Fogo cruzado
Luís começara a dar passos curtos para se aproximar do local onde estava Letícia e Horácio, uma vez que alguma coisa não cheirava bem naquele cenário. Fazia de tudo para passar despercebido, especialmente porque conhecia bem demais a sua amiga pra saber que não gostava de ser vigiada. Mas que se dane o que ela gosta. Segurança em primeiro lugar, esse era o seu lema.
Leal como um cachorro, Luís contava com a sorte a seu favor, pois quando estava a pouco mais de cinco metros de distância, viu Horácio partir, deixando Letícia sozinha na mesa. Estava com a deixa perfeita para se aproximar, uma que não poderia recusar. E assim o fez.
- Mulher, você está bem? Tá com uma cara pálida e a boca meio roxa...
- Boa tarde pra você também! Isso se chama "arrumada", a que devo o ar da sua graça? Nunca mais que o vi pela rua...
- Muito trabalho pra variar. Aquele era o maluco misterioso que você tanto fala?
- O que acabou de sair?
- Sim.
- Era ele mesmo. Bonito né?
- É um ser estranho...
- Como você pode dizer isso sem nem o conhecer?
- Instinto.
- Bom, seus instintos devem estar errados, porque ele é um cavalheiro!
- E quantas vezes na vida você saiu com um "cavalheiro"?
- Bem... não muitas...
- E não soa estranho pra ti? Lembre-se do velho ditado "desconfie do que vem de graça"...
- Você não pode nem ficar feliz por mim? Depois de tudo o que passei?
- Eu tenho instintos investigativos. Já vi muita merda pra ser uma pessoa "normal"...
- E o que os seus "instintos" dizem sobre ele?
- Ele está escondendo algo de você.
- Como você sabe? Aliás, o que levantou a sua suspeita?
- A postura corporal dele era bem fechada e o olhar estava fixo em você o tempo todo.
- E isso não é bom?
- Parece que ele estava coletando informações, por isso a atenção extremamente focada...
- Você está sendo paranóico...
- Eu não costumo me enganar. Olho vivo...
- Mas eu acho que você vai dessa vez. Só não fazer nenhuma besteira.
- Tipo o quê?
- Tipo investigá-lo e depois acusá-lo injustamente.
- E quando foi que eu fiz isso?
- Quer mesmo que eu diga?
- Mas eu estava errado?
- Não é o meu argumento.
- Mas é o que eu faço, então só confie.
- Aff... está bem, está bem. Vou confiar.
- Ótimo, agora me diga, quando você encontrou esse cidadão?
- Há uns meses atrás, em uma cafeteria. Ele estava viajando pela cidade.
- Hmm, então já conversam há muito tempo?
- Já tem algum tempo, sim. Pra ser mais precisa, desde o dia que o Dudu nasceu. Por sinal, por que você ainda não foi visitá-lo?
- Hmm, interessante. Isso, foi na época em que prendemos aquela psicopata...
- Ah, não peraí. Você acha que ele pode ter alguma conexão com isso? Que eu tô saindo com um psicopata?
- Você já saiu com um cachaceiro e um ladrão. Então, convenhamos que não é tão estranho né?
- Seu rídiculo...
- Continuando, o que ele faz pra viver, afinal se está viajando, certamente que não é daqui...
- Ele é empresário. Vive de ações e vendas na internet.
- Que conveniente...
- É um trabalho como qualquer outro.
- Só que permite o livre deslocamento sem causar suspeitas. Venhamos e convenhamos, até VOCÊ deve achar isso suspeito...
- No mundo em que vivemos, parece normal pra mim.
- Não acho, alguma coisa não bate aí...
- Lá vem você...
- Estou só tentando juntar as peças desse quebra-cabeças.
- E eu tentando ter uma vida normal.
- Pessoas como eu e você não podem ter esse privilégio. O melhor a fazer é se acostumar ao caos...
- Eu prefiro ter esperanças de dias melhores.
- Que seja. Você tem o contato dele, certo?
- Sim, tenho.
- Então, me mande a foto dele. Vou tentar ver se ele tem ficha criminal.
- Aí, você larga do meu pé?
- Você nem irá saber que eu existo.
- Também não precisa tanto.
- Saiba que isso é pro seu próprio bem.
- Sim, pai...
- Enfim, vou partindo aqui. Boa prosa.
- Nem, tão boa assim.
- Se cuida.
- Você, também.
Ao sair do restaurante, Luís enviou a foto de Horácio para Ana investigar, uma vez que ela sabia como entrar no banco de dados da polícia sem ser percebida. Em sua breve conversa com ela, soube que teria um retorno dentro de três dias, um prazo razoável, posto que, se confirmadas as suas suspeitas, Horácio não iria agir tão cedo. Estava com o terreno encaminhado para atacar, bastava saber qual era o seu alvo. Desse modo, decidiu acionar Sebastião, seu assessor em outras investigações, para acompanhar os passos de Horácio, uma vez que Letícia o mataria se soubesse que ele estava fazendo isso. As peças estavam finalmente se encaixando depois de muito tempo. Todavia, o destino gosta de pregar peças com Luís...
- Luís Avelar?
- Hã?
- Isso é pelo Johnny, seu filho da puta! (Dá uma facada em Luís e sai correndo).
Luís cai no chão, atônito com a cena, murmurando por socorro. Seria esse o seu fim?
O Andarilho