Me dá um dinheiro aí!

Em uma certa clínica psiquiátrica, um paciente ao ouvir a Marchinha de Carnaval “Me dá um dinheiro aí!”, surtou dizendo aos gritos que queria matar quem tocou aquela música. Assustados, os enfermeiros tentavam contê-lo. Luciano não era muito forte, mas adquiria uma força descomunal ao ouvir tal música, que o deixava totalmente fora de si e o fazia querer matar o primeiro que fosse no mínimo suspeito de ter trazido aquela música pra perto dele. Os enfermeiros tentavam em vão segurá-lo. Com olhos arregalados e pescoço esticado, ele trancava os dentes e dizia aos berros:

- UUUUUUUUUAAAAAAAHH! QUEM FOI O DESGRAÇAAADOOO! EU QUERO MATAAAAAR! AAAAAAAAAAHH! SANGUE! EU QUERO SANGUE!

Um enfermeiro ao longe, deu-lhe um tiro de espingarda com uma injeção de “sossega leão”. Fora de controle, o louco arrancou a seringa do pescoço e jogou pela janela. Outra seringa disparada por espingarda atinge o rapaz. E outra. E outra. Na quinta seringa, ele caiu de joelhos, com os dentes trancados e se contorcendo. Os enfermeiros aproveitaram pra colocá-lo na maca e amarrá-lo com corda.

Naquela tarde, o diretor da clinica psiquiátrica chamou todos os médicos e enfermeiros na sala dele. Com cara de poucos amigos, o diretor foi direto ao assunto:

- Muito bem! O próximo que trouxer aparelhos sonoros pra cá, seja com qual música for, estará demitido! Fui claro?

Todos responderam em côro:

- Sim Senhor!

Mas como será que aquele sujeito ficou naquele estado mental? Vamos voltar alguns anos no tempo, e você vai entender.

Fevereiro de 2010

Era carnaval em uma típica cidadezinha de interior. As músicas grotescas e medíocres das bandinhas locais se misturavam de forma totalmente heterogênea com marchinhas de carnaval antigas, das quais as pessoas mais idosas sabiam as letras de cor. Entre uma música e outra, Demerval, um homem de 57 anos de idade, 1,70m de altura, 67Kg, sem barba, com um enorme bigode, calvo, de olhos castanhos e trejeitos típicos de homens do interior, um carnavalesco conhecido na cidade toda, bebia todas e mais algumas. Fim de noite, muitos homens e mulheres voltavam bêbados para seus respectivos lares. Demerval, usando sua típica fantasia de pirata, estava quase chegando em casa quando um adolescente lhe apontou um canivete e disse:

- Passa a grana, coroa!

Sem dinheiro, o homem disse:

- Chegou atrasado, moleque safado! Bebi meu dinheiro todinho!

Sem cerimônias, o adolescente esfaqueou e matou Demerval, o revistou e constatou que ele realmente estava sem uma moeda sequer.

Na manhã seguinte, a notícia do homicídio do carnavalesco mais famoso da cidade era manchete em todos os jornais locais. Todos os amigos e parentes do falecido ficaram revoltados e tentaram em vão descobrir quem vinha a ser o assassino. Luciano, o seu único filho, um homem de 27 anos de idade, 1,72m de altura, 56Kg, olhos castanhos e cabelos ondulados, jurou que encontraria o bandido e o mataria. Nos dias subsequentes, Luciano não conseguia pensar em outra coisa senão se vingar do assassinato do seu pai. Passou várias noites com um revólver calibre 32 escondido na roupa, usando sempre a mesma fantasia de pirata recém herdada do seu falecido pai. Ele tinha a esperança de ser abordado pelo mesmo pivete e assim poder desfrutar da sua futura doce vingança. De repente, ele viu de dentro de um bar, um menino bem semelhante ao descrito por vizinhos que viram o assassinato de Demerval. Luciano levantou-se, pagou a conta e sem tirar os olhos do menino, viu que ele entrou em um beco. Ele correu atrás do menino, que desconfiado, correu dele, pulando o muro do cemitério local. Como Luciano não tinha agilidade pra pular aquele muro, correu para entrar pelo portão. Ao entrar, foi olhando para os lados e ao olhar para cima de uma árvore, viu o menino, que assustado disse:

- O que o Senhor quer comigo?

- Você é o moleque que matou o coroa vestido de pirata na semana passada?

- Fui eu “mermo”, por que?

Ao ouvir aquilo, Luciano pegou o revólver e descarregou em cima do moleque, dois tiros ele errou, um pegou no braço, um pegou na perna e dois pegaram no tórax. O assaltante morreu. Mas assim que Luciano virou-se para ir pra casa, um policial estava-lhe apontando uma pistola 9mm e disse:

- Larga a arma! Esteja preso em flagrante por homicídio!

Chegando na delegacia, Luciano foi logo denunciando:

- Doutor Delegado! O pivete que eu matei, assassinou o meu pai, dias atrás. Portanto, eu fiz um bem à sociedade. Reagi em legítima defesa!

