Empatados

EMPATADOS

- Você pode falar quantas vezes quiser, Gerson, mas fato é, de uns tempos pra cá o nosso casamento vem sendo um fiasco. – falou Beth tranquilamente ao celular dentro da viatura. – isso, você pode gritar o quanto quiser e puder, depois você mesmo vem com o rabinho entre as pernas pedindo perdão.

Álvaro bateu na janela do motorista. A delegada desceu o vidro ainda com o telefone no ouvido.

- Com ou sem maionese? – perguntou o investigador.

- Com muita maionese.

Assim que Álvaro se afastou Beth seguiu discutindo com seu marido, um professor universitário de cinquenta anos. Elisabete e Gerson estão casados a quase trinta anos e desde quando ela descobriu que o mesmo a traiu com uma colega de trabalho a relação entre os dois se tornou insustentável. Eles já até tentaram colocar um pano em cima disso, mas volta e meia o assunto vem a tona. Ela encerrou a ligação quando seu parceiro de trabalho abriu a porta do carona segurando os lanches.

- Caramba, o lugar estava cheio. Toma. – passou o cachorro quente. – com bastante maionese.

- Adoro tudo isso. – deu uma mordida. – e quanto ao nosso homem, está lá dentro? – perguntou de boca cheia.

- Sim. Parece negociar alguma coisa grande. Qual o próximo passo?

- Vamos esperar ele sair e ir atrás. – abriu a lata de Fanta laranja. – assim que soubermos o local certo voltaremos para a delegacia e armaremos a prisão.

*

Uma hora depois o suspeito saiu da lanchonete acompanhado de outro homem. O sujeito vestia uma calça jeans, camisa branca e um blazer preto. Na mão direita uma maleta, dessas com segredo. O outro tinha aparência mais simples. Eles se despediram com um formal aperto de mão e se separaram. O de blazer entrou num Corolla prata pegando a avenida principal. Beth e Álvaro partiram dois carros atrás.

- Até que ele dirige bem, não acha? – perguntou Beth.

- Muito bem. Bandidão experiente, jamais dará bandeira.

- Pois é, a carreira de criminoso dele está próximo de acabar.

O Corolla prata fez a curva e parou. A viatura descaracterizada da polícia passou direto ainda em tempo de ver o suspeito saindo do carro e entrando num prédio comercial. A delegada Beth Mendes vem seguindo os passos desse sujeito a mais ou menos três meses.

- É, acho que já sabemos onde ele se esconde. – comentou Beth.

- Ótimo. – terminou de anotar o endereço. – vamos para a delegacia?

- Sim!

*

As 21h Beth entrou em casa. Gerson já se encontrava a mesa comendo um macarrão instantânea e bebendo suco de uva artificial. Ao ver aquilo a delegada faz uma careta evitando uma discussão.

- Servida? – ergueu o corpo.

- Não, obrigado, vou descongelar a carne. – tirou os sapatos e jogou a bolsa no sofá.

- Carne? Onde? – franziu o cenho.

- Na minha cabeça. – abriu o refrigerador.

- Poxa, Elisabete, e eu comendo essa porcaria?

- Você chegou que horas, professor?

- As 18h, por que?

- Pois é, se tivesse olhado no refrigerador você já teria feito e já estaria comendo um bifezinho acebolado. Fazer o que quando não se conhece a própria casa? – colocou o congelado dentro da pia e foi para o quarto.

Sozinha, na copa, Beth degustou seu jantar com os pensamentos divididos. Claro que o seu casamento ocupou a maior parte. O amor deu lugar a raiva. O carinho cedeu espaço para as trocas de acusações e tudo que havia de cumplicidade agora foi ocupado pela rivalidade, farpas e agressões verbais. Uma traição, uma maldita traição causou tudo isso.

O outro pensamento é o caso em que ela está trabalhando. Difícil. Requereu de Álvaro e dela doses cavalares de paciência. Graças a incrível parceria entre os dois o caso está próximo de uma resolução. O terceiro pensamento é justamente o seu parceiro. Álvaro Linhares, homem com H maiúsculo. Bonito, inteligente, cheira bem, no momento se encontra solteiro e possui o que Beth adora num homem, pêlos, muitos pêlos, por todo o corpo avantajado. Álvaro tem feito a delegada molhar certas partes de seu corpo.

Ela colocou a louça do jantar na pia. Pegou o celular e conferir suas redes sociais durante algum tempo. Gerson se encontrava em seu escritório preparando aulas para a faculdade. Mais uma vez eles irão dormir separados. Desde quando houve o problema o casal vem apenas dividindo o mesmo teto, se tornaram quase que desafetos morando na mesma casa. Perto de completar cinquenta anos, a delegada jamais imaginou passar pelo que vem vivendo.

