Enigma 4
Manhã. Oito horas. Luis acordara com uma sensação de cansaço e aquela vontade de seguir dormindo. Dormir até o fim desses enigmas. Não suportava mais ter que pôr toda a sua energia para salvar todas aquelas pessoas. Definitivamente, ele não era o tipo "herói" que salvava tudo no fim do dia. Todavia, precisava seguir essa sina, afinal, as contas não parariam.
Bem, mas saco vazio não para em pé, já diz o ditado. Então, Luís foi fazer café. As sobras da geladeira apontavam para um omelete com bolachas e café. Poderia faltar tudo, menos café. Era a sua "vitamina" diária. Entretanto, aquelas foram as últimas sobras do dia. Depois de hoje, precisaria fazer feira, mas isso é problema pro seu Eu-futuro. O presente demandava outras questões.
Enfim, decidiu olhar o celular. Já estava no quarto enigma. Depois desse, só restaria mais um. Vamos resistir só mais um pouco... A mensagem de hoje pra variar não tinha lá muito sentido: "Por aqui, passam sonhos, desejos, dores e temores. Por aqui, somos todos reais e fugazes, evaporando ao final de um piscar". A reação de Luís, que já vinha virando tradição foi "ok, que merda isso quer dizer"?
Passado, o momento "Tô puto". Luís começou a organizar os pensamentos. Primeiro, ligou para Hector, para saber se ainda estava de pé a proposta para auxílio na investigação. Também para dividir um pouco do peso daquela empreitada, afinal até onde lembrava, ainda era humano.
- Alô, Hector?
- Opa, bom dia Luís. Já recebeu o enigma?
- Já, sim. Foi esse aqui: "Por aqui, passam sonhos, desejos, dores e temores. Por aqui, somos todos reais e fugazes, evaporando ao final de um piscar".
- Hein?
- Pois é, pensei a mesma coisa. Não é uma merda?
- Calma, calma. Vamos raciocinar um pouco. Em que lugar é possível ser real e fugaz?
- Sei lá, um filme?
- Hmm, boa! E o que mais?
- Por agora, só lembro disso. Ajude também. Eu estou nessa há 3 dias e contando...
- Certo, certo, essa parte de dores e temores, me lembrou do circo.
- Agora, estamos caminhando! Cinema e circo, já dá pra dar uma direção, não é?
- Perfeito, pensando por essa linha podemos limitar a busca a quatro cinemas e um circo itinerante. Qual o prazo pra encontrar as vítimas?
- Olha, hoje você me deu sorte. O prazo pra encontrar as vítimas é até às duas da tarde.
- E antes não era assim?
- Não, antes eram prazos bem delimitados. Ou o fim da manhã ou o fim da tarde. Geralmente, em torno de três ou quatro horas. Dessa vez, deram seis horas. É, no mínimo, incomum.
- Será que...
- O quê?
- Será que eles tem alguém infiltrado na polícia?
- Como assim?
- Bem, essa gangue seguia um certo "padrão". Por que justamente hoje, quando eu venho te ajudar, eles aumentam o prazo? Não é estranho?
- Bem, estranho ou não, nós precisamos resolver isso logo. Temos uma vida em jogo aqui.
- Claro, claro. Você está certo. Vamos fazer o seguinte. Primeiro, pesquisemos esse circo itinerante. Onde ele está?
- A última vez que vi, eles estavam na praça do relógio. Lá, também tem um cinema. Já podemos pesquisar os dois. O que você acha?
- Perfeito, encontro com você em frente ao relógio daqui a meia hora. Combinado?
- Combinado.
Destino decidido. Luís foi tomar um banho para ir ao encontro de Hector. "Duas cabeças pensam melhor do que uma", já dizia o ditado. Por isso, Luís decidiu ficar um pouco mais otimista. Nem que fosse uns 5%.
Em pouco tempo, estavam reunidos. Conforme o combinado, foram ao circo. Na frente do circo, tinha somente um segurança. Foram conversar com ele, que não se opôs à entrada dos detetives no local. Olharam com atenção, e o local não parecia ser um campo propício a prender uma vítima. Primeiro, por estar em constante movimento. Segundo, por ser um campo limitado. Esconder alguém para fazer joguetes, seria algo limitado e improvável de ser descoberto. Desistiram e partiram para o 1o cinema da lista.
Cinema Milharais. Era um lugar famoso por passar filmes de arte e histórico por ter sido o primeiro cinema da cidade, funcionando com a exibição de filmes antigos das décadas de 60, 70 e de filmes das produções locais, difíceis de conseguir espaço para serem expostas, enfim, um lugar justamente tombado. Será que eles se atreveriam a colocar lá?
Chegaram ao local que funcionava normalmente. Novamente, não encontraram oposição para vascular as salas, entrando em horários alternados para não atrapalhar as sessões. Entraram também nas salas de operações, apesar de ser um tanto quanto improvável devido ao espaço delas, acomodar uma vítima lá. Assim como as demais, nada. Era a segunda busca que o levava a ficar sem saída.
