Os líderes de Próspero

Não se sabe com certeza se a gripe espanhola se originou na área territorial da Espanha. Sabe-se que H1N1 é uma variação do vírus Influenza, cuja letalidade atingiu o extermínio de perto de cinquenta milhões de seres humanos, a partir de sua difusão em 1918, quase no final da primeira grande guerra mundial, com base nas notícias que somente a Espanha divulgava, já que estava neutra no conflito, enquanto o restante da Europa se manteve no cômputo de perdas humanas no meio do teatro de operações bélicas. Até o século XXI, o vírus influenza (H1N1) abreviou a existência de cerca de cem milhões de pessoas em todo planeta.

Já faziam meses em que Virgílio Próspero sentia-se um verdadeiro hospedeiro de um vírus altamente contagioso. Todos que se acercaram no seu auge de prestígio como engenheiro químico e policial, buscavam distância segura dele. Um terrorista condenado era ele agora. Na penitenciária federal de Rondônia, sua condição de ex-policial civil conduziu-o ao isolamento dos demais presos, afinal poderia topar com um de seus investigados, condenados no contrabando internacional de armas ou no comércio ilegal de drogas. Toda penitenciária sabia de sua presença, agravada pela farta influência dos crentes encarcerados. Sua incursão nos negócios escusos das igrejas evangélicas trouxe para si a perseguição das hostes de irados pentecostais. Sua vida estava em constante risco de um fim banal. Num encontrão, uma facada. Numa visita, um envenenamento. No sono, seu estrangulamento. Corriam apostas de que não duraria um ano. Não entre os líderes dos grupos criminosos. Para estes, ele seria vital.

Logo ao chegar à sua cela isolada, teve a surpresa de ser levado para um cárcere que lhe fora meticulosamente preparado. Um privilegiado é o que era. Estava na ala administrativa, perto da sala do diretor do presídio e da maioria dos agentes penitenciários. Para este benefício lhe haviam ofertado a atividade de acompanhar cada um dos mais perigosos detentos pelo sistema de circuito fechado de câmeras de vigilância, como também pelas fichas criminais completas e sinopses de ações criminosas já executadas. O objetivo era tecer perfis seguros dos meliantes. Os atributos para tanto, à Próspero era reconhecido ter de sobra: perspicácia, persuasão, o profundo conhecimento do universo gestual e a providencial capacidade de leitura labial, o que o tornava um doutor na atividade comportamental. Muito além das imagens do CFTV para trabalhar os perfis, teria acesso exclusivo às conversas dos detentos em suas celas e locais de encontro grupal ou com seus advogados, capturadas ilegalmente por microfones ocultos. Uma vez por dia deveria reportar suas avaliações psicográficas para compor o relatório reservado do Diretor, contendo assim o conhecimento completo do que acontecia no local, bem como e principalmente, as tendências.

Novamente foram as circunstâncias que o favoreceram. Ninguém previu que, justo quem fora tão massacrado numa investigação criminal eivada de vícios e num julgamento marcado pelo cerceamento de sua defesa, seria a pessoa certa que chega ao lugar exato e na hora certa. Logo tomou ciência que alguém estava no comando de uma ação premeditada para tê-lo ali como engenheiro social, usando sua capacidade de reconhecer detalhes nas pessoas, de manipular suas mentes com jogos psicológicos ou de gerar cumplicidades, mas para quais fins e quem estas suas técnicas de neuropsicologia seriam aproveitadas?

Nada lhe foi dito ou pedido durante meses. Tornou-se uma obsessão saber quem e o porquê do seu tratamento diferenciado. Os agentes penitenciários fingiam não saber. Um deles referiu-se a presença de policiais federais desconhecidos, num constante rodízio funcional em Rondônia. Outro, de que seu nome era bem visto pelos "sete samurais", como eram conhecidos os piores líderes de facções ali afastados da sociedade brasileira.

Essa informação foi crucial. Eles é quem estavam no comando por ali, disso sabia bem das conversas captadas. Já conhecia detalhes do comportamento de sete dos mais afamados detentos, seguramente , os "sete samurais" : Enisvaldo Gomes Pinheiro, o 'Varonil', um dos articuladores da facção "Pikachu", que ultimamente se aproximou dos "Bala de prata" para controlar o tráfico no entorno de Brasília; Sebastião dos Prazeres, o 'Sobradinho', com cinco condenações por roubos, duas por porte ilegal de arma e uma por receptação, considerado um dos criminosos mais envolvidos em ações de explosões caixas automáticos e ataques no estilo "cangaço" em pequenas cidades no Estado do Goiás e Tocantins; Ednilson Soares Gontijo, o Isaac', diversas condenações por roubos a bancos e latrocínio, que desde a década passada, liderava o principal bando especializado em ataques a carros-forte do país ; Jamesson Pinto de Carvalho, o 'Samburá', um dos traficantes mais violentos do país, com atuação na zona Oeste do Rio de Janeiro, que forma o atual grupo "Anti-Bope" ; Sivaldo Mindurano Junior, o 'Boas ideias', que fugiu ao derrubar um muro da cadeia pública de Fortaleza com um caminhão de lixo e é apontado pela Polícia Civil do Rio Grande do Norte como um dos líderes de uma das quadrilhas mais violentas que age nos estados nordestinos, sendo um dos articuladores de uma tentativa de entrada do PCC no Nordeste ; Romério Pedroso, o 'Cachorro sentado', tem uma condenação por homicídio e outra por roubo com extorsão, mais conhecido como irmão do "traficante preso mais poderoso do país", o Fernandinho , já transferido de outra penitenciária federal por ser considerado um dos herdeiros do poder no tráfico de drogas carioca e, por fim, Diogo da Silva Pinto, o 'Uzi' , último e mais jovem dos "sete samurais", mas não menos importante, o líder da gangue dos "Pilas" e braço financeiro de traficantes de armas e drogas no Paraguai, condenado há 193 anos de prisão, cumpre pena um ano em cada presídio federal, desde que foi pego naquele país e sentenciado, por juiz federal, posteriormente executado a tiros em sua casa no Mato Grosso do Sul.

A gripe espanhola se alastrou pelo mundo todo e matou em 1918 até mesmo o avô paterno do atual presidente dos USA, Donald Trump, aquele que inaugura os rumos da família, desde o início do século XX, quando já era um renomado negociante na exploração do lenocínio em "quartos para mulheres solteiras". Há quem diga que doença e reputação nos ancestrais são coisas que colam e não desgrudam mais dos descendentes. Assim pensava Virgílio Próspero, tido como uma importante peça no xadrez das apartadas celas das penitenciárias federais, repletas de peças de tabuleiro, com reis e bispos articulados em atos diluídos em todos os rincões do país, impossíveis de extermínio, tal qual aquela antiga gripe.