*

Pão, café com leite e ovos mexidos, esse será o desjejum da delegada que as sete da manhã já se encontra maquiada, cabelos soltos e muito bem perfumada. Seu parceiro quando chegou e viu aquela morena clara sentada naquela padaria toda produzida,

não conseguiu conter os elogios.

- Nossa, bom dia minha chefe, você está ótima.

- Ah, para, são seus olhos.

- Demais. – Álvaro seguiu olhando para ela.

- Alguma novidade?

- Sim. Batom vermelho, cílios, base e...

- Detetive Álvaro Linhares, eu estou perguntando sobre o caso. – sorriu.

- Ah, sim, o caso, aguardando sua posição, se a senhora quiser podemos ir até lá e enjaular de vez o cara.

- Ótimo. – deu o último gole no café. – vamos para a delegacia organizar a operação. Você pode pagar a conta?

- Mas é claro senhorita.

Depois do almoço Álvaro entrou em sua sala e passou algumas horas preparando relatórios e avaliando outros casos. Diante do monitor do computador ele nem viu o tempo passar. Exausto ele tirou os óculos de leitura e coçou os olhos quase que deitado na cadeira. De repente ele sentiu duas mãos em seus ombros os massageando. O perfume ele conhece bem, Beth. Em silêncio ela seguiu apertando delicadamente os músculos grandes e rígidos do investigador até que o mesmo quebrou o silêncio.

- Olha que eu fico mal acostumado hein!

- E isso é problema pra você? – ainda massageando.

- Lógico que não. – fechou os olhos.

Álvaro de início conseguiu reprimir seus sentimentos, mas logo notou que sua líder estava aberta caso ele quisesse avançar. Ele aguardou que as mãos dela alcançasse o pescoço para segura-las. Beth Mendes não esboçou reação. Álvaro beijou a direita e depois a esquerda. Beth continuou parada atrás dele. Álvaro deixou as mãos e passou a beijar o pulso e foi subindo. A delegada fechou os olhos quando a mão do policial tocou em sua cintura na parte de trás. Álvaro sentiu o corpo de sua chefe tremer quando ele alcançou as nádegas.

- E se entrar alguém e nos ver nessas condições? – perguntou Álvaro.

- Simplesmente verão o investigador segurando a bunda da delegada, mas isso não vai acontecer.

- Por que? – Álvaro ficou boquiaberto.

- Eu fechei a porta.

Beth deu a volta e se sentou no colo do parceiro que ainda oferecia uma certa resistência. Ela segurou o rosto dele, acariciou-o e depois o beijou. Beth e Álvaro trabalham juntos a três anos e a três anos eles guardam dentro deles o desejo um pelo outro e agora chegou o momento de fazer com que o tesão os consuma.

Eles trocam beijos suculentos, molhados enquanto suas respirações se fundem. Um ano e meio sem sentir um homem a envolvendo, a desejando, a querendo até os ossos. Eles sabem do risco que correm ali, mas isso pode muito bem ficar para depois. Ela, Elisabete Mendes manda naquele lugar. Como Álvaro é carinhoso, sabe como deixar uma fêmea pegando fogo, boa parte da pegação foi ele quem dominou. Vinte minutos, foi o tempo em que líder e liderado passaram trocando saliva naquela sala bem refrigerada do detetive.

Nada aconteceu. Beth e Álvaro não foram até o final, algo os freou. Sem cerimônias a delegada saiu de cima do investigador. Ajeitou os cabelos. Fechou a camisa e olhou para ele que não escondeu sua timidez.

- Não precisa ficar assim. – segurou o rosto dele e o beijou.

- É que, não sei, é estranho, sabe, eu sempre lhe vi como minha líder, sempre tentei afastar a mulher maravilhosa que você é, e sempre procurei ver o lado profissional.

- E o que achou do lado Beth Mendes mulher maravilhosa? – sorriu.

- Bom, é, beija bem, faz massagem como poucas e é tremendamente sexy.

- Viu, não foi tão ruim assim, foi? – andou até a porta.

- Claro que não. – girou a cadeira.

- Tenho ótimas notícias pra você. Depois que pegarmos o nosso suspeito iremos terminar o que começamos aqui.

*

Beth Mendes reuniu toda equipe em sua sala. Todo o planejamento foi feito, nada pode sair errado, afinal foram meses atrás desse bandido. Durante a reunião onde todos puderam dar suas sugestões, Álvaro e Beth se olhavam, pareciam trocar carícias em seus olhares. O detetive achou em vários momentos estar vivendo um sonho. Até poucas horas Beth era aquela mulher inalcançável, uma paixão adolescente onde o aluno se apaixona pela professora e agora eles estão ali, um querendo o outro.

