O dia seguinte

O dia seguinte. Poderia ser um dia qualquer, largado, rotineiro como a maioria das segundas que vem depois do domingo. Mas, não. Hoje, não. Essa segunda era a 1a que Letícia encarava com um caderno de histórias, mas sem o autor por perto. Esse seria o primeiro dia em que entraria em contato com as memórias, deduções e descobertas que Luís descobrira em suas andanças de detetive. Uma parte gigante de sua vida, ali na sua frente.

Talvez por isso, hesitasse em abri-lo. Mesmo no conforto do lar, sentada numa cadeira na mesa de estar, ainda assim, entreolhava o caderno, enquanto tomava uma xícara de café. Ficou nessa dança por uns trinta minutos. Ainda nutria a esperança da sua campainha tocar, seu celular tocar e Luís chegar com a cara mais lisa do mundo para conversar, como sempre fora, como deveria ser.

Todavia, isso não aconteceria mais. A roda girou, o tempo passou e tinha chegado ali. Não era a mesma mulher de quando conhecera Luís. Havia mudado bastante, como também acreditava que o tinha modificado. Apesar de tudo, foi uma grande jornada.

Depois de fazer um coque no cabelo, enfim, decidiu abrir o caderno. Queria saber o que Luís havia deixado de tão importante para ser escondido dela. Assim que abriu, notara que tinha uma carta nele, algo que Ezequiel não a dissera. Será que sabia disso? Será que esqueceu? Bem, qualquer que fosse o motivo, não importava agora. Só queria lê-la para encontrar um pouco de paz:

"Querida Letícia, como vai? Bem, se você está lendo isso, eu creio que mal, porque faleci ou fui preso. Infelizmente, essas coisas acontecem, né? Eu te escrevo para dizer que estava na mira de uma gangue perigosa: os Arsenais. Você lembra das Lâminas que eu estava perseguindo? Provavelmente não, mas, enfim, eles eram uma seccional dos Arsenais e começaram a me mirar desde que peguei umas gangues de traficantes. Na verdade, eles me vigiavam de longe, como se fossem, especuladores, sabe? Algo que eu vim descobrir quando encontrei meu nome em uma lista de 'alvos para abatimento' em uma investigação há dois meses. Pouco tempo depois, no QG onde prendi Horácio, notei a mesma lista, assinada com um carimbo Arsenal. Fiz umas pesquisas e descobri que esse era um grupo muito atuante há uns 5 anos, mas que andava sumido. Quando vi a assinatura e a atuação dos Lâminas associei que era uma parte do grupo, algo que, infelizmente, comprovei ser verdade. Aproveitando que você, às vezes, demonstra interesse pelas minhas investigações, compartilho as descobertas que fiz, junto com os meios utilizados para tanto. Acredito que pode ser de grande ajuda. Não hesite em procurar ajuda com Olavo, a Ana ou na delegacia. Você não está só. Fiquei feliz pela vida que tive e pelas nossas aventuras. Perdão por deixá-la só nesse momento. Beijos, Luís".

A reação de Letícia naquele momento, não poderia ser outra: choro, muito choro, numa reação instantânea. Múltiplas lembranças que vinham a mente, enquanto refletia sobre o que lia. Uma pergunta vinha a sua cabeça "Por que eu? Por que não disse nada antes? Será por isso que não quis ser meu mentor? Porra, Luís, eu te odeio demais agora!". Ao se acalmar mais, Letícia sentiu-se melhor, pensando até que era um pouco sortuda de ter recebido as últimas falas de Luís, em uma forma "torta" de despedida. Era o jeito dele, mesmo no fim, mesmo no fim, nas últimas palavras.

Depois de pensar bastante sobre o processo, Letícia decidiu agir. Enquanto folheava o caderno de Luís, vendo casos de seu começo de carreira, pensava em como a sua jornada foi perigosa e fascinante na mesma medida. Ao mesmo tempo, pensava em como poderia ter ajudá-lo ainda mais, diante de todas as confusões, brigas e disputas que enfrentou. Mas tudo isso eram águas passadas. Precisava mirar o futuro e as possibilidades deixadas por seu querido Luís.

- Alô, Olavo?

- Quem é?

- Aqui, é Letícia, tudo bem?

- Tudo bem. Mas você está bem?

- Tentando, você soube da notícia?

- Ah sim, sim, soube, é uma pena.

- Pois é.

- Mas, diga-me minha cara, em que posso ajudá-la?

- Antes de morrer, Luís deixou um caderno com suas investigações e pistas para pegar o grupo que estava mirando-o. Você poderia me ajudar nessa busca?

- Claro, claro que sim. Encontre-me amanhã ao meio-dia que nós conversaremos.

- Muito obrigada, Olavo. Feliz de poder contar com você.

- Feliz em ajudar. Grato e até amanhã.

- Até.

E assim começava mais uma jornada.

Continua...

O andarilho

Rousseau e o Andarilho
Enviado por Rousseau e o Andarilho em 18/10/2020
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