Ao portador

Alguém o devia ter visto, porque a polícia estava bem na sua porta. Mais especificamente um Chrysler Newport 1962, preto e branco, do escritório do xerife, as lâmpadas vermelhas piscando alternadamente sobre o teto da viatura. O motorista uniformizado desembarcou quando ele fez menção de passar pelo portão, ignorando deliberadamente a presença do veículo.

- Sr. Mccray?

Sentiu que as mãos começavam a suar e mudou a pasta de couro que carregava, da mão esquerda para a direita.

- Pois não, policial...

- Barker. Connor Barker - apresentou-se o agente. - Recebemos uma ligação da sua vizinha do outro lado da rua, a Sra. Reid... ela diz ter visto um visto um homem com uma touca de meia na cabeça, no seu jardim. Como tivemos casos de arrombamento de residências nas redondezas, resolvemos dar uma olhada.

- Agradeço a atenção. E conseguiram encontrar alguém?

- Não, fosse lá quem fosse, conseguiu fugir antes que chegássemos - prosseguiu o policial. - Mas o meu parceiro Hart está dando uma olhada nos fundos, ver se encontra alguma pista do meliante.

Hart apareceu pouco depois, com um pedaço de meia de nylon na mão.

- O nosso homem deve ter jogado fora antes de pular o muro para a casa vizinha - avaliou.

- Vamos levar para análise no laboratório forense - determinou Barker.

E para Mccray:

- Tranque bem as portas, Sr. Mccray.

- Farei isso, policial. Grato - replicou.

Ficou ainda alguns instantes parado no portão até que a viatura se afastasse pela rua deserta, sob o céu arroxeado do crepúsculo. Só então, puxou as chaves do bolso e entrou na casa.

* * *

Taylor o aguardava sentado no sofá da sala de estar, um copo de uísque na mão; ergueu-o numa saudação zombeteira, enquanto Mccray depositava a pasta sobre um aparador de mogno.

- Saúde!

- Pensei que já estivesse longe por essas alturas - retrucou Mccray, cruzando os braços.

- A vizinha xereta deve ter me visto e chamou a polícia... que pelo visto estava bem perto. Só tive tempo de jogar a touca fora e entrar pela janela do porão - justificou-se Taylor, tomando um gole de bebida.

- Isso me deu uma ideia - ponderou Mccray, mão no queixo. - Posso ir amanhã à polícia e dar queixa de que o ladrão entrou pelo porão e escondeu-se, para praticar o roubo de madrugada. Só dei por falta da pasta quando fui pegá-la, de manhã.

- É um bom plano - aquiesceu Taylor, balançando o gelo no copo. - De quanto estamos falando mesmo?

- A sua parte são 500 dólares, - tergiversou Mccray - do qual você irá receber a metade final assim que a polícia registrar a queixa do roubo.

- É um preço justo - pareceu conformar-se Taylor, sem desprender os olhos da pasta.

- Bem, eu tive um dia cheio e preciso de um banho - redarguiu Mccray. - Acabe seu uísque e depois dê o fora.

Ao sair do banheiro, Taylor não estava mais lá. Muito menos a pasta.

* * *

Quando o telefone tocou pela segunda vez, Mccray interrompeu a leitura de uma matéria do jornal do dia, abordando uma declaração do presidente Kennedy sobre os russos. Era Taylor, e estava furioso.

- Seu desgraçado! - Ouviu de imediato.

- Desgraçado é você - retrucou friamente Mccray. - Mal esperou que eu virasse as costas e me roubou a pasta.

- Cheia de papéis sem valor! - Vociferou Taylor. - Você armou pra mim!

- Eu imaginei que você poderia cair em tentação e me precavi - redarguiu Mccray. - E minhas suspeitas se concretizaram.

- Tudo isso só para não me pagar as 250 pratas?

- Eu vou lhe pagar o combinado - prometeu Mccray calmamente. - Só queria ter certeza de que nunca mais iria dar as caras por aqui; e se você for esperto, é exatamente o que vai fazer. Afinal, a polícia estava atrás de você por vários arrombamentos de casas, e agora, pelo roubo de 10 mil dólares em ações ao portador. Não é pouca coisa para um ladrão suburbano.

Do outro lado da linha, Taylor bufou, mas não havia nada que pudesse fazer; Mccray tinha razão.

- [04-09-2020]