- Pode até ser, rapazinho. Mas você tem o registro da arma que você usou para matar o bandido?

- Não, mas....

- Então esteja preso por porte ilegal de arma.

Injuriado, o rapaz foi conduzido à cela, onde passou dias infernais. Não podia dormir, porque roncava. E vinha sempre alguém lhe cutucar (Ou até mesmo lhe agredir!) dizendo que o ronco dele não deixava ninguém dormir. A refeição era de péssima qualidade e sempre vinha alguém maior e mais forte lhe tomar a carne. O chuveiro era gelado. Sempre tinha um valentão querendo brigar por alguma coisa, só pra ter o gostinho de espancar alguém que não tivesse como se defender dele. Depois de três dias, o carcereiro o conduziu a uma sala privada, onde o Delegado negociou:

- Gostou do “hotel” ?

- É quase impossível conviver com aqueles caras.

- Então, vamos fazer o seguinte. De acordo com a tua ficha criminal, você nunca havia cometido um crime na vida, nunca se envolveu com drogas nem com nada ilegal. Vamos ser sinceros, aquilo não é lugar pra você. Eu não tenho como devolver o teu revolver, porque é prova de um crime. Mas se você quiser sair daqui agora de madrugada, eu só preciso que você volte com R$5.000 e pronto, a pena será anulada e você estará livre.

Luciano lembrou-se da sua caderneta de poupança, onde tinha R$12.000. Dar assim de “mão beijada” quase a metade das suas economias de uma vida toda era doloroso, mas a sua liberdade valia mais. Sem opção, o rapaz respondeu:

- Ta legal, mas eu vou ter que esperar o banco abrir pra eu pegar o dinheiro.

- Muito bem! Vou confiar em você, rapaz. Se não voltar, eu sei onde você mora. Se eu tiver que te buscar em casa, não vai ter mais negócio, entendeu?

- Entendi, Doutor. Amanhã, por volta de meio dia, eu estarei aqui.

- Vou te esperar. Se até o final do dia, você não aparecer, às 19:00h eu vou te buscar.

Luciano ficou feliz ao saber que ficaria livre daquela situação e foi pra casa pensando no dinheiro. Ele pensou: “Aquele moleque safado! Além de matar o meu pai, me deu um prejuízo gigante!”

No dia seguinte, conforme o combinado, às 11:42 da manhã, Luciano foi à delegacia entregar o dinheiro. O Delegado o conduziu até a sala particular, recebeu o dinheiro, guardou na gaveta, pegou a ficha criminal e rasgou na frente do rapaz, dizendo:

- Agora você está livre.

Luciano sorriu e disse:

- Muito Obrigado, Sr. Delegado.

Ao voltar pra casa, o rapaz lembrou-se do seu emprego. Aqueles três dias de falta o fizeram perdê-lo. Revoltado com a situação, embora ainda tivesse R$7.000 na poupança, ele procurou emprego em vários lugares, todos sem sucesso. Três meses depois o seu dinheiro acabou e com isso, ele ficou desesperado. Se pudesse, mataria aquele moleque várias vezes, por tê-lo colocado naquela situação. Enquanto ele estava distraído sentando no banco da praça, sem saber o que fazer pra almoçar aquele dia, um adolescente lhe apontou um canivete, dizendo:

- Perdeu, “preibói”!

Enlouquecido de raiva, o rapaz pegou no braço do moleque, tomou-lhe o canivete e enfiou no pescoço dele, matando-o. Depois disso, Luciano revistou o corpo jovem do assaltante e descobriu que ele portava nada menos do que R$270. Uma quantia considerável pra quem estava assaltando pessoas na rua. Então Luciano surtou! Totalmente fora de si, ele pegou sua motinha e foi na cidade vizinha, onde ninguém o conhecia, invadiu favelas, matou vários menores do tráfico à facadas. Onde ele flagrasse um assalto, era mais um assaltante morto.

O tempo passou, e com o decorrer do tempo, Luciano foi viajando de cidade em cidade, sempre cuidado da manutenção daquela motinha que o acompanhava, sempre se alimentando e se vestindo com o dinheiro que tomava de assaltantes mortos. Em todos os carnavais, ele se isolava totalmente de qualquer cidade, pois estava ciente de que enlouquecia de vez caso alguém tocasse perto dele a famosa Marchinha “Me dá um dinheiro aí!”. Ele gostava de ir para uma casinha isolada da cidade, que construiu com o dinheiro da sua “nova profissão” de eliminador de assaltantes, onde ganhava muito dinheiro. Um dia, uma visita inesperada apareceu naquela sua casinha distante de tudo. Duas viaturas policiais chegaram junto com uma ambulância do Corpo de Bombeiros. Acompanhados de policiais, os Bombeiros amarraram Luciano com uma corda, colocaram-lhe uma camisa de força e o conduziram à uma clínica psiquiátrica, onde foi diagnosticado com esquizofrenia e paranoia.

FIM

Eduard de Bruyn
Enviado por Eduard de Bruyn em 18/02/2019
Reeditado em 08/03/2019
Código do texto: T6577889
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