Heroísmo Moderno
Fazia Sol em Curitiba. A temperatura de 25°C era considerada alta para os moradores anteriormente acostumados ao frio característico da cidade. O suor se acumulava em sua camisa enquanto andava pelo centro da cidade. Era uma tarde comum, exceto para ele, pois era o dia de colocar um plano improvisado em ação.
Apesar do calor, o seu caminhar era calmo e lúcido. Andava pelas ruas e centros comerciais com determinação em seus olhos, porém trazendo empatia em seu olhar. Conforme se aproximava do ponto de ação, passou a olhar os lojistas e transeuntes nos olhos e lhes dizia com calma: Evacuem o centro da cidade, não há tempo - enquanto era olhado com certa curiosidade, pois o semblante daquele homem não era característico de uma ameaça, mas de alguém que parece tentar proteger.
Ele não olhava para trás para ver se as pessoas iriam lhe dar ouvidos, mas sabia que a simples sugestão de que alguém pode estar em perigo é o bastante pra causar temor suficiente e fazer alguém se retirar. Com o tempo elas iriam embora, pensava, enquanto se aproximava de um apertado estúdio de tatuagem dentro da galeria subterrânea, que havia calculado ser o lugar ideal.
Ao entrar, deparou-se com um pequeno sofá, uma cadeira com alguns equipamentos como agulhas e aparelhos elétricos, e por detrás de uma cortina improvisada, semiaberta, no que parecia ser um banheiro, percebeu que havia uma mulher sentada. Ele disse com tranquilidade:
- Desculpe, não conheço o procedimento, devo me retirar?
Falou em tom suficiente pra ter certeza de que seria ouvido, e viu a mulher reagir instintivamente ao som. Percebeu que ela estava sentada sobre o vaso tampado, e se debruçava sobre os joelhos com ambas as mãos cobrindo o rosto. Após uma breve pausa, ela se levantou devagar, fechando as cortinas detrás de si e disse:
- Não. O que vai querer? - falou, sem esboçar expressão.
Enquanto ela rodava pelo minúsculo estúdio, ele pode perceber que a mulher, de compridos cabelos, usava um vestido longo e decotado, que valorizava seu busto, e não notou nenhuma tatuagem na parte visível de seu corpo. Dada a beleza da moça e a precariedade da sala, chegou a refletir se não havia entrado em outro tipo de estabelecimento. Havia feito o planejamento com atenção, porém era a primeira vez que entrava ali. Mas logo ela se sentou na cadeira com a mesa de equipamentos e vestiu um par de luvas descartáveis, e, mais confortável, ele lhe mostrou um papel com um desenho de um símbolo em preto e branco.
Ela olhou o papel, conhecia aquele símbolo e poderia desenhá-lo mesmo sem referência. Porém, hesitando, olhou pro homem como se tentasse entender por que alguém iria querer aquilo tatuado. Ela o observou, buscando qualquer sinal em sua feição que pudesse interpretar e traduzir, mas tudo que viu foi uma incomum determinação, combinada com o que parecia ser um certo desapego. Aquele homem sabia o que estava fazendo, e nada que ela dissesse iria mudar sua decisão - não que ela se importasse, no fim das contas.
Ele estendeu seu braço e puxou a manga da camisa pólo preta que vestia, como se indicasse que a tatuagem fosse feita próxima do ombro. A moça, então convencida, preparou o local da pele com os produtos de sempre, ligou a agulha elétrica e iniciou o trabalho. Era um desenho simples, não levaria mais que dez minutos.
Ao terminar, ele ajeitou a manga sem dar muita atenção para a tatuagem finalizada, enquanto ela guardava os equipamentos e tirava as luvas. Ela o observava em silêncio quando ele se levantou, tirou sua carteira do bolso da calça e lhe estendeu duas notas de cem, embora sequer houvesse lhe perguntado o preço. Olhando-o nos olhos, a mulher pegou o dinheiro, ao que ele disse: Saia do centro da cidade, não há mais tempo - e se retirou sem olhar pra trás.
Agora, enquanto o homem andava, percebeu que alguns lojistas colocavam as mercadorias pra dentro, outros já estavam abaixando as portas de ferro pra trancar as lojas, e sentiu uma certa satisfação.
Não tão distante dali, conforme continuava dando seu aviso à quem pudesse, o homem avistou o ponto de encontro. Não foi difícil de reconhecer aquela pixação no muro quebrado, com um latão de lixo embaixo. Aquilo jamais seria um lugar social pela própria natureza suja e má localização, o que fazia dali o ponto de encontro perfeito para quem quisesse realizar uma negociação de forma oculta.
Então ele esperou. As conversas foram todas feitas online, em um obscuro site de simpatizantes fanáticos de uma causa estúpida - e que precisam ser impedidos à qualquer custo. Foi o que ele decidiu.
A região, geralmente movimentada, jazia em silêncio quando se ouviu um enorme estouro.
***
Após a breve investigação policial, os jornais noticiaram o caso como uma tentativa de atentado terrorista com uso de bomba caseira, que teria explodido antes da preparação, de forma que a explosão foi menor que o potencial total e acabou causando a morte apenas dos membros do grupo que se reuniam no local - os quais foram fáceis de classificar, já que todos possuíam o mesmo símbolo tatuado em algum lugar do corpo.
Anos depois, sempre que uma certa tatuadora observa aquele muro destruído, ela pensa em como foi ter conhecido um verdadeiro herói.