Um crime em Roseiral
aquel conferiu suas lentes e, novamente, limpou-as uma a uma, metódica como bem sabia ser. Os dedos hábeis iam passando o pano untado sobre os vidros e ela sentia até certo prazer nisso, uma espécie de gozo que somente os artistas ou os deuses podem compreender. Ela tinha paixão pelo que fazia. Tirar fotos era sua vida e toda sua carreira, nesse momento, dependia dos ângulos que conseguiria durante a ilustre visita de uma comitiva da família real a cidade de Roseiral da Serra. Aquele lugar, perdido em algum cantinho de Minas Gerais, parecia ter parado no tempo e ainda conservava os ares da colônia, com os sobrados e casarões, os jardins e os moradores um tanto inusitados, a começar pelo dono da hospedaria em que decidira ficar depois de rodar horas e horas em busca de um lugar que fosse perto do famoso Roseiral da Rainha. Seu Astolfo, um português de têmporas e bigodes, a recebera com empolgação, dando-lhe as boas vindas com vinho, pães de queijo e um fado cantado por ele mesmo e acompanhado por seu filho rechonchudo ao violão. Tudo ali parecia ter saído dos estúdios de uma novela de época, a não ser pelo fato de se tratar de uma cidade industrial e uma das mais importantes exportadoras de vinhos do país. Raquel sorrira ao se lembrar da cara de espanto de sua amiga Juliana quando disse que cobriria a visita da família real a cidade.
-Mas existe família real ainda?- Juliana piscava os olhos miúdos e verdes.
-Pelo que parece, sim! Uma parte dela estará em Roseiral da Serra.
-Roseiral de onde?
-Da Serra. Minas Gerais!
-Deus que me livre ...
-Não seja boba, Ju. Vai ser divertido!
-Nem doida que saio do calor gostoso do Rio para me embrenhar num buraco cujo nome nem mesmo figura no mapa. Não, não.
-Vai perder a oportunidade de conhecer seu príncipe encantado!
-Pois eu prefiro me casar com o Daniel mesmo! Dispenso o príncipe...
Juliana decidiu que não viajaria, o que obrigou Raquel a fazer as vezes de fotógrafa, redatora, repórter e tudo mais que fosse necessário para enviar as informações que o jornal exigira. Sem a amiga, além da viagem ser bem enfadonha, o trabalho seria triplicado. Depois de terminar com as lentes, verificou a sua mochila, onde colocara a câmera, alguns pães de queijo que guardara do café da manhã, protetor solar e, claro, suas credenciais para caso algum segurança desavisado tentasse barrá-la. Estava pronta para a festa.
Continua...