Hector, alheio a toda aquela panela de pressão que circula a cabeça de Luís, foi quem indicou os próximos cinemas a serem averiguados. Vila Fusca e Casa Velha. Sua escolha deveu-se a proximidade entre os dois locais, o que agilizaria as investigações.
Tanto o Vila Fusca quanto o Casa Velha eram conhecidos por terem um grande fluxo de pessoas e por passarem mais filmes blockbusters, conhecidos como líderes de bilheteria. Luís achava que todo esse movimento tornaria improvável a escolha daquele cinema. Levando-se em consideração as comunicações feitas pela gangue, faria sentido tal observação. E, assim como suspeitou Luís, os dois locais não tinham nenhum indício da passagem de algum membro da gangue, fato que frustrou Hector.
Partiram para o último local, o cinema Enigma, localizado no Shopping Cambinazzo. Esse era o local mais caro da cidade, talvez por isso, o preferido das elites. O cinema Enigma só tinha 3 salas. Seu ingresso era mais caro, com direito a "mimos": cadeiras com apoios para os pés, pedidos durante a sessão. Realmente, tanta exclusividade poderia ser o cenário perfeito para esconder uma vítima. Tudo ficava ainda mais suspeito ao saberem que uma das salas estava interditada para reforma. Será?
A total cooperação dos administradores do cinema deixava Luís desconfiado dessa possibilidade. Embora, o cenário de reforma fosse o ideal para bagunçar com a mente de alguém, a disposição de armadilhas e truques ficaria difícil naquele ambiente. Todavia, eram investigadores. Era o seu dever desbravar todas as possibilidades.
Caminhando nos arredores da poeira e daqueles destroços de madeira, de cadeiras quebradas, ficava difícil distinguir algum corpo ou qualquer armadilha que fosse. Era preciso olhar com atenção redobrada diante daquele cenário desolador. Naquela caminhada, Luís percebeu um braço que sobressaía no meio dos destroços. Não se fez de rogado e chamou Hector para ir correndo puxar aquele "suposto" corpo.
Para a tristeza de ambos, era apenas um manequim sujo e mal-acabado. Isso foi uma decepção, mas trouxe as suas surpresas. A primeira delas foram marcas de cortes em torno do boneco. A maioria delas estavam sobre os pulsos, sugerindo um simbolismo de morte. Entretanto, era apenas um boneco opaco e sem vida. E agora?
Além dos supostos "cortes" nos pulsos, o manequim apresentava uma inscrição pequena na área do peitoral. Ela dizia: "alternativa errada, baby". Luís começou a pensar se aquilo era uma cilada e perguntou aos funcionários do cinema se poderia ver as gravações dos últimos dois dias. Antes que Hector pudesse entender o que acontecia, Luís já seguia acelerado para as salas de vigilância. O que veria?
Ao olhar os vídeos, Luís encontrou a prova que queria. A silhueta do homem dos últimos incidentes. Nas filmagens, ela apareceu por volta das 19h da noite do dia anterior. Luís a reconheceu na figura de um faxineiro que entrava na sala fechada. Por ser uma área restrita, não costumava ter movimento na área. De certo modo, isso o ajudou a entrar de fininho, empurrando um carrinho de faxina. Ao entrar na sala, a filmagem era cortada. Luís entrou em desespero. Seria o fim?
Perguntou para o assistente se tinham câmeras na sala largada. Não, não tinham. Antes que o desespero batesse, Hector perguntou se a filmagem cobria a noite toda. O funcionário confirmou que sim. Então, ele sugeriu a Luís que assistissem ao resto para confirmar a sua saída.
Por volta das 21h, o "faxineiro" saiu. Viram as filmagens seguintes até às 11h da manhã de hoje. Não houve nenhum movimento na área interditada. Agora, Luís tinha certeza: o bando "plantou" uma armadilha para ele. Contudo, se ali não estava a quarta vítima, onde ela estaria?
"Pense, pense, pense" - Luís continuava a repetir mentalmente. Enquanto andava de um lado pro outro, inquieto, Hector teve uma súbita inspiração, a qual revelou-se o caminho a ser tomado:
- Luís, se eles plantaram uma armadilha aqui, no cinema mais luxuoso da cidade, será que a vítima não estaria escondida no local mais simples possível? O 1o cinema?
- Puta merda, mas é claro! A pegadinha perfeita! Mas onde ela estaria lá? A gente verificou tudo!
- Quase tudo. Tinha uma sala escondida próximo ao armário do cinema. Aposto que estava lá.
- Você tem certeza disso?
- O que nós temos a perder? Aposto uma caixa de cervejas com você!
- Fechado! Vou confiar nos seus instintos!
- Lidere o caminho.
Hector acertaria?
O andarilho