O Rádio
Os ovos e o bacon ainda chiavam na frigideira, quando o programa de notícias policiais havia dado uma pausa para o intervalo comercial. Era o tipo de programa matinal, que explorava com o máximo de detalhes notícias violentas de assaltos, assassinatos, acidentes com corpos despedaçados e outras tantas bizarrices.
Mas foi no intervalo, entre o anúncio de um creme dental ou shampoo anticaspa, que também haviam previsões diárias de horóscopo. Ele não acreditava nessas coisas, mas as ouvia para no final do dia se vangloriar de ter ele mesmo, traçado seu próprio destino.
A previsão do locutor, dizia:
“O dia continua tenso e você deve manter a calma e tentar retomar o seu equilíbrio…”
Ele riu enquanto terminava de sorver o seu café, amargo como a sua vida.
Foi no final do dia, quando estava começando a escurecer, que ele terminou o seu trabalho. Caminhava pela calçada apressado, quando percebeu uma movimentação estranha. Tinha a inquietante impressão, de que estava sendo seguido por alguém.
Colocou as mãos no bolso do seu casaco e as fechou com força. Olhou para trás e viu que havia um homem logo atrás de si. Acelerou o passo, e atravessou para o outro lado da rua. Suas mãos frias começaram a suar dentro do bolso.
O homem olhava para os lados e também atravessou apressado.
Quando viu que seu perseguidor fez a sua mesma travessia, apertou ainda mais o seu passo, quase correndo. Tinha certeza que o seu perseguidor estava cada vez mais próximo… Mas ele conseguiria escapar. Cada minuto que passava, as ruas começavam a ficar mais movimentadas, com os carros velozes trafegando alucinadamente; e nas calçadas as pessoas caminhavam em pequenas multidões.
A hora do rush serviria de esconderijo. Aproveitaria a movimentação para despistar e se esconder do homem que parecia o seguir.
Quando se embrenhou entre algumas pessoas que saíam de uma empresa, já não conseguia mais avistar o homem. Mesmo assim, atravessou a rua junto com outras pessoas, sem olhar para trás.
Apertou com força o relógio em seu bolso, e pensou no homem que poderia estar à espreita. Encolheu-se de susto ao ver a viatura da polícia passar velozmente, com suas sirenes ecoando entre os edifícios.
Ofegante e sentindo uma pequena fisgada embaixo das suas costelas, continuou caminhando em suas passadas largas.
No momento que viu o ônibus que passava próximo do seu bairro, parado no ponto de embarque, tentou agir rápido. Bastava apenas atravessar a avenida movimentada, que conseguiria chegar a tempo.
Estava quase atravessando, quando o sinal abriu, e os carros deslizaram com uma velocidade impressionante na avenida, como glóbulos vermelhos na corrente sanguínea. Decidiu atravessar mesmo assim, para não perder o ônibus, no intervalo entre um carro e outro.
Quando se jogou entre os carros, o ônibus arrancou, deixando-o para trás. Gritando e gesticulando para o coletivo o esperar, não percebeu o carro que se aproximava em alta velocidade.
O som da buzina e da freada fizeram recobrar a sua atenção. Arregalou os olhos quando viu o veículo se aproximando, que conseguiu desviar a direção no último instante, não o atingindo por poucos centímetros.
Assustado, ele desequilibrou-se. Agitou freneticamente seus braços, tentando recuperar o equilíbrio, mas não conseguiu. Seu corpo girou para o lado e caiu, torcendo o pé, rolando na pista sobre as fezes e um cachorro; quase sendo atingido por um caminhão que transportava combustível.
Transeuntes o ajudaram a sair do meio dos carros, enquanto outros o chamavam de louco, por não ter esperado o sinal fechar para atravessar. Um policial a paisana de meia idade, que estava assistindo a cena, se ofereceu para levá-lo ao pronto socorro.
Tentou se esquivar as pessoas, e rejeitou de todas as forças a ajuda do policial. Mas o homem da lei, era muito persuasivo, e as dores no seu pé, insuportáveis. Acabou aceitando a ajuda.
