O inocente

Não fui eu. Foi com essas palavras que um merdinha me disse ao tentar justificar um crime. O peguei com a mão na massa, ou melhor, o flagrei com as mãos sujas de sangue fresco. A vítima? Uma mulher de trinta anos, cabelos curtos e negros e de olhos vidrados, verdes. A coitada foi morta com dois tiros.

Meu acusado falou desde que o encontrei que era inocente, duvidei, as provas eram contundentes. O algemei e o coloquei dentro de minha viatura, levando-o para o distrito aonde eu trabalhava. Interroguei-o, mas ele permaneceu com o mesmo discurso. Segundo ele havia me contado no caminho do local do crime até a delegacia, ele tinha ido a uma festa e bebido além da conta, tonto pela bebida resolveu sair por aí, mas por quê? Quando entrou em uma casa e viu uma mulher morta. Em vez de chamar a polícia, o idiota mexeu no corpo e acabando sujando as mãos.

A mim ele não parecia culpado, não tinha cara de assassino e provavelmente não conhecia a vítima, mas era meu dever prendê-lo, já que as provas, como falei anteriormente, eram contundentes, ele foi pego em flagrante. Depois de interroga-lo eu o levei até uma cela, só ele ficaria ali, sozinho, sem correr o perigo de amanhecer o dia morto por uma navalha escondida por algum preso maluco.

No dia seguinte despertei-o batendo uma caneca de café na grade. Ele levantou num salto. Seu rosto estava assustado, seus olhos eram de quem havia passado a noite em claro. Dei-lhe a caneca e ele bebeu vagarosamente o café. Desejei bom dia a ele e sai.

Se não foi ele, então, quem foi? Será que armaram pra ele? Claro que não. Bêbado, ele saiu vagando por aí e entrou na casa errada e na hora errada e fez a coisa errada. De um jeito ou de outro ele teria problemas com a justiça. Se não era o assassino, entrou no local do crime e alterou as provas, sim. Mexer no cadáver, por mais divertido que possa parecer, é ferrar com o trabalho da pericia.

Voltei para a delegacia e pedi que me contasse tudo outra vez. Como estava embriagado na noite anterior, talvez a história ganhasse novos capítulos. Mas não, o rapaz disse tudo do mesmo jeito, sem mudar detalhes e horários. Ele não sabia quem fez tal atrocidade, porém, eu teria, por dever profissional, que descobrir.

Então comecei a investigação. Peguei o nome da moça e fui a um computador. Descobri que ela namorava um homem cuja ficha criminal era bem extensa. Furtos, latrocínios, receptação e até um assassinato. Há alguns dos crimes ele foi sentenciado, outros não, o de assassinato era um deles. O safado estava foragido, e pega-lo não seria tarefa das mais fáceis.

Com uma foto do suposto verdadeiro assassino e algumas informações saí à procura dele. A busca não seria das mais simples. Entrei na viatura e parti dali, o pobre inocente continuaria seu calvário. Comecei procurando onde ele morava. Cheguei a uma vila de casas bem humildes. Seus moradores viviam em meio à sujeira. Pude conversar com alguns moradores, mas não obtive nenhuma informação que valesse a pena. Então percebi uma sombra a me vigiar, parecia ser um homem, talvez, o criminoso, sei lá. Aproximei-me lentamente e para a minha surpresa a pessoa não recuou. Tirei a foto do bolso de trás da calça e a mostrei. Em seguida indaguei:

- O senhor conhece essa pessoa? – O homem, gordo feito um porco ficou ali me olhando e olhando para o retrato. Suas mãos estavam agitadas, tremiam muito.

- É Samuel, meu filho. – Disse- me o homem enquanto abaixava a cabeça, parecia envergonhado. - Respirei aliviado. Graças ao meu bom deus eu não precisaria ir tão longe para prendê-lo, porém, eu me enganei. – Mas não vejo ele faz um bom tempo.

- Quanto tempo? –

- Acho que um mês mais ou menos.

- O senhor saberia me dizer aonde eu posso encontra-lo? Um lugar onde ele costuma ficar?

O homem meteu a mão no bolso e tirou de lá um pedaço de papel amassado que me foi entregue em seguida.

- Só não abra aqui, por favor. – Ele pediu. Obedeci, agradeci e fui embora.

Enquanto dirigia abri o papel e li ali um endereço, mas também li um recado que dizia o seguinte: por favor, não machuque o meu filho, ele é tudo o que eu tenho. A culpa é minha por ele ter se tornado um bandido. Não lhe dei amor e não lhe dei carinho. Amassei o papel outra vez e enfiei no bolso da calça.

Eu não iria machucar o filho daquele homem. A minha única função seria prendê-lo e manda-lo a justiça. Ela sim poderia fazer algo, mas não ferir um réu, isso jamais. Como relatou o pai no bilhete dado a mim, o filho estava escondido em uma casa simples, nada de móveis, a não ser uma cadeira em péssimo estado e um colchonete que servia como cama para ele.

Entrei e o peguei dormindo. Ao meu chamado o meliante ameaçou correr, porém, desistiu ao ver o cano da minha arma. Em principio ele negou a acusação, mas aos poucos foi soltando a língua e dando detalhes do crime. Botei as algemas nele e o conduzi até a viatura, de lá para a delegacia.

O rapaz inocente estava sentado no chão quando eu cheguei. O rosto inchado de tanto chorar. A me ver ele logo se levantou e correu desesperado até as grades da cela.

- Eu sou inocente, eu juro!!! – Implorou.

Sorri para ele enquanto abria a cela.

- Eu sei. Mas precisava fazer o meu serviço.

- Então estou livre? – Perguntou ele enquanto seus olhos brilhavam de alivio e felicidade.

- Está. – Respondi escancarando a porta da cela.

O verdadeiro assassino estava preso e um inocente preso injustamente finalmente poderia ir para casa, pena que nem sempre a história termina assim, muitos inocentes pagam por crimes que eles sequer cometeram.

Fim....

Fernando F Camargo
Enviado por Fernando F Camargo em 10/04/2019
Código do texto: T6620027
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