Estamos no mês de agosto. Marcos Henrique chega para a missão no aeroporto de Manaus, um carro velado preto o espera no estacionamento. Ele apaga o cigarro e entra pelo lado do carona.

-Bom dia colega, tudo bem? Também sou do Rio, somos quase xarás, estou há pouco tempo na instituição. Mas, tenho me empenhado.
Marcos Henrique responde:
- Tudo bem, com o tempo verá que há mais frustrações que alegrias e perderá esse brilho nos olhos...
Oliveira estranha o comentário e responde:
- Vou levá-lo a um escritório que temos no centro da cidade.
- Ok, se souber algum lugar que venda cigarros, por favor faça uma parada.
Ao chegarem ao escritório, são recebidos pelo chefe da operação, Carlos Nascimento.
- Bom dia, Henrique! Como foi o voo?
- Tenho problema de coluna Nascimento, uma merda.
Marcos Henrique é um policial sisudo de poucas palavras, poucos amigos, extremamente sério no que faz, ótimo atirador, está prestes a se aposentar. Frio, não sente emoção nas operações que realiza. Aceitou o serviço por já ter trabalhado na região e sobretudo por causa da vantagem pecuniária por seu desempenho. É altamente qualificado para o serviço.
Nascimento lhe apresenta a equipe:
- Nessa investigação somos eu, o Oliveira e Andrade. No grampo e responsável por todo o levantamento das informações está Jorge Sales, paraense e antigo de polícia, como você.
- Pouca gente, mas é sempre assim.
- Temos equipe tática?
- Foram embora há meses.
- Bem, isso não é nenhuma novidade.
Nascimento fala como um pouco de receio, pois o momento não é bom para o núcleo que atuam. Está na polícia há cerca de quinze anos, ex militar, muito obstinado e conhecedor da floresta e seus perigos, exerce liderança positiva sobre os membros da equipe.
Jorge Sales se manifesta:
- Somos poucos sim e foi um custo conseguir trazer você pra cá, pesou o seu conhecimento a respeito da organização criminosa “Los Rivera”. Assim como, do rio. Estamos na vazante, há muitos "paranás" no rio essa época do ano, e só podemos navegar à noite. Precisamos do elemento surpresa para ter êxito na abordagem. Estamos investigando esse Cartel há mais de um ano, temos informações seguras que seus carregamentos estão passando e chegando à Europa. Só que algo nos intriga, como estão conseguindo isso? Já tentamos abordá-los algumas vezes e nada!
- Caraca! Já sai da região há dez anos.
Nascimento toma a palavra:
- É verdade, mas ninguém pilota na mesma velocidade que você à noite.
- E o Leôncio?
- Está na academia dando instrução e mesmo assim, a noite você é mais rápido.
- Qual é o plano de vocês?
- Vamos partir pra dentro, fingir que vamos fazer um levantamento e na verdade, abordar os traficantes na madrugada, com sorte prendê-los.
- Vocês piraram! Não vim aqui para isso. Vim para cumprir uma missão dentro da legalidade, sem autorização dos superiores, lamento mas não vou.
- Marcos Henrique, estamos passando um momento ruim, há desconfiança por parte da chefia com relação a nossa capacidade investigativa. Grande parte de nossa equipe foi desmantelada, restamos só nós e alguns poucos que aqui vêm, permanecem por um curto período.
- Há mais alguém aqui em missão?
- Não, somente você.
- Vocês sabem que se formos, seremos no rio somente quatro policiais.
Jorge Sales, responde:
- Cinco, também irei.
- Estarei pilotando a lancha, qual a potência?
- Dois motores de 700 HPs.
- Na lancha há uma metralhadora .30, além disso, todos estaremos de fuzil.
- É loucura, estou perto de me aposentar. Conheci certa vez um cana em Rondônia que disse: Vou trazer esse cara de qualquer jeito, nem que eu tenha que por um “bebê” no colo dele. E olha, o cara trouxe mesmo! Bom sujeito, aposentou e foi morar na praia... É, acho que agora chegou a minha vez de trazer esses bandidos de qualquer jeito. Vamos fazer esse serviço, sim. Porém, será uma missão de grande risco, vocês sabem disso. A possibilidade de alguém não voltar é muito grande, não quero ser culpado se algo acontecer com algum dos senhores, ok?
- Todos respondem em uníssono, ok.
Andrade está bastante apreensivo, sua esposa espera um bebê. Sabe que a operação é de risco, que se algo vazar, todos podem ser punidos e perderem seus empregos. Se aproxima de carioca e diz:
- E aí Oliveira, que você acha?
- Essa cana antigo é escroto pra caralho, tremendo babaca. Mas, está seguro de que pode ser feito, isso me agrada.
