O Assassino do Bitcoin

Jenson Edwards residia numa área tranquila do sul de Londres. A última coisa que esperava encontrar, ao descer de um táxi em frente à sua casa, numa sexta-feira após sair tarde do trabalho, eram assaltantes. Dois, para ser mais exato, usando máscaras de esqui e roupas pretas.

- Perdeu, playboy! - Gritou um deles, praticamente enfiando um revólver na sua cara.

- Carteira, relógio, celular! - Gritou o outro. - O que tem nessa mochila?

Edwards engoliu em seco, enquanto puxava a carteira do bolso e a entregava ao bandido armado.

- Coisas do... trabalho - gaguejou.

- Veja o que tem dentro - ordenou o bandido armado para o comparsa. Sentiu o zíper ser aberto e a garganta ficou ainda mais seca.

- Legal! Um laptop! - Exclamou o bandido às suas costas.

O computador foi recolhido, bem como seu celular, e demais pertences. Em seguida, mandaram que se deitasse na calçada, cara no chão e olhos fechados, e contasse até 100.

- Se você se mexer ou abrir os olhos antes disso, leva um tiro - avisou o bandido armado.

Jenson não queria levar um tiro. Ficou deitado de bruços e, quando finalmente achou que estava em segurança, abriu cautelosamente um olho.

Os assaltantes haviam desaparecido. e ele não ouvira o barulho de nenhum motor de veículo. Teriam fugido a pé?

Maldizendo sua falta de sorte, mas aliviado por ainda estar com as chaves de casa no bolso, pôde finalmente entrar na residência. Agora, era chamar a polícia e ver o que poderiam fazer...

* * *

A Polícia Metropolitana agiu rápido e mandou uma viatura com dois policiais, emitindo um alerta sobre os assaltantes. Mas era pouco provável que ainda estivessem nas redondezas.

- Vamos requisitar imagens das câmeras de vídeo das vizinhanças - informou um dos policiais, ao chegar. - Mas assalto à mão armada é algo bastante incomum por aqui. Afinal, não estamos em Newham ou Islington...

- Confesso que nunca esperaria que acontecesse tão perto de casa... - lamentou-se Edwards. - Principalmente quando estava com um laptop da companhia.

- O laptop não era seu, então? - Indagou curioso o policial.

- Não... sou funcionário de uma empresa de tecnologia. Faço boa parte do trabalho em casa, só vou ao escritório alguns dias por semana. Agora, vai ser uma dor de cabeça ter que explicar isso no escritório segunda-feira... capaz de descontarem do meu salário!

- O laptop não tem um localizador ou coisa assim? - Questionou o policial.

- Dispositivos de localização são mais comuns em celulares, mas provavelmente devem ter desligado o meu e removido a bateria para impedir a localização. Vai ser difícil recuperar...

- Nos dê todas as características dos objetos roubados. Se algo for recuperado, nós o avisaremos.

Edwards preencheu um formulário, mas não tinha a menor esperança de rever seus eletrônicos ou documentos.

Menos de 48 h depois, para sua imensa surpresa, recebeu uma boa notícia.

* * *

- Onde o encontraram?

Jenson Edwards não pôde esconder seu contentamento ao ver-se diante de seu laptop de trabalho, na delegacia de polícia. Também haviam localizado sua carteira, jogada na rua - com os documentos, mas previsivelmente sem dinheiro. Do celular, nenhum sinal.

- Parece inacreditável, mas alguém deu 5 libras para um garoto jamaicano vir aqui, entregá-lo - respondeu a policial que o atendeu.

- Será que o bandido se arrependeu? - Questionou Edwards, examinando o equipamento. Fora um arranhão na tampa, parecia em perfeito estado.

- Improvável - retrucou a policial. - Essa história toda está muito estranha. Por que alguém roubaria um laptop para devolvê-lo dois dias depois? Você tem informações confidenciais gravadas nesse computador? Dados bancários?

Edwards coçou a cabeça.

- Quem dera... não, essa máquina não tem nada de especial, nem a empresa em que eu trabalho lida com dinheiro. Fazemos manutenção de sistemas online, criamos websites, nada de mais.

- Bom, se você não consegue imaginar uma resposta, imagine nós então - admitiu a policial.

