NEM TODO ASTRO BRILHA
Romeu Gusmão Silveira era empresário bem sucedido. Se fizessem a sua biografia, teria doses pesadas de mau humor nas primeiras páginas. Ele teve uma infância dura, trabalha desde os onze anos. Aos dezoito abriu um barzinho, daí passou a uma mercearia, desta saiu duas filiais, depois se uniram em um só lugar e dessa união resultou no mais moderno supermercado da cidade.
As novidades do supermercado Silveira encontraram rivalidades com as tradições do supermercado Barbosa.
Pedro Barbosa e Romeu Gusmão nunca se deram bem. Nunca foram bons amigos.
Alguns antenados às falas de praças e bares diziam que Pedro Barbosa vinha culpando Romeu pela perda de grande parte da sua freguesia. A empresa de Pedro empobrecia enquanto o de Romeu enriquecia.
Enfim, Romeu Gusmão foi uma estrela que brilhou no comércio. Um brilho que se apagou, ao menos fisicamente, quando um projétil veio alojar-se no seu corpo.
O dono do supermercado Silveira faleceu ali, sentado na sua cadeira de escritório enquanto conferia as notas empilhadas em sua mesa. Notas que lhe diziam que o faturamento aumentava em relação ao mês passado, mas não lhe disseram que ele morreria naquele começo de noite.
Embaixo de uma marquise de uma farmácia Dr. Ramos observava os passos daquele cortejo, daquele fúnebre cortejo na quinta feira triste na pequena cidade escondida entre as montanhas de uma das Minas Gerais.
Caminhando com o caixão do comerciante bem sucedido estava alguns de seus empregados. Entre eles, Afonso, o mais velho de casa; Pedro, o contador; Regina, a moça sorridente do caixa; Israel, o mais bem remunerado, que parecia sempre estar com a cabeça na lua, trabalhava nos computadores e Jorge Luís, pau para qualquer obra.
O supermercado permaneceu fechado o resto da semana. Na outra rua que também dava acesso à principal cidade, Pedro Barbosa sorria contente depois de tanto tempo. Com o Silveira fechado, os clientes acabaram adquirindo gêneros alimentícios para o final de semana das suas prateleiras já empoeiradas. Mas a opção pelo seu estabelecimento foi tão passageira quanto um cometa. Ainda pairava a suspeita, de alguns, sobre o cansado Pedro Barbosa.
Na segunda-feira, o Silveira voltou a abrir sob a direção do jovem Sérgio Silveira, o único filho de Romeu Gusmão e Dr. Ramos, na sua sala de trabalho também começou a priorizar a solução desse crime, já que o final de semana precisou ir ao Rio de Janeiro ajudar seu parceiro de sempre. Pedro Barbosa era a suspeita mais lógica.
Era 03h30 da manhã daquele segundo sábado após a morte de Romeu Gusmão Silveira, quando Julieta, caixa do supermercado Barbosa, voltava para casa às pressas ao ficar sem companhia na balada. Percebeu que um rapaz a perseguia. Adiantou o passo, mas não resolveu. Foi alcançada pelos ombros e violentada a 100 metros da sua casa sob a mira de uma arma.
O fato foi registrado em B.O. e Dr. Ramos tomou nota. A vítima, ainda sentido a dor da arrogância máscula do seu agressor conseguiu descrever o tipo de arma, apesar de não ser familiarizada com as denominações técnicas. E também mencionou uma frase sem nexo dita pelo estuprador. Ele dizia que ela em breve seria sua empregada.
Quatro semanas após o assassinato do brilhante atacadista, o caso ainda não havia sido resolvido. Preste a ser arquivado, Dr. Ramos seguia sereno juntando as peças do quebra-cabeça. Pedro Barbosa, apesar do ódio pelo seu principal concorrente, ódio gerado pela inveja que tinha da ousadia de Romeu, não o assassinaria. — pensou o renomado investigador. — O mais prático nesse caso seria sabotagem, talvez várias sabotagens, enfraquecendo a organização do rival. Não precisaria assassiná-lo. O velho comerciante não tem história de violência. Tinha a cara fechada, e isso era parte do seu insucesso, mas não era violento.
O caso em breve seria arquivado. Dr. Ramos é que pedia adiamento. Levava as duas investigações concomitantes. O estupro de Julieta, talvez tivesse alguma ligação, era nisso que Dr. Ramos apostava. Seu colega do Rio de Janeiro estava sugerindo que talvez Romeu Gusmão tivesse algum inimigo fora da cidade, desconhecido para a maioria na pequena Mutum.
Dr. Ramos foi até à biblioteca pública devolver Capitães de Areia. O velho Amado ainda o distraia com suas brilhantes histórias. Viu num canto o sujeito que todo final de tarde estava ali. Certa vez ele perguntou ao rapaz o porquê da biblioteca? Ele respondeu que ali era calmo.
— Grande Ronaldo Rogério de Freitas Mourão.
— Como o senhor disse?
— O autor, o maior astrônomo brasileiro. Gostei de saber que você gosta de astronomia, principalmente de apagar estrelas para fazer a sua brilhar.
— Não estou entendendo.
— Pessoas da computação sempre são aficionadas em outros assuntos. E o seu é em astronomia. Certo?
— Certo.
— Vamos para a delegacia tomar um cafezinho comigo. Lá eu quero saber o motivo de matar seu patrão. E pouco mais de uma semana depois estuprar a caixa do concorrente.
— E o detetive aficionado em Jorge Amado não sabe?
— Sei. Só quero que o assassino confesse. Se o pobre do Pedro Barbosa fosse preso, ou tivesse pelo menos sendo suspeita por um bom tempo, seu negócio ficaria mais arruinado, e aí você que já controla o Silveira, a pedido do Sérgio, também ficaria com o Barbosa, assim seria o rei dos supermercados de Mutum.
— Mas não caberia nessa história um estupro.
— Caberia sim. Só para provar para si que era poderoso. Não é mesmo, Israel? Agora só falta você confessar.
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