- Sim, muito escroto. Nas décadas de 80 e 90 a logística aqui era péssima, não havia a menor estrutura para se desencadear operações como essa, e eles desencadeavam assim mesmo. Creio que Nascimento por ter sido militar, lutou para que ele viesse em razão disso. Esse cara pode ser babaca, mas com certeza sabe o que faz e está preparado para essa empreita.
- E Pará, sempre foi mais de escritório, Andrade?
- Verdade, mas me surpreendeu com essa disposição para o trampo.
- A mim também.
- Cara, minha mulher vai ter bebê... Mas, vou assim mesmo.
- Essa é uma decisão sua, respeito. Também vou arriscar, quero sentir essa adrenalina.
Na cidade, a esposa de Andrade preocupada liga para a policial cartorária, Kate. Uma morena muito bela e alta, com algumas tatuagens pelo corpo.
- Amiga, desculpa incomodar. Mas, é aquele assunto, estou nervosa com essa situação que meu marido está passando.
- Eu sei amiga, mas o que tanto lhe preocupa?
- Podemos conversar pessoalmente?
- Claro. Posso ir a sua casa?
- É melhor, o bebê está perto de nascer, obrigada.
Kate se dirige para casa de Andrade. Ao chegar é recebida por sua esposa.
- Seu marido está?
- Não, trabalhando nessa investigação.
- Sim, o que está lhe deixando tão assustada?
- Sabe Kate, ontem ele me disse que não estão tendo apoio necessário para efetuarem a investigação que estão envolvidos. Que se preciso, irão desencadeá-la assim mesmo. Há um policial que veio do Rio, muito amigo do Nascimento, é meio doido, capaz de enfrentar qualquer situação, como se não tivesse nada a perder... Essas.coisas estão me deixando preocupada, temo que algo de ruim aconteça a meu marido.
- Amiga, você fez muito bem em se abrir comigo. Vou fazer alguns contatos, ver o que é possível, em último caso falo pessoalmente com Andrade e Oliveira, eles me ouvirão.
- Que bom amiga, muito obrigada!
Kate decide falar com o Chefe do Setor Odilon, sem, é claro, dar qualquer pista pois os mesmos estão dispostos a tudo. Não encontra Andrade, mas consegue falar com Oliveira, com quem se dá muito bem e pede ao mesmo que não deixe nada acontecer a Andrade, pois, está preocupada com a esposa dele e está para ser pai a qualquer momento.
Oliveira concorda e responde:
- No que depender de mim amiga, nada acontecerá com ninguém na embarcação, principalmente o Andrade.
- Obrigada, meu querido.
Odilon é o Chefe do Núcleo de Combate ao Narcotráfico, é um policial dedicado, tendo passado por diversos setores na instituição, veladamente apoia Nascimento, policial que muito admira e respeita. 
Após ouvir Kate, decide não deixar que Nascimento se arrisque e toma a decisão de encerrar a missão de Marcos Henrique, transfere de setor Andrade e Oliveira. Chama Nascimento para tomar ciência de sua decisão.
- Nascimento, tudo tranquilo?
- Sim Chefe, tudo tranquilo!
- Eu falei com o Diretor Estadual e decidi encerrar a missão do Marcos Henrique, também transferi de unidade Andrade e Oliveira. Ficam somente você e o Jorge Sales, logo chegarão novos policiais, alguns serão incorporados ao núcleo, não se preocupe.
Surpreendido com a notícia, Nascimento tem uma repentina ideia.
- Odilon, pelo amor de Deus, não faça isso agora, deixa eu tomar ciência disso amanhã, temos um encontro fundamental com um informante hoje. Após esse encontro, eu dissolvo a equipe. Até porque, se formos noutro momento dar andamento a essa investigação, as informações que receberei hoje, serão de vital importância. Pois, nos darão coordenadas de bases do tráfico, localizadas aqui em nossa região.
Nascimento mente, sabe que o Chefe não pode descartar informações tão importantes sobre o clã dos Rivera.
- Ok, Nascimento. Hoje você fará seu último contato nessa investigação. Se tivermos que voltar futuramente a ela, podemos aproveitar esses dados que irá colher. Vá, faça o trabalho, seja cauteloso e não me sacaneie.
- Sim, Odilon!
Claro que Nascimento não está disposto a por um fim na investigação naquele momento. No caminho liga para Jorge Sales.
- Pará, tranquilo! Olha, o homem quer que interrompamos a investigação. Não farei isso, vou chamar os meninos e o Henrique. Você está livre para decidir o que achar melhor, se quiser vir, será bem-vindo, se não, entenderei perfeitamente. É contigo agora, amigo.
-E claro que vou Nascimento e olha, tenho algo pra te contar que irá te deixar de queixo caído quando souber.
