(In memoriam de João José de Alencar Pinto)

 

Faz 36 dias nesse trabalho. Já vi os caras carregarem drogas, marquei o ponto de alguns esconderijos da quadrilha, enviei fotos através de equipamentos escondidos na mata. Tenho feito bem meu trabalho. Semana passada a quadrilha, me deu uma Smith, saia e blusa, para usar. Particularmente, nunca gostei deste armamento. Mas, me viro como posso. Estou a sudoeste do Estado de Rondônia, o Rio Guaporé é uma avenida de drogas. Sou o único policial infiltrado neste trabalho. Estou amigo dos traficantes, que me chamam, "Luca". Meu nome real é Alencar. Já possuí diversos nomes, nesse trabalho. Pra mim, só mais um serviço. Meu objetivo neste, é pegar Morel, um grande traficante latino. Sempre veste branco com um belo chapéu panamá, nos dedos dois anéis de ouro. Um de seu cartel, outro ganho como personalidade do ano em seu país. Na cintura, uma Colt 45 governmental. É bastante impiedoso, quando precisa. Ortega, meu padrinho no grupo, falou bem de mim pra ele. Além de salientar que sou um exímio jogador de sinuca.
Morel desce de helicóptero no acampamento próximo ao rio. Daqui enviamos carregamentos pelo rio Guaporé, até alcançar o Amazonas. Numa operação camuflada em barcos de transportes e submersiveis. Um esquema deveras milionário. Entretanto, muitas dessas cargas em razão de nossa operação, estão sendo apreendidas. Morel entretanto, chega humilde ao acampamento. Coloca todos da quadrilha para beber, após desarmados.  A festa é repleta de bebida, comida, mulheres e drogas. Só Morel e um segurança de sua confiança permanecem armados. A certa altura, Morel grita:

- "Luca, su cabrón, hijo de puta e informante. Si quieres salvar tu vida, tendrás que vencer al campeón nacional de mi país, Sr. Hidalgo,  de la capital. En el juego de billar. Ao ouvir tais palavras, pensei, caí. Ortega que já sabia de tudo, vem me buscar:

- Luca ou sei lá o quê, faça o milagre de ganhar ou vai virar adubo, no plantio de coca.

Nervoso, fui em direção aos aposentos de Morel, onde havia uma mesa de bilhar. Sr. Hidalgo retira de um estojo de couro seu taco. Escolho o meu entre os disponíveis no salão. O jogo começa, logo na saída, Hidalgo mata uma bola, depois sai matando uma atrás da outra sem errar. Liquida a primeira partida. Eu já contava as flores de meu caixão. Na segunda partida, Morel dá um grito para exaltar a expertise de Hidalgo. Tal grito no entanto,  acaba o atrapalhando e nenhuma das bolas caem. Porém, muitas ficam próximas a boca. Na minha vez, aproveito e mato todas as bolas, menos uma. Hidalgo joga, mata também quase todas e na sua última tacada esbarra na minha bola, jogando-a para dentro.  Empatamos, e vamos à última partida. Neste momento, rezo a todos os Santos. Dou a saída, mato diversas bolas. Mas, por coincidência do destino, a bola mestre fica presa numa sinuca para Hidalgo. Sinto meu santo vibrar no coração e Hidalgo se irrita. Faz uma péssima jogada, eu na minha vez, liquido o jogo. Morel fica enfurecido com Hidalgo, mas me parabeniza. Convicto de que sou um informante, ordena a Ortega que me leve até o rio para que seja espancado e depois jogado às águas para os caimans. Apanho muito durante horas, tenho três dedos das mãos decepados para sangrar. E então, sou jogado ao rio, para morrer.
Após ser jogado, acordo quase afogado. Mesmo sendo noite, consigo subir um tronco trazido pelas águas. Deixando somente parte de minhas pernas submersas. Enquanto lavo meus ferimentos, constato a perda de três dedos da mão esquerda a partir do polegar e enxergo somente com o olho direito, apesar de estar bastante ferido, relembro as palavras de Ortega durante o espancamento:

- Luca, tuyo cabrón. Morel ordenó que se quitara los dedos de la mano izquierda, que nunca más volvería a jugar al billar y que le perforaría los ojos para que ya no vea lo que no debe ver.

Após isso consigo ver bem distante uma luz do outro lado da margem; calculo ser o Vilarejo de "Piedras Negras", onde minha corporação tem uma base. Arranco um galho do tronco para afugentar qualquer ataque animal, enquanto navego e com as pernas, direcionando à embarcação improvisada, para o vilarejo. Cerca de duas horas depois, chego à praia e desfaleço. Havia perdido muito sangue. Ao acordar, num posto médico, sou abordado por um antigo colega de serviço de nome Pinheiro. Um matogrossense de cabelos grisalhos:

- Alencar, meu amigo o que aconteceu, contigo?  Você está muito mal, conte-me tudo.

Alencar então repete a história para Pinheiro, que expressa:

- Que filhos da puta!

Chamamos um médico. Infelizmente, você perdeu uma vista, a outra está muito machucada tentaram perfurá-la, seus dedos da mão esquerda...