- O importante é que ele apareceu - consolou-se Edwards.

Assinou a papelada pela devolução do laptop e foi embora para casa, sentindo-se aliviado. Decidiu também não fazer nenhum comentário no escritório sobre os incidentes do fim de semana.

Isso acabou por revelar-se um erro trágico.

* * *

Kieran Mills, dono da Exabyte Tech, empresa onde Jenson Edwards trabalhava, fazia uma reunião com sua equipe de desenvolvimento todas as segundas-feiras pela manhã. Com todos os programadores presentes, deu início à discussão da pauta do dia.

- Semana passada, pedi que trouxessem sugestões para o novo sistema de Business Intelligence. Alguém avançou no tocante ao banco de dados?

- Eu havia sugerido SQL Server - manifestou-se Edwards.

- É bom, mas creio que teríamos ganhos de velocidade usando o Aurora, da RDS - sugeriu outro programador.

- Não creio que uma implementação do MySQL seria uma boa ideia nesse caso - atalhou Edwards.

- Por que não, Edwards? - Indagou Mills.

- Ontem à noite, - explicou Edwards - fiz um benchmarking dos principais concorrentes no mercado, e gostaria de rodar um demonstrativo...

- Pode ligar seu laptop no telão - sugeriu Mills.

Edwards pegou o laptop, que estava em modo hibernação, e dirigiu-se ao projetor digital. Estava conectando o equipamento pela porta HDMI quando ouviu um grunhido de dor às suas costas.

Ao voltar-se, viu que seu chefe estava inclinado sobre a mesa de reuniões, pálido como cera, a mão direita pressionada contra o coração. Os outros programadores ergueram-se, em sobressalto.

- É um ataque cardíaco! - Gritou Edwards.

- Onde estão as pílulas dele?! - Exclamou um programador.

Mills tombou sobre a mesa, gemendo.

Quando a ambulância do serviço de emergência chegou, ele estava morto.

* * *

- Os assassinos estão ficando cada dia mais engenhosos - comentou Ellery Queen ao ser chamado pelo inspetor Highsmith à chefatura de polícia.

- Aposto que nunca havia ouvido falar de um assassinato cometido com um laptop - provocou o inpsetor.

- Devo confessar que não - admitiu o detetive novaiorquino. - Mas se requisitou a minha presença, inspetor, imagino que não tenha prendido o assassino.

- É fato - retrucou decepcionado Highsmith. - Detivemos um suspeito, o dono do laptop em questão, um certo Jenson Edwards, mas ele logo foi liberado quando nos contou toda a história.

E resumiu os incidentes envolvendo o roubo e reaparecimento do laptop.

- Não é preciso grandes poderes dedutivos para concluir que o laptop foi roubado justamente para ser transformado na arma do crime - avaliou Queen. - E, imagino, vai me dizer agora como foi feito isso.

- Precisamente - reconheceu satisfeito o policial. - Nossos técnicos descobriram que a máquina foi hackeada... instalaram nela um programa capaz de utilizar o circuito de Wi-Fi para transmitir comandos a um tipo de dispositivo em particular: marca-passos.

- E... deixe-me adivinhar... o morto usava um marca-passo, passível de reprogramação por Wi-Fi?

- Exatamente.

- Mas como o assassino saberia disso? Exceto, talvez, se fosse um empregado... ou ex-empregado...

E, vendo a expressão de expectativa de Highsmith, concluiu:

- Bem, creio que foi por isso que mandou me chamar, nao é mesmo?

- Também - concordou Highmsith. - Mas temos uma pista sobre o assassino.

- Não são impressões digitais ou material genético, suponho.

- Eu diria que é algo como... um cartão de visitas.

Tocou na barra de espaço do laptop, e a tela, que estava apagada em modo de economia de energia, acendeu-se. Sob os ícones do sistema operacional Linux, havia um fundo vermelho-sangue e um símbolo dourado, que ocupava boa parte do centro da tela.

- O papel de parede foi substituído quando o programa assassino entrou em ação. Normalmente, estaríamos vendo a logomarca da Exabyte Tech...

- E o que é esse símbolo? - Inquiriu Queen.

- Um bitcoin - declarou Highsmith.

[Continua em "A Lista Branca"]

- [04-07-2018]