrutar sujeitos barra pesada, mas antes, vale terminar o que começou na noite passada.

- Certo, garotas, hora do descanso do papai. – falou ainda sendo beijado por uma loira.

- Mais já, ainda são seis da manhã? – disse a morena clara.

- Preciso resolver algumas pendências e para isso as senhoritas precisam ir embora.

- A noite podemos voltar? Faremos de graça. – propôs a loira.

- Hum, o papai manda tão bem assim?

- Ô se manda. Não é, amiga?

A morena assentiu.

- Tá legal, voltem a noite. – abriu a carteira e puxou duas notas de duzentos reais. – está pago.

As meninas otimizaram o tempo tomando banho juntas e se foram. Depois disso, Félix fez dezenas de ligações fechando parcerias com os piores marginais lhes prometendo aquilo que ele ainda não possui.

- Fecha comigo, você será o rei da quebrada.

Duas toneladas de droga. Uma cartada certeira? Não se sabe, só o tempo dirá.

*

Janaína Lopes precisa terminar de digitar sua matéria sobre homens que não pagam pensão alimentícia até o início da tarde, caso contrário seu editor chefe a punirá severamente não publicando sua coluna diária no tabloide digital. Normalmente ela já teria terminado se não fosse o cheiro do cachorro quente vindo da barraca que fica em frente a redação. Lopes ama cachorro quente, mas de dois dias pra cá o cheiro do tempero a vem enjoando lhe rendendo várias cuspidas na lata de lixo.

- Meu Deus. – outra cuspida.

O cheiro veio forte e ela precisou se levantar e correr até o banheiro que por sorte fica a dois metros de sua mesa. Uma jornalista um pouco mais nova bateu na porta bastante preocupada.

- Jana, você está bem?

Rosto molhado e expressão decaída.

- Nossa, preciso de um sal de frutas. Estou enjoada.

- Enjoada? Tem certeza que você quer mesmo um sal de frutas, não é melhor um teste de farmácia?

Janaína sentiu vontade de chorar, correr, gritar, sei lá. Tudo menos uma gravidez. Tudo, menos uma criança. Não agora. Seria o fim de seus planos com Paulo. Não, isso não pode estar acontecendo. Ela passou por sua colega e se jogou em sua cadeira.

- Janaína, o que foi?

- NÃO!

Júlio Finegan
Enviado por Júlio Finegan em 31/01/2021
Código do texto: T7172709
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.