ANTES DO MATE
Ele cavalgou a noite inteira desde a Coxilha Grande até o povoado mais próximo. Montava um cavalo preto, preparo de couro cru e pelegos vermelhos. Vestia-se com a pilcha tradicional dos gaúchos, botas pretas, esporas prateadas, bombacha branca e camisa branca e lenço vermelho no pescoço, chapéu preto de abas largas. No cinto cartucheira de couro carregava o dinheiro, muito dinheiro. na cintura uma adaga cabo de prata. No cano da bota da perna direita aparecia o cabo de outra lâmina. Um revólver niquelado estava preso as costas e ao redor do cinto muita munição. Ninguém sabia quem era, nem de onde havia chegado, mas isso era comum na região, os castelhanos passavam para o Brasil e os brasileiros para o Uruguai, com toda a facilidade e simplicidade, o que fazem até hoje. Aristófalo, disse ele ao vendeiro onde pediu um trago de canha e uma linguiça frita com pão de milho, pois era meio- dia em ponto. Não sem antes pedir água para o cavalo que deixara sob um cinamono bem próximo da porta principal do bolicho. O vendeiro notou um brilho especial nos seus olhos quando o sino da igrejinha bateu doze badaladas, Aristófalo tirou o chapéu por um instante numa estranha reverência.
-Permita que me apresente amigo, me chamo Jonas, um seu criado.
Aristófalo não lhe estendeu a mão e permaneceu com o olhar estranho que parecia cortar o vento.Mas não estava ventando naquele momento, o sol sumira e nuvens cor de chumbo prenunciavam alguma coisa terrível.
-Aqui está sua canha amigo, a comida o menino já lhe traz, fique a vontade enquanto eu como alguma coisa antes que esfrie tudo, disse Jonas com um sorriso sem graça.
Aristófalo continuou com seu olhar frio e indefinido. Jonas se retirou para outra peça e foi comer. A linguiça com pão de milho veio servida numa farta porção e posta sobre a mesinha no canto. Um cachorrinho sentindo o aroma se aproximou, Aristófalo lhe deu um naco de linguiça, o cachorro engoliu, logo o homem mandou-o embora e o cão saiu em disparada.
-Me sirva um gol de vinho, pediu. O menino o serviu em um copo meio engraxado e sentou-se atrás do balcão. O estranho freguês comeu, arrotou forte, bebeu o vinho num gole só.Após abriu a guaiaca, retirou o dinheiro e deixou -o sobre o balcão, dizendo não precisar troco. Na sombra do cinamono, retirou os arreios do cavalo,colocou-os na boa sombra e ali pareceu dormir uma siesta por muito tempo, aliás como era comum naquelas paragens. Lá por volta de três horas da tarde, levantou-se, deu um pouco de milho ao cavalo, encilhou novamente e partiu do jeito que chegara, sem falar. As sete horas da tarde, alguns fieis chegaram para a segunda missa do dia,que diziam ser a missa antes do chimarrão da tarde. Encontraram a porta já aberta e foram entrando, enquanto conversavam animadamente. Nada do padre.
-Ué, onde está o padre?
Andaram pela igrejinha toda e nada do sacerdote.
De lembra-se que padre Angelo era um homem estranho, diziam que fazia algumas graças estranhas para as moças, mas nada ficou provado, nem mesmo quando Marcolina uma jovem muito bela, entrou um dia para se confessar, demorou muito lá dentro, depois de sair pegou seus objetos pessoais e não mais foi vista no local. Pois bem, o pessoal queria a missa a que estavam habituados naquele horário e procuram o padre, não o acharam. Veio a noite e o padre não voltou. Os moradores resolveram verificar em seus aposentos na casa do João da carroça.
-Não, ele saiu depois da missa da manhã dizendo que iria descansar na sombra do mato e não voltou mais.
-Levou um cantil com água, comida e só.
Passaram a noite e pela manhã foram novamente perguntar pelo padre. Ninguém o vira. Foram na Igreja, a porta agora estava fechada. Empurraram-na com força até abrir. No confessionário, coberto pelo próprio sangue encontrava-se Padre Angelo. Ao olhar mais apurado viram um buraco de tiro na testa, uma adaga prateada cravada no peito e outra cravada na barriga. Foi um alvoroço e só aí o vendeiro Jonas foi chamado e contou a história da manhã anterior dizendo que aquele foi o único estranho que esteve na venda no dia anterior. O Comissário reuniu uma grande equipe e na saiu em busca do desconhecido, vários dias depois e não descobriu ninguém, mas manteve chaveada em sua gaveta uma estranha pasta onde se lia CASO ANGELO, o crime de antes do mate. Este, na verdade, não era padre e sim um criminoso procurado em vários lugares. O estranho Aristófalo ninguém conhecia, mas um velho tropeiro falava vagamente sobre alguém semelhante ao tipo descrito. No entanto sempre dizia o tropeiro
-Mas aquele era um homem bom!
E o crime nunca foi resolvido e as questões pipocavam na mente fértil dos moradores, como a porta aberta antes da missa de antes do mate, depois a porta fechada no dia seguinte. O Padre foi morto no local? E daí em diante se perdiam os quesitos e o fato virou lenda.