Entre paredes
- Olha que lindo... dá um sorriso pro papai, dá.
- É, é o teu pai, olha Dudu. Aproveita que ele está aqui agora...
- E vou estar por muito tempo! Prometo, filho!
- Quero só ver...
- Se você me der uma chance, garanto que será diferente.
- Não sei, Hermeto, foi tudo muito doloroso e sofrido. E agora, eu estou sem condições de pensar nisso. Mas, a porta está sempre aberta para você visitar o seu filho...
- Já é um ótimo começo para mim.
Após a sua fala, Hermeto foi recompensado ao ganhar um sorriso de Júlia, extenuada depois de um longo parto. Apesar de toda a sua trajetória enquanto um péssimo parceiro, via no seu filho uma oportunidade de salvação, algo que sua ex-cunhada não via com bons olhos. Talvez por estar diante de uma nova vida, Hermeto subitamente sentia esperança por dias melhores. Era esperar pra crer
Enquanto isso do lado de fora do quarto, uma curiosa Letícia encarava aquele estranho com certo ar de familiaridade, sem saber ao certo de onde o conhecia, tampouco se seria seguro ou não dirigir a palavra a ele. No entanto, não pensou em nada disso e seguiu a prosa, que já tinha começado...
- Então, você está aqui pra esperar alguém?
- Eu? Ah, eu vim fazer uma consulta e na saída vi o rapaz...seu cunhado, não é? Falava tão alto que acabei ficando curioso pra saber do que se trata... (abre um sorriso pra disfarçar)
- Entendi. E você vai viajar? Pra carregar essa mochila aí?
- Hã? Ah sim. Estou indo visitar uns amigos, na verdade só fiz esse desvio pra uma consulta rápida aqui e acabei esticando sem querer.
- Hmm compreendo. Então é a primeira vez que você está por essa região?
- Pode-se dizer que sim.
- Por que eu tenho a vaga impressão de já ter te visto antes...
- Talvez eu tenha um rosto comum.
- Não... não creio que seja isso. Você costuma ir pra cafés?
- Sim.
- Era você que estava recém-chegado na cidade há uns meses atrás? Conhecendo a região?
Vendo que seu disfarce estava quase caindo, Horácio se viu sem alternativa a não ser confirmar as lembranças do encontro anterior. Todavia, preferiu não dizer o nome, enquanto pensava em uma nova maneira para ludibriar a atenção de sua astuta interlocutora.
- Sim, era eu. Estava fazendo uma pesquisa de trabalho naquela época, mas acabei gostando da cidade e voltei outras vezes.
- Ah, entendi. Confesso que fico surpresa por alguém gostar daqui. Essa cidade costuma me cansar com frequência...
- Para um turista, todos os lugares parecem novos e a geografia daqui é bem bonita também. Sem contar as pessoas que foram bem simpáticas comigo.
- Sério? Preciso andar mais com pessoas como você então...
- Às vezes, só é necessário, abrir os olhos para ver outras possibilidades.
- No momento, eu estou tentando lidar com meu novo sobrinho e o mala do pai dele que está tentando se aproximar da minha irmã...
- Ué, mas não seria bom pra uma criança ter a convivência do pai?
- Um pai feito aquele que traía e às vezes batia na minha irmã? Sinceramente, acho melhor não.
- Eu não o conheço, a não ser pelos cinco minutos que o vi aqui, mas não me pareceu má pessoa.
- Acredite, ele é.
- Mas todos merecem uma segunda chance, não?
- Todos os que podem REALMENTE mudar. Não acho que seja o caso dele.
- Pelo visto, você tem muita mágoa dele... Bem, vou te deixar em paz e pegar o beco.
- Espera, você está com pressa? Acho que estou precisando conversar com alguém sobre isso tudo.
- Bem, creio que tenho um par de horas.
- Ótimo! Tem um bom restaurante aqui nos arredores do hospital pra gente comer. Prometo que não te alugo tanto.
- Ok, guie o caminho.
Apesar de ser reconhecido, Horácio decidiu aproveitar a oportunidade para começar a cultivar um laço com Letícia e assim ficar próximo a sua família. No fim das contas ser "pego" não pareceu tão ruim e poderia começar a ampliar a sua rede em direção àquela família que tanto despertara a sua curiosidade. Estaria Letícia em perigo?
O Andarilho