- Nos encontramos no porto.
Ainda no caminho, Nascimento aciona o restante da equipe.
- A esposa de Andrade ao vê-lo se arrumar e se despedir, liga imediatamente para Kate.
- Amiga, o que você conversou com o Chefe deles? Heitor acaba de sair de casa, levou suas armas, equipamentos e suprimentos para um ou dois dias. Eles vão para o Rio, não vou aguentar...
- Calma, estou mandando para sua casa o pessoal da enfermaria aqui do serviço. Vou para o porto falar com Andrade e Oliveira.
- Muito obrigada, amiga!
No porto, a decisão é tomada, Nascimento se pronuncia:
- Amigos, somos nós e Deus. Quem quiser desistir se manifeste agora. Marcos Henrique sua missão foi cancelada, você deve se apresentar a sua unidade no Rio amanhã, se quiser ir... Marcos Henrique dá um trago no cigarro, joga fora e diz:
- Até amanhã tem muito tempo e de mais a mais, tenho muito a fazer hoje essa noite com vocês.
A potente lancha parte do porto. A bordo: Nascimento, Pará, Oliveira, Andrade e no timão, Marcos Henrique. Quando começam a se afastar do cais, Kate grita do estacionamento do porto.
- Andrade, por favor, preciso falar com você.
Ele pede a Marcos Henrique que retorne.
- Piloto, minha esposa está para ter um bebê.
- Ok, retornando. Mas, mande ela entrar e a deixamos no próximo porto. Se ficarmos aqui poderão vir colegas e tentar nos impedir.
- Próximo ao cais, Andrade pede que Kate suba no barco, ela o faz.
Durante o trajeto, Nascimento pergunta a Jorge Sales:
- Que foi que você ouviu?
- A droga vai passar hoje e acredite...
- Diga, como?
- De submersível.
- Tá de sacanagem?
- Gostaria, mas falo a verdade.
- E como faremos?
- Eles possuem uma base de reposição de alimentos e combustível no Paraná dos Corós, altura do lago Redondo, localizada logo na entrada. A outra fica no meu Estado, próximo a Mazagão, mas não tenho sua localização exata.
Marcos Henrique então se manifesta:
- Pelo que já vimos no mapa melhor será ir para dentro do Paraná dos Corós, concorda Nascimento?
- Sem dúvida.
Marcos Henrique acelera o máximo.
Kate, que conversava com Andrade, não deixa de prestar atenção um segundo sequer na conversa que acontece no barco. Quando Marcos Henrique a indaga onde quer descer, a mesma responde:
- Vou ao Paraná dos Corós com vocês. Andrade, tem algum fuzil sobrando?
- Sim amiga, tem.
Marcos Henrique sorri e começa a navegar em alta velocidade. A ideia é chegar no Paraná dos Corós em Codajás no máximo em pouco mais de duas horas. A viagem é tensa, todos os policiais estão em silêncio, sabem que estão trabalhando “a descoberto”, por conta própria. Além disso estão navegando rapidamente pelo rio Solimões e a lancha bate muito correndo o risco de a qualquer momento adernar por colisão em algum tronco. Ao chegarem, veem a iluminação de Codajás do outro lado do rio, não se aproximam. Temem que a informação de que policiais estão na área, corra a cidade. Adentram no Paraná dos Corós lentamente, para que não sejam percebidos. Se posicionam atrás de uma vegetação densa que está numa das margens, cerca de dois ou três quilômetros da entrada do braço fluvial.
Jorge Sales, então se pronuncia:
- Deixei o Edgar ouvindo e verificando as antenas pra nós , se houver alguma movimentação, nos avisará pelo telefone por satélite.
- Que Edgar? Pergunta Nascimento.
- Parceiro em Belém, você conhece.
- Fez bem, amigo, é um bom cana o Edgar.
O aparelho por satélite chama, Pará atende. Ao terminar diz:
- É agora galera!
Na entrada do Paraná dos Corós, com binóculos de iluminação noturna, Nascimento vê a torre do submersível emergir. Vira-se para equipe e alerta:
- Pessoal se prepara. Precisamos apreender essa embarcação de qualquer jeito. Marcos Henrique quando a tripulação sair do submersível, acelere em direção a eles. Só pare quando estivermos em cima.
- Ok, deixa comigo.
A tripulação desembarca. Nascimento, dá o comando, Marcos Henrique parte. O submersível está guardado por pequenas embarcações locais que rapidamente se aproximam, o tiroteio é intenso, tanto na superfície do rio, quanto da base dos traficantes em direção a embarcação policial. Marcos Henrique se afasta, embora com diversos escudos blindados de proteção os seis policiais estão em desvantagem. Pará toma alguns tiros nas pernas, abriga-se na parte baixa da lancha. Nascimento pede a Kate que injete uma injeção opiácea nele, ela o faz, a dor passa. Também consegue estancar o sangramento com bandagens da maleta de primeiros socorros. Nascimento então pensa um outro plano:
- Antes que eles zarpem vamos atravessar de um braço a outro do rio por cima da vegetação, se não encalharmos, pulamos na mata, Kate assume o timão e leva Pará a um local mais seguro.