- Então todos entenderam não é? – questionou Beth. – peguem suas viaturas e vamos lá prender aquele cara. Álvaro você vem comigo.

- Sim, senhora.

Dentro da viatura a caminho do ponto da missão Linhares passou boa parte do tempo em silêncio. Beth ao volante parou o carro no semáforo que estava fechado e falou.

- Pode perguntar, eu sei que está louco para saber. Gerson, não é?

- Sim, e o seu marido? – passou a mão na barba por fazer.

- Deixa que dele cuido eu. Tá bom? – sorriu.

- Se você está dizendo.

A partir dessa declaração os agentes focaram na operação. Eles chegaram no endereço ao mesmo tempo que os outros. Quatro viaturas no total. O prédio comercial não é lá grandes coisas, mas dá para o gasto. Beth desceu seguida de seu parceiro. Álvaro identificou duas câmeras de segurança logo na entrada. A dupla passou pela portaria com seus distintivos a vista. Assim que começaram a subir as escadas a portaria foi ocupada por três polícias armados e uniformizados deixando a todos que estavam ali no momento apreensivos.

- O que está havendo? – cochichou uma senhora baixinha.

Quinto andar. Beth está bem, mas em compensação o seu parceiro parece estar a beira de um ataque cardíaco.

- Quer um respirador? – brincou a delegada.

- Por favor. – puxou sua arma do coldre.

Porta número 502. Na placa indica escritório de advocacia. Mendes olhou para Linhares antes de tocar duas vezes. Eles aguardaram. Beth bateu um pouco mais forte dessa vez e ouviu-se o ruído da fechadura girando. Na porta surgiu o mesmo sujeito do blazer preto. De perto ele é ainda mais elegante.

- Em que posso ser útil? – sua voz é mansa, suave.

- Doutor Paulo Roberto Zago? – perguntou Álvaro.

- Sim?

- O senhor está preso, queira nos acompanhar por favor.

- Qual a acusação? – manteve a mesma expressão serena desde abertura da porta.

- Sabemos que negocia drogas usando esse escritório. – respondeu Linhares.

- Posso pelo menos pegar minhas coisas ou ligar para o meu advogado?

- Suas coisas sim, mas ligar para o advogado só quando chegarmos na delegacia. – falou Beth.

Paulo Roberto deu as costas para os agentes e andou até sua mesa. Beth e Álvaro lado a lado observavam o acusado recolher seus pertences de cima da mesa. De repente, de trás da mesa um sujeito se ergueu apontando seu trinta e oito. Álvaro empurrou sua líder contra o sofá a livrando de ser alvejada. Dois disparos certeiros no peito do atirador que caiu para trás. Paulo Roberto, se urinando levantou os braços.

- Os próximos serão em você seu desgraçado. – vociferou Linhares.

*

Foi um dia produtivo. A prisão de Paulo Roberto marcou a parceria entre Álvaro e Beth, eles terão histórias para contar. Em sua sala, sozinha, ela discute feio com o marido.

- Quase fui morta hoje e o que recebo do meu marido?

- Faz parte da sua profissão, Elisabete, fazer o que?

- Você é mesmo um insensível, Gerson, pelo menos comigo você é desse jeito, não sei com as outras.

- Sempre que pode você joga isso na minha cara, não perde a oportunidade.

- Sim, por enquanto você está ganhando essa partida.

- Do que está falando?

- Amanhã quando eu voltar para casa estaremos empatados.

- Como assim, você não vem pra casa hoje? – ligação encerrada.

Chinelos Havaianas branco. Cueca box estampa e sem camisa. Na TV um filme pausado na Netflix. Álvaro voltou da cozinha de seu apartamento tomando sua cerveja e quando iria se jogar no sofá a campainha soou forte.

- Opá, a pizza. – cantarolou.

Ao abrir a porta seu coração parou de bombear sangue para os outros órgãos. Beth, como ele nunca viu.

- Oi! – ela sorriu.

- Ah, oi.

- É assim que você recebe os convidados inesperados?

- Não, é que eu estou aguardando uma pizza e...

- Não vai me convidar para entrar?

- Ah, onde está minha educação, entre por favor, me acompanhe na pizza e no filme, vou colocar uma roupa mais adequada.

- Não precisa, iremos terminar o que começamos lá na delegacia, quero empatar o jogo. FIM.

Júlio Finegan
Enviado por Júlio Finegan em 12/02/2020
Código do texto: T6864383
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