Um drinque no inferno
[Continuação de "O plantel"]
Hervey Coblegh, o contato de Ivo Barre no submundo londrino, levou-o até uma tasca imunda em Whitechapel, local frequentado basicamente por viciados em gim. Embora Barre não fosse exatamente um cavalheiro, as roupas burguesas e os óculos sobre o nariz o destacavam naquela paisagem de decadência moral como se fosse um corvo sobre um campo nevado.
- Não faça essa cara - admoestou-o Coblegh, enquanto tomavam assento numa mesa encardida. - Você não queria "gente dispensável"? Por uma garrafa de gim, vários desses farrapos humanos que vê aqui, cortariam o pescoço da própria mãe sem hesitar.
- Estou aqui imaginando se depois de uma garrafa de gim, esses parasitas conseguiriam cortar o pescoço de alguém - retrucou Barre secamente. - Mas a ideia não é matar ninguém, queremos apenas prender o sujeito e mantê-lo fora de circulação por umas horas.
- Sem dúvida! - Garantiu Coblegh. - E na eventualidade de algum deles ser preso depois do serviço executado, pode ter certeza de que não abrirão a boca por medo de serem deportados para as colônias... América, ou que Deus nos livre, Austrália.
- Certamente, sequestro poderia render mais do que uma deportação - ponderou Barre. - Já vi gente dançar na corda por bem menos.
- Não há nenhuma razão para temer que estes homens não irão dar conta do recado - insistiu Coblegh, indicando com o queixo um sujeito de expressão taciturna, zigomas salientes, que bebia com outros três vagabundos numa mesa do canto.
- Vê aquele tipo magro com o copo na mão? É Urian Scot, ex-marinheiro; já esteve preso em Newgate, por roubo. Dê-lhe uma libra antes, outra depois do serviço feito, e meia dúzia de garrafas de gim para comemorar. Para os demais, alguns xelins devem ser suficientes. Pronto.
Uma criada com um avental manchado aproximou-se deles e indagou se iriam querer alguma coisa.
- As mesas são para quem paga - alertou.
- Duas canecas de cerveja - solicitou Barre.
Quando a criada afastou-se, Coblegh cochichou:
- A cerveja daqui é péssima!
- Nenhum problema - retrucou Barre, olhando o interlocutor por sobre os óculos. - As duas canecas são para você.
* * *
Osgood Forde fez uma vênia ao abrir a porta do escritório da Gomfrey & Sons para a jovem Petronille, filha do sócio Elyas Claimond.
- Senhorita Claimond! Eu não aguardava sua visita hoje...
- Precisei vir à City acertar alguns detalhes com minha modista - mentiu Petronille, entrando na loja. - Meu pai já chegou?
- Não senhorita... e estou preocupado, pois estamos aguardando a chegada de um cliente importante e mestre Claimond já deveria estar aqui para atendê-lo.
- Como pode ser isso? - Indagou a jovem, preocupada. - Ele saiu de West End muito antes de mim!
- Talvez seja o trânsito... - sugeriu Forde. - Mas, quer esperar por ele? Vou pedir para lhe prepararem um chá.
- Eu vou aceitar - replicou Petronille, descalçando as luvas. - E, Osgood...
- Sim, senhorita? - Indagou solícito o rapaz.
- Este cliente importante que meu pai vai receber hoje é Lorde Eldysley?
- Sim, senhorita... mas como sabe?
- Creio que meu pai comentou algo no jantar, ontem - redarguiu ela, sorrindo. - Não repare, curiosidade feminina...
Forde não teceu qualquer comentário, mas indicou a porta da antessala do escritório de Claimond.
- Queira aguardar lá dentro, senhorita. Vou providenciar o seu chá.
Petronille entrou no aposento, cujas paredes eram decoradas com painéis de carvalho e ostentava mobiliário inspirado no Renascimento italiano, cadeiras estofadas em negro com patas de leão.
Estava ali há alguns minutos, lendo o seu breviário para passar o tempo, quando ouviu um vozerio do lado de fora. Ergueu-se surpresa, no exato instante em que a porta da antessala abriu-se de supetão, e por ela entrou um nobre de porte imponente, chapéu emplumado à cabeça, seguido por um aflito Osgood Forde.
- Milorde! Mestre Claimond não está aí, já disse! - Exclamou aflito o rapaz.
O cavalheiro deteve-se com a mão na maçaneta, e com a outra removeu o chapéu da cabeça, fazendo uma reverência.
- Mestre Claimond não está, mas quem é esta adorável criatura?
A jovem fez uma vênia em retribuição.
- Petronille Claimond... filha de Elyas Claimond. Muito prazer em conhecê-lo, Lorde Eldysley.
[Continua]
- [03-04-2019]