Alencar interrompe:

- Já sei, Pinheiro. Quero te pedir para não comunicar meu estado a ninguém, enquanto não articularmos o revide.
- Ok amigo, seja como você quiser. O comando de posse das informações, por ti enviadas, preparou uma grande operação em conjunto. Vamos estourar os pontos de apoio do lado brasileiro. E el
es, junto aos americanos, os laboratórios lá sediados.
- Mas Pinheiro, alguém de nós tem que ir junto. Afinal, fomos nós que mapeamos tudo.
- Sim, eu serei esta pessoa. Parto amanhã.
- Vou contigo.
- Negativo, não tenho ordens para isso.
- Olha só quem colocou a vida em risco fui eu, embarco no helicóptero com você amanhã, vivo ou morto.
- Ok, então descanse. A parada vai ser dura, não vou te chamar, não quero assumir a responsabilidade por você ir junto. De seu jeito de estar na aeronave conosco.
- Deixa comigo.
Antes do amanhecer, Alencar já estava no helicóptero, chega Pinheiro o piloto e o co-piloto e indagam:

- Não éramos três?
Alencar saca sua 9mm e diz:

- Agora estamos em quatro, o piloto tenta argumentar mas, Pinheiro o cala:
- Tá tudo certo, não temos tempo.
A equipe então, levanta vôo.
De cima, Alencar mostra a Pinheiro o último acampamento do tráfico que ficou, estava completamente queimado e devastado.

Pinheiro, indaga:

- Sabe os outros pontos?
- Sim, conheço mais dois. Mas, não irão para lá. Com certeza, estarão num quarto que não cheguei a ir. Mas, está marcado no mapa que lhe passei, olhe na pasta.
Juntos então,  conseguem ver a localidade nominada,  "Pase del Cóndor", passam a localização para as demais aeronaves da operação conjunta.
Ao chegar, o piloto exclama:

- Há uma guerra lá em baixo, terreno muito irregular, sem condições de pouso. Alencar argumenta:

- Baixe o máximo possível próximo ao solo, eu e Pinheiro saltaremos. Pinheiro hesita. Mas, em seguida, balança a cabeça em acordo. Ambos pulam de uma altura de cerca de 5 metros, sob fogo cerrado. Portam dois fuzis e pistolas. Alencar, ao cair, machuca ainda mais a mão, recém operada. Abriga-se e injeta morfina no braço. Pinheiro vendo a cena, pergunta se ele está bem, responde que sim. Morel havia reunido a maioria de seus homens naquele QG, com uma grande quantidade de drogas e armamentos. A troca de tiros é intensa. Com baixas de ambos os lados, um dos helicópteros das forças policiais é abatido. Os traficantes comemoram. Observando a explosão, do helicóptero, Alencar diz a Pinheiro:

- É agora. Vamos avançar pela lateral, contornar os veículos, e adentrar aquela construção. Pois, há um homem lá dentro com um chapéu Panamá. Deve ser Morel. Pode haver algum esconderijo, interligado ao subsolo.
Pinheiro responde:

- Venha atrás de mim, abrigado. Você está ferido. Alencar concorda.

De fato, Alencar estava perdendo muito sangue. Mas, não esmorece. A morfina o mantinha de pé. Contornam os veículos e ficam de frente para a construção fortificada. Pinheiro, com um lançador de granadas, consegue acertar um dos orifícios da fortificação utilizada pelos atiradores.
- Boa Pinheiro! Diz Alencar.
Em seguida, invadem o prédio. Alguns homens de Morel, bastante feridos pelos estilhaços da granada, oferecem fraca resistência à invasão. Alencar  executa um por um, sem hesitar. É um policial frio e calculista no desempenho de seu trabalho.
 Livram-se de todos. Conseguem enfim, acessar a porta do alçapão, onde provavelmente Morel está. Ao abrirem, são recebidos por rajadas de fuzil disparadas por Ortega e Nacho, segurança pessoal de Morel. Alencar é ferido mortalmente no abdômen e sangra muito. Pinheiro responde ao ataque matando ambos com sua pistola. Aproxima-se de Alencar que perde sangue em golfadas pela boca e num último suspiro diz:
- A missão é prender Morel, não se esqueça. Então, não o mate, por favor.
- Vou cumprir a missão, amigo!
Alencar aperta o braço de Pinheiro e dá um último suspiro.
Pinheiro controlando um mister de tristeza e ira. Pois,  naquele momento perde o maior amigo de  sua carreira,  volta-se para a abertura do alçapão e grita:
- Morel seu vagabundo, entregue-se!
O traficante, então, responde:
- Si señor, ja ja!
Pinheiro controla sua fúria e algema Morel. As forças da operação conjunta tomam o acampamento dos traficantes apreendendo vasta quantidade de drogas e armamentos. Dezenas de bandidos são presos. Pinheiro retorna ao seu país, onde é comunicado da abertura de um procedimento apuratório. Não deveria ter levado um policial ferido ao campo de batalha. Um dos pilotos o havia depurado.
Olha então para uma foto de Alencar sobre a mesa e ri. Amassa a representação, joga na lixeira e exclama:

- Malditos! Jamais colocam a cara pra apanhar. Sempre querem resultados e quando conseguem, ainda assim, encontram uma forma de punir. Sem levarem em consideração toda conjuntura dos fatos sucedidos e quem de fato o realizou.

Rio de Janeiro, 02 de maio de 2020.

Está é uma obra de ficção.
Revisão do texto: MHCC.
Colaboração: Telmo Corrêa


Nota: Caiman, é um gênero de jacarés das Américas Central e do Sul que inclui três das espécies de animais conhecidos como jacaré ou caimão. Podem alcançar mais de trës metros de comprimento.