Jingle Bells Envenenado - Parte 3 (Final)

— De que está falando? – perguntou Belisa.

— Da morte, cruelmente premeditada, de Ross!

— Foi um infarto fulminante! – gritou a viúva.

Olhei seriamente para Lucy. Estava pálida. Então continuei:

— Parecia um ataque aos seus olhos, mas foi envenenamento!

Belisa derrubou a taça de vinho da mão.

— Está louco! – gritou Donat.

— Pele levemente azulada… Cianose, em termos técnicos… Convulsões e principalmente um leve odor de amêndoas amargas, são sintomas de um veneno letal.

Lembrem que insisti se haviam comido amêndoas na ceia. Com a negativa de Belisa, comecei a me alarmar. Havia um assassino a bordo.

— Isso é um disparate! – disse Belisa.

— Ross recebeu um presente macabro de Natal, e somente uma pessoa entre nós, poderia fazer isso. Alguém com motivação, método e oportunidade!

A oportunidade era envenenar a comida ou bebida destinada a ele. Todos comeram as mesmas coisas, então qualquer um poderia ser a vítima. Todos se serviram na mesa, impossível colocar algo em seu prato, sem que fosse visto. O veneno não poderia estar na comida.

Lucy deu um pulo no sofá.

— Não fui eu! – gritou assustada — Nem deveria estar aqui… Apenas não queria passar o Natal, só e deprimida.

— Você serviu as bebidas, poderia facilmente, deitar o veneno no copo. Agiria assim, ordenada pelo chefe, para liquidar o fotógrafo que provocaria sua ruína.

— Quanto ao método, havia uma pessoa que tinha fácil acesso ao veneno, oportunidade de utilizá-lo; e também uma motivação…

A embarcação sacolejava no mar, sob a chuva. Meus enjoos estavam recomeçando. Prossegui firmemente:

— Os sintomas são de envenenamento por cianureto. Não é fácil adquiri-lo… Tem efeito instantâneo. Ninguém teria acesso, ou oportunidade de colocá-lo diretamente seu alcance…

— Baseia-se apenas na sua intuição – falou Donat.

— O cianureto foi dado, antes de subir a bordo, pela única pessoa que tinha acesso a ele.

A tripulação estava espanta.

— Se o efeito é instantâneo – perguntou Donat — Morreria antes de sair de casa…Como?

— A polícia obterá as provas, na casa do criminoso. Na necrópsia as evidências serão encontradas…

Tirei do bolso um vidro, com cápsulas para gastrite. Exibi para todos. Um olhar de pavor se fixou em minha mão, enquanto todos olhavam uns aos outros, suspeitos. Um olhar incriminador.

— Tenho o eficaz remédio para gastrite de Ross…

Cora jogou sua taça na parede, e apontou seu dedo.

— Somente Lucy, teria motivos para isso!

Belisa abraçou Donat, buscando proteção.

— Cora… Foi você!

Cora deu um pulo. Me olhava furiosa.

— Absurdo! – gritou.

— A única pessoa que poderia cometer o crime era ela.

— Tolices!

— Ross era fotógrafo e tinha o laboratório em casa. O cianureto é usado num dos processos fotográficos, para intensificar ou reduzir a revelação, atuando na emulsão da prata dos filmes ou papéis fotográficos. É vendido pronto, ou se pode comprá-lo e fazer a diluição. Ross tinha isso no porão, pois ele quem revelava seus retratos.

— Somente ele e Cora tinham acesso ao laboratório. Nenhum de nós poderia roubar o veneno. Ela trocou o conteúdo dessas cápsulas, por cianureto, preparando a dose fatal. E esperar a cápsula de gelatina, se dissolver em seu estômago.

— Não tenho motivos! – ela gritou.

— Não esperava, que ele aceitasse no último momento, o convite o cruzeiro. Isso despertaria suspeitas. Um médico a bordo, perceberia algo erado…

— Tentou esconder o frasco, deve ter retirado do bolso dele, em algum momento. Mas não teve tempo de jogá-lo no mar, se desfazendo da prova.

— Maldito!! – gritou Cora, pulando sobre mim. Desviei e ela caiu sobre árvore-de-natal, arranhando o seu rosto.

— Tudo por um seguro de vida, em seu nome…

A viúva levantava-se, com o cabelo desgrenhado.

Donat a encarava, como se estivesse enojado por uma lesma sobre o jantar.

— Mulher cruel! – disse.

— Teremos uma investigação oficial, sou médico e não detetive… Lucy, tenho os negativos que comprovam o crime de Conway…

— Malditos! – disse Cora — Escaparei dessas acusações, impunemente… e ainda receberei o dinheiro do seguro!

— Onde vai? – perguntou Belisa.

— Ao quarto, se me permitem… - disse debochada — Não se preocupem, não soltarei no mar.

O olhar de Cora me arrepiou.

O cruzeiro natalino chegava ao final.

Netuno se aproximava do cais, sob a chuva torrencial, quando pensei ter visto a viúva. Afastava-se da sala e entrava no quarto novamente.

Quando senti falta do vidro com as cápsulas adulteradas, já era tarde demais.

Cora havia encontrado uma maneira de escapar do barco.

Nosso Natal poderia ter sido feliz e aconchegante. Mas uma mulher diabólica, nos presenteou com a morte.

Nenhum de nós teve uma noite feliz.

FIM

Rangel Elesbão
Enviado por Rangel Elesbão em 25/03/2019
Código do texto: T6606633
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