Olhares além do horizonte
Revirando-se na cama, Luís tentava se levantar naquele sábado de manhã com imensa dificuldade. Não que fosse mais um garoto nos seus vinte anos, mas as bebidas a mais em uma folga bem merecida têm seu custo e, em geral, não é nada leve...
De tanto se revirar, Luís eventualmente acabou caindo da cama, de bunda no chão. Um xingamento de leve, mas a boa sensação de "é, pelo menos, me levantei". Levantando-se, caminhou em direção ao banheiro, afinal, nada melhor para acordar do que um belo banho, de preferência, quente. Todavia, para seu infortúnio, a resistência do chuveiro havia queimado, fato que só descobrira debaixo do chuveiro. Nesse caso, não houve como evitar, xingou o chuveiro, a casa, a si mesmo, durante o banho. Entretanto, há males que vem para o bem, e o banho frio o despertara para mais um dia pesado.
Desperto e pronto para adiantar casos anteriores, Luís ligou o computador para acessar os seus e-mails e os formulários dos trabalhos anteriores. Tinha uma boa intuição sobre o assediador da zona sul, baseado em fotos das câmeras de segurança que mostravam potenciais vítimas do caso. Enquanto olhava as fotos, percebera a movimentação de um rapaz franzino, de casaco e óculos que seguia mulheres e idosos. O comportamento dele era: aproximar-se, falar alguma coisa próximo às vítimas e, às vezes, ganhar um trocado. Esse momento era o mais interessante das filmagens: quando ganhava um trocado, o rapaz tentava dar um abraço nas vítimas e, nessa hora, aproveitava para atacá-las.
O assediador agia há pouco tempo ali, cerca de umas duas semanas. Mas o burburinho já vinha se espalhando. Em época de redes sociais digitais, só sendo um fantasma para passar desapercebido. Era o caso desse assediador, cujo rosto seguia sem identificação. A única referência era seu aspecto franzino, calvo, uma vez que andava com ombros encolhidos, cabeça baixa e cobria a boca ao falar como se estivesse simulando uma tosse. Não era um caso que Luís visse como sua prioridade máxima, mas o seu desenrolar de eventos certamente que chamava a sua atenção...
Enquanto estava inteiramente absorto nesse caso, Luís observou que tinha algumas chamadas perdidas no celular. Ao checar, notou que eram chamadas de Joyce, amiga de Letícia. Inicialmente, achou aquilo estranho, afinal só a vira duas ou três vezes na vida. Depois, parou pra pensar e poderia ter ocorrido algum problema com Letícia e ela ligara para dar notícias. Ainda assim, não retornara a chamada, pois partia do princípio "se for importante, liga de novo".
E não é que ligou novamente? Passados 5 minutos, o telefone volta a tocar. Dessa vez, atendo pra ver qual o problema que Joyce tem pra contar.
- Alô.
- Luís, a Letícia tá com você?
- Boa tarde pra você também, Joyce.
- Ela tá ou não tá?
- Não, ela não está. Aconteceu alguma coisa?
- Aí, caramba...
- Hã?
- É porque ela me disse que iria na Periferia do Zé, para perseguir seu cunhado que agredira a sua irmã, no horário da manhã, e até agora nada...
- É o quê? Mas que loucura foi essa que nem me disse nada??
- Pois é! Disse a mesma coisa pra ela!
- Ali é um dos piores lugares da cidade pra se enfiar, se você não souber por onde andar. Puta merda...
- Qualquer notícia dela, você me avisa, por favor?
- Claro, claro pode deixar.
- Obrigada! Até mais.
- Disponha. Até mais.
"Mas que caralhos, Letícia foi fazer ali na Periferia? Todo esse furdunço sem nem me avisar? Que loucura"! Pensou Luís, com seus botões, enquanto descarregava a sua tensão, dando uma respiração mais profunda. Era o tipo de loucura que não esperaria dela, entretanto, caberia a ele no seu instinto de investigador, e como amigo também, buscar saber do seu paradeiro. Contudo, antes que pudesse acalmar seus sentidos, escutou o interfone tocar. Atendeu e para sua surpresa era Letícia. Sem pensar mais nada, mandou-a subir.
- Caralho, mulher, o que aconteceu com você pra estar com essas manchas de sangue na roupa?
- É sangue seco, mas meu braço está quebrado.
- Hein?
- Luís, pega aquele Malbec na geladeira, que eu te conto tudo.
Olhando meio torto pra ela, porém mais relaxado, Luís respondeu:
- Ai ai, certas coisas não mudam... Conte-me tudo e depois vamos tratar esse braço aí.
- Parece justo...
O Andarilho