Sentando no carro do policial, ajeitou o pé, de forma que não movimentasse muito.
Sentiu-se intimidado pelo olhar penetrante do homem da lei. Seu sorriso irônico. Em vez de acelerar em direção ao pronto socorro, não. Parecia andar cada vez mais devagar. Puxava conversa, tentando saber detalhes da sua vida, profissão, família.
Ele suava frio. Se esquivava das perguntas, e quando respondia, era só o básico. Mas isso não bastava. O homem parecia estar decidido a esmiuçar sua vida, enquanto dirigia. Talvez fosse força do hábito, acostumado a conversas mais complexas com seus caronas.
“Talvez precise de um atestado médico, para faltar ao trabalho…” – falou o policial, como se estivesse esperando colher alguma resposta.
“Não será necessário!” – ele respondeu, sentindo seu pé doer.
Quanto mais andavam, mais pareciam estar longes do pronto socorro. Cada segundo dentro do carro ao lado do policial, pareciam intermináveis.
“Já esteve envolvido em algum problema com a Justiça?”
“Nããããoo!” – ele foi rápido em responder.
O policial gargalhou, dando tapas no volante enquanto dirigia.
“Você caiu nessa piada antiga, todos caem nela!! Se visse a sua cara... Todos se assustam quando pergunto isso”
O clima era insuportável. As dores no pé, o policial que não fechava a boca, ele querendo sair de dentro do carro, o pronto socorro que parecia estar cada vez mais distante. Se pudesse, abriria a porta, e se jogava para fora do carro.
Finalmente chegaram ao destino.
“Agora o deixo sob os cuidados médicos!” – o homem da lei disse, assim que estacionou.
Enquanto se preparava para descer, e agradecia a carona e ajuda prestativa, o policial colocou a mão na sua coxa.
“Estimo melhoras… Ah! Desculpe, é sua outra perna que estava machucada…”
Quando o policial piscou o olho, a porta a havia sido fechada com um estrondo.
No pronto socorro, fez alguns exames, e ficou aguardando os resultados, sentado ao lado de um jovem com uma fratura exposta no fêmur.
Para sua sorte não houve fratura alguma, apesar de a torção ter sido dolorosa. Logo que foi liberado pelos médicos, chamou um táxi.
Já era tarde quando chegou em casa.
Estava arrastando o seu pé machucado e com dificuldades para caminhar. Além disso, estava com fome e com frio. Mas estava em casa, e seguro.
Na cozinha enquanto preparava ovos mexidos e bacon, ligou o rádio. Estava no horário da segunda edição do programa de notícias policiais, que sempre costumava ouvir pela manhã.
No intervalo comercial, após o anúncio das facas Ginsu, enquanto tomava o seu café preto, amargo como a sua vida, ele começou a gargalhar.
Olhava para o seu pé enfaixado e imobilizado sobre uma cadeira e gargalhava.
Lembrou-se de quando ouvia o rádio pela manhã e o locutor fazia a previsão do seu horóscopo para o seu dia. Pela primeira vez, ele acreditava no que os astros diziam: O dia havia sido tenso, sim. Fortes momentos de tensão. Manteve a calma e fugiu do homem que o seguia. Por outro lado, se tivesse retomado seu equilíbrio, não teria torcido o seu pé.
Gargalhou novamente.
O programa policial recomeçou e o repórter entrou no ar, dando detalhes do assalto a joalheria no final da tarde. Um policial havia perseguido um suspeito nas proximidades, mas ele havia conseguido escapar. Até o momento, não se tinham pistas sobre o seu paradeiro.
Ele continuou gargalhando. Começou a tirar dos bolsos do seu casaco, um saco com anéis, brincos, pulseira de ouro, colares de pérolas, e alguns relógios.
Não importava mais o seu pé dolorido (ele melhoraria em poucos dias). Havia conseguido ficar com as joias, apesar de tudo. E era isso o que importava.
Serviu e bebeu, outra xícara de café preto.
Amargo, como a vida deve ser.
FIM
Amigo Leitor,
Espero que tenha gostado do conto acima.
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Abraços!