A lancha parte para essa manobra, sob o comando de Marcos Henrique. Enquanto atravessam a vegetação, Andrade, Oliveira, Nascimento e o próprio Marcos Henrique pulam armados de fuzis. Kate assume o timão e se afasta do confronto. Andrade ao pular quebra a perna, os traficantes se aproximam para executá-lo, Oliveira se atira na frente, sendo nesse instante, ferido fatalmente. Andrade mesmo levemente ferido consegue eliminar os traficantes que se aproximaram. O tiroteio continua intenso na proximidade do submersível, aos poucos, com a vantagem de seus equipamentos, com tecnologia para combate noturno, vão revertendo a vantagem dos traficantes. Marcos Henrique por precaução mata a tripulação do barco inimigo, evitando com isso, que procedam submersão para fuga. Os traficantes ainda vivos decidem afundar a embarcação com drogas, mas a náu encalha na margem. A situação está praticamente dominada. Os que fogem são cercados a tiros por Kate e Pará e acabam se entregando, a operação termina. Andrade se aproxima de Oliveira:
- Aguenta firme, amigo.
- Fiz o meu possível, ao menos verá seu filho...
Oliveira fecha os olhos, Andrade fica consternado. Marcos Henrique, se aproxima e olha para o corpo de Oliveira:
- Xará, você sempre será um grande cana. Provou isso hoje em ação.
Passados alguns dias no retorno à capital. Odilon, conversa com Nascimento.
- Eu pedi pra você não mentir pra mim.
- Lamento Chefe, assumo meu erro.
- Levanta a cabeça! A operação foi e sempre será oficial. O submersível foi apreendido, a Marinha o trouxe, pesamos três toneladas e meia de cocaína. Há indicações que pertence a clã de "Los Rivera". Vamos encaminhar esse material para a Polícia internacional. Você continuará chefe aqui, vou deixá-los, estou voltando para o meu Estado de origem. A família do Oliveira, chega hoje à noite no aeroporto. Você e Marcos Henrique vão busca-los, ok. O Diretor Estadual fará uma cerimônia em homenagem a seu ato heróico nesta missão.
Após alguns dias o filho de Andrade nasce, é um menino. Ele e a esposa resolvem chamá-lo de Marcus. Kate é condecorada "mulher policial do ano" e transferida por mérito para o sul do país. Jorge Sales após se recuperar, consegue transferência há muito planejada para mais próximo de Belém. De férias, compra um carro antigo e vai passear pelas praias de seu Estado.
Ao fim do cumprimento da missão, Nascimento leva Marcos Henrique ao aeroporto.
- Então "piloto" foi difícil, mas agora com a missão cumprida, retornará ao Rio de Janeiro.
- Sim retornarei. Para muitos sou insensível, um otário. Não fiz nada demais, apenas acelerei a lancha a 120 km/h à noite no Rio. Quer saber a verdade? Não sou como muitos pensam. Apenas acelerei, não enxergava nada. Aprendii a pilotar com Leôncio, que além de piloto é lutador. Foi ele quem me ensinou tudo que sei sobre o rio. No mais, sigo minha intuição quando estou pilotando, ela me diz qual rota seja mais segura para navegar. Porém isso, jamais será uma certeza. Agora pergunto, quase terminando um cigarro, será que valeu a pena? Lutamos por quê, lutamos pelo que? Será que um dia venceremos essa guerra? Aprendi a duras penas uma lição dessa vez, ver um parceiro tão novo e dedicado ao serviço, sofrer esse fatídico revés em ação, essa “morte no rio”... Isso me abalou! Claro, já vi outros morrerem, mas nunca alguém dessa forma, vibrando, acreditando, se entregando de corpo e alma à instituição.  Diga:  - Quantos policiais ainda serão mortos na luta contra o tráfico ?
- É verdade Henrique, você tem toda razão, talvez não valha mesmo a pena. Nem todos reconhecem o trabalho e só quem chora nossos cadáveres, são nossas famílias.
Os dois amigos apertam as mãos, Marcos Henrique, apaga  seu último cigarro e sobe lentamente as escadas da aeronave sem olhar para trás.  Não sabendo se cumprirá outra missão.

PS - Esta é uma obra de ficção, assim como seus personagens.
Colaboração: Nascimento, C. S.
Revisão: Aux