Mr. Bad Luck

Hector não aguentava mais a onda incessante de azar que era a sua vida. Seja na parte social – sem namoradas nem amigos –, seja na parte financeira – estava com o nome sujo, outra vez, e o aluguel atrasado –, seja com os seus pertences – o carro havia sido tirado da oficina mais cedo pela segunda vez no mês, além de uma multa prestes a vencer –, seja no emprego e o cargo medíocre que mesmo com tanto esforço já por 5 anos nada mudou, alguns passavam por ele e subiam de cargo ou saíam, e ele nada, empacado. E o seu currículo era bom, a sua experiência estava apta para subir, mas por alguma razão ele não conseguia. A concorrência pela promoção do ano estava atinando os nervos de todos, inclusive o de Hector. Seria anunciado na festa da véspera de Natal. E assim foi, quando Greg, um associado novo da firma há mal 1 ano e com menos experiências do que Hector no currículo, conseguira a promoção. Hector não conseguia acreditar. Piorou quando o seu chefe ainda brincou que ele “quase” tinha conseguido, e Greg encenou uma cara de tristeza infantil para Hector ainda. Aquilo foi o mais baixo. Durante a festa Hector desejava trêmulo num canto que um dos projetores no teto caísse na cabeça de Greg e o massacrasse. Ou na do seu chefe. Ou de qualquer um ali. No final da festa, tropeçando pelos cantos bêbado, Greg veio até Hector pedindo se não podia ir com ele embora. Hector, avulso, aceitou. No carro, Greg vangloriosamente pôs o troféu da promoção reluzindo o ouro fajuto acima do ar condicionado. Aquilo enraiveceu mais a Hector. Greg estava mais delirante do que acordado durante o caminho. “Hector, meu chapa...você... esse prêmio devia ser seu, sabe...”, e Hector sibilou um sorriso desgostoso respondendo internamente “eu sei, filho da puta.” “Hector, Hector...todos falam de você, sabe... ’Por que ele não desiste e cai fora?’ Huh...vai saber...” Hector sentia uma azia de cólera ao fitar Greg apoiado na vidraça trepidante mais dormindo do que acordado. “É como o meu pai dizia... um perdedor nunca desiste...”, e Hector se sentiu ensurdecido, cego. Freou bruscamente o veículo quase lançando Greg à frente. Apanhou ao troféu do mesmo e desferiu-no gritadamente à cabeça de Greg, estalando a cabeça dele contra o vidro. E golpeou mais uma vez, e outra, manchando com sangue espirrado a vidraça e a si próprio. Hector largou o troféu e se encolheu no seu canto ofegante e com olhos arregalados em Greg. Ele estava imóvel, enquanto sangue deslizava abaixo do vidro e pela a sua boca entreaberta. “G-Gre-Greg?”, Hector tropeçou ao tentar reagi-lo, e com a mão tremendo rumo à narina do mesmo, confirmou o pior. Se lançou contra o seu assento, se encolhendo em desespero. Havia matado Greg. Naquele momento, Hector se dissociou de toda uma vida construidamente moral e lógica, e só raciocinou na ponte que havia mais adiante. Era madrugada já, não havia movimento ali além do seu carro reluzindo, e um impulso irracionalmente lógico se formulou. Hector acelerou cantando pneu e avançou cegamente até a cuja ponte. “Jogar Greg no rio. Limpar o vidro. E nada aconteceu.”, Hector repetia a si mesmo sibilando tremulamente. O corpo de Greg afivelado no cinto se balançava. Ao chegar na ponte, Hector se lançou corridamente para fora, quase caindo, até o lado do carona. Os ares ali junto à correnteza do rio chiavam a uma calma solene contrária à cuja situação. Hector abriu a porta do carona e um cheiro de ferro o possuiu, o avulsionando. Desafivelou a Greg tropeçadamente, tentando conferir se nenhum veículo vinha, e o arrastou para fora. Mais contáveis passos e estava acabado. Hector bateu as costas no suporte pedregoso da beirada e se apoiou, arfando, se encharcando de suor nervoso. Greg estava jogado às suas pernas. Hector olhou ao céu claro, à lua redonda, sentindo o ar fresco ali, e ouviu um “crack” em suas costas. Ao segundo que se virava para olhar, o apoio pedregoso velho em suas costas estatelou-se quebradamente e Hector sem apoios era lançado rio abaixo gritadamente de cabeça. O corpo de Greg permaneceu à beirada. E Hector fora engolido pelo rio. De repente, Greg avulsionou o corpo, tossindo sangue e arfando por vida, quase rolando também rio abaixo. As buscas no dia seguinte e no outro não encontraram ao corpo de Hector. Uma das duas: as piranhas ali o devoraram por inteiro ou a correnteza desovou o corpo além do possível, ou ambos. Na firma, não lamentaram a morte daquele Hector que jamais imaginaram, e tampouco Greg lamentou com boa parte da cabeça envolta em bandages. Lamentaram apenas o azar dele.

ilLoham
Enviado por ilLoham em 12/01/2020
Reeditado em 01/11/2023
Código do texto: T6840220
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