Enigma 3
Luís estava pensando naquele papel que dizia "parte dois". Ao abrir o papel, tinha mais uma frase para quebrar a cabeça pra descobrir. "Ao cair do dia, eu emerjo imponente, substituindo a luz do dia pelas da alvorada, dominando o maior dos horizontes". Na leitura daquilo, a primeira associação que Luís fez foi com alguma loja de presentes. Algo na linha daquelas mensagens de parabéns ou de felicidades por feriados importantes. Será que estava raciocinando direito?
Bem, desde que começou esse "jogo com vidas", Luís estava levando de goleada. Sendo feito de gato e sapato, não custaria nada pensar fora do comum para atingir novos resultados. Sendo assim, concluiu que uma loja de presentes, além de ser uma busca insana devido à imensa quantidade de locais desse tipo, parecia ser um pensamento limitado e que "engessaria" o jogo, afinal de que adiantaria participar de um jogo impossível? Qual graça seu adversário veria em sequer vê-lo falhar?
Certo, certo, Luís e qual plano seguir? Além de estar falando consigo mesmo na terceira pessoa? Bem, qual o local com o melhor pôr-do-sol da cidade? Praça das Armas? Colina dos uivantes? Morro do Manuel Louco? Três opções. Luís tinha até às 18h da noite para evitar mais uma morte na sua conta. Mas, qual dessas três?
Poderia pesquisar rapidamente no Google para saber qual deles era o mais frequentado. Ou ainda olhar qual era o destaque dos cartões-postais vendidos em bancas de revistas. Afinal, qual pegada seguir? Confiar em estatísticas virtuais ou no instinto de detetive? Qual deles poderia ajudá-lo a virar esse jogo?
Decidiu seguir o seu instinto. Olhou os três pontos turísticos nas redes. Mirou os detalhes. Qual deles, daria para esconder uma pessoa? Qual poderia passar alheios aos olhares dos demais? Qual teria um acesso que não fosse fácil, porém não desse tanto trabalho pra chegar? Qual teria um bom acesso a Internet, tendo em vista que sua rival sempre fazia vídeos e chamadas, após o final de cada negociação?
Pensou, pensou e pensou. O local que reunia tais características era o Morro do Manuel Louco. Curiosamente, o menos visitado. Estava distante cerca de 15 km do centro da cidade. Ao anoitecer possibilidade uma das melhores vistas da região. Aos arredores, havia algumas cabanas que pessoas viviam. Tinha que ser ali. Pensou em ir de carro, mas daria muita bandeira. Decidiu seguir no improviso e alugou uma moto. Havia anos que não pilotava uma, mas era uma medida urgente. A vida é muito curta para não viver sem apostas, certo?
Seu prazo final era até às 18h. Chegou no Morro por volta das 17h30. Ao chegar fitou a vista do horizonte. Por alguns minutos, permitiu-se ter o olhar de turista para aquela vista arrebatadora que cobria toda a cidade. Naquele breve espaço de tempo, lembrou-se do que ser simplesmente mais um na multidão, longe dos anseios e aflitos do seu trabalho. Apenas um em comunhão com a natureza a fitar as luzes da cidade. Na medida em que voltava o olhar para o morro, notou, em uma linha reta, a silhueta daquele mesmo homem da praça próximo a uma casa de 1o andar, cercada por alguns arbustos. As janelas do 1o andar estavam fechadas, porém, do lado de fora havia chinelas e um roupão rosa. Será que a próxima vítima estaria ali?
Sorrateiramente, foi se aproximando da casa. Olhares fixos no vigia, e naquela estrutura para entender como entrar sem chamar tanta atenção. Ao pegar a sua arma no casaco, notou uma grata surpresa: a presença de dois dados tranquilizantes. Poderia evitar uma morte desnecessária e salvar a sua primeira vítima. Seria uma mudança de maré?
Com a arma equipada com o dardo, aproximou-se mais da cabana. O segurança tinha um semblante fechado, e, vez por outra, mirava os arbustos. Nisso, Luís o distraiu, jogando umas pedras em umas plantas próximas. Quando o segurança foi verificar, Luís atirou o dardo no seu pescoço. Ele caiu desacordado. Foi a senha para entrar na cabana.
Para entrar, Luís deu uma de MacGyver: enfiou o pé na porta com tudo pra abrir. Quase quebrou o pé na investida, mas valeu a pena. Ao ressoar da porta aberta, escutou barulhos vindos de cima. Alguém que parecia se remexer em desespero. Afoito, subiu para verificar. Restavam 5 minutos para o fim do tempo. No andar de cima, existiam dois quartos. Ao chegar, mirou os dois, contudo não sabia em qual deles a vítima estava. Solicitou que fizesse mais barulho para poder identificar. Por fim, conseguiu descobrir o quarto e abrir a porta. A mulher estava pelada, com os braços amarrados para trás e vendas na boca. Correu para desamarrá-la, sem entender porque a moça continuava a se debater em desespero. Só entendeu quando tirou a venda de sua boca:
- Cuidado com o machado!
- É o quê?
O tempo se esgotou. Como consequência um machado partiu-se de uma corda para cair na cama. Felizmente, Luís pegou a moça e pulou para fora da cama a tempo. A mulher chorava muito. Era um alívio, um alento. A primeira vitória em muito tempo. Com o coração a mil, Luís tentava digerir todo aquele momento, enquanto caminhava com a garota para fora da cabana. Colocou um casaco nela e uma roupa para cobrir. Em seguida, subiram na moto e saíram, rumo a delegacia. Luís tentou puxar conversa com a vítima, mas ela ainda seguia em choque. O melhor era ir até a delegacia mesmo.
Chegando lá, mandou chamar pelo Hector, o chefe do caso da gangue. Entregou a garota, a qual foi acolhida pela polícia e encaminhada para um hospital. Após isso, contou o que sabia, afinal ele parecia ser de confiança, o que deu início a uma breve conversa.
- Você foi seguido até aqui?
- Creio que não.
- E todo dia estão te mandando "enigmas" para resolver, correto?
- Sim, eles clamam que seriam vítimas do Horácio, o psicopata que eu prendi.
- Hmm, nesse caso, poderíamos entrevistar a vítima e saber o que lembra dele, talvez, assim poderíamos encontrar mais pistas.
- Acredito que sim. Eu já perdi duas vítimas, aquelas que vocês encontraram no hotel e uma hoje pela manhã. Essa é a primeira que resgato.
- Entendo. Façamos o seguinte, vá pra sua casa, descanse e assim que acordar me ligue. Melhor, quando receber o "enigma".
- E não tem problema? O seu telefone não será rastreado?
- Não, porque essa linha que te passei, é segura. Uso pouquíssimas vezes. Nem minha família sabe disso.
- Certo, então irei voltar pra minha casa. Aproveitar essa pequena vitória e amanhã nos comunicamos.
- Perfeito, boa noite.
- Boa noite.
Animado com essa nova possibilidade, Luís foi embora para casa com a intenção de descansar um pouco. O dia foi puxado e, apesar da pista, ainda tinha perdido mais uma vítima. Restava saber se Hector seria um parceiro adequado. Nessa hora, sentiu saudade de conversar com Letícia, que, com sua visão de alheia aos casos, certamente o distrairia. Por outro lado, poderia ser que quisesse participar da bagunça o que tornaria o seu estresse ainda mais dobrado. É melhor que não estivesse lá mesmo. Assim, Luís desmaiou no sofá e nem viu a mensagem que recebera da gangue: "Olha só, até que enfim fez um gol, sabia que você proporcionaria um bom jogo. Será que você vai dar sorte amanhã? Beijos, meu investigador pre-di-le-to". A maré irá mudar?
O andarilho