ASSASSINATO DE PICALHO

NA DELEGACIA

Passava das 8, quando ouvia-se ao longe o burburinho das faxineiras que conversavam, e Dona Leci, antiga conhecida de todas naquela delegacia de polícia, chegava para limpar a sala do chefe da repartição. Ao colocar a chave na porta, por ser de confiança do Dr. Picalho, era a única que tinha cópia, girou-a adentrando à sala. Alguns segundos depois ouve-se um grito assustado, todas faxineiras correram ao encontro de Leci, e ouviu-se outra salva de gritos.

Dr. Picalho, estendido no chão, com um leve tom roxeado nos lábios e olhos estatelados, com aquela expressão de espanto, de alguém que viu a morte.

Algumas horas depois, a polícia já havia preservado a cena, para que a investigação comprovasse as causas do passamento do temido Delegado.

Encosta diante da delegacia um fusca laranja, conhecido veículo do Investigador Chefe Praxedes, ele desce do carro, olha toda aquela agitação e pergunta a Deco, colega investigador, a razão.

Deco assustado responde-lhe com admiração:

_ Não soube ainda?

_ O quê?

_ Picalho já era, meu chapa.

_ Como assim?

_Estão todos aguardando você, para iniciar as investigações.

Antes mesmo de terminar a frase, Praxedes levanta os olhos, e vê seu maior desafeto descendo as escadas, que já começa a falar.

_ Um investigador chefe que não possui celular. O último a saber de tudo.

_ Bom dia, Diretor.

_ Boa tarde, meu caro. Vá fazer o seu trabalho o mais rápido possível, antes da chegada da imprensa.

_ Sim senhor.

Praxedes era perseguido pelo diretor, embora fosse o melhor investigador de toda região, não se adaptava bem com a tecnologia, e isso irritava o diretor, moço novo, extremamente influente, que alcançou rapidamente o cargo, por conhecer as pessoas certas, e isso desagradava Praxedes pois achava injusto.

O CORPO

Praxedes colocou as luvas, e após o trabalho dos peritos começou a colher suas impressões sobre o caso. Embora Picalho colecionasse inimigos, o relacionamento com Praxedes sempre foi bom. Com seu amigo estendido pelo chão, Praxedes encontrou um primeiro sinal que lhe chamou a atenção.

O cheiro comum, aos conhecidos da vítima, o famoso Vick Vaporub estava no ar, mas não encontrou o frasco. Procurou pela mesa e gaveta, mas nada. Olhou a lata de lixo, e nada da embalagem. Estranhou, anotou este fato, e continuou sua investigação.

O segundo e último fator que lhe causou estranheza, o sinal em meio a poeira da sala, aparentemente faltava um porta-retratos na estante, tirando isso, tudo permanecia normal.

Chamou o pessoal da polícia científica e perguntou sobre os dois itens, caso haviam recolhido, o que de pronto lhe responderam negativamente, solicitou então ao perito, colher material dos dedos do cadáver. O perito ficou nada satisfeito, não gostava que lhe ensinassem seu trabalho, mas acabou fazendo mesmo assim.

_ Morte natural. Falou o perito ao investigador.

_ Pode ser, afinal Picalho não era dado a cuidar da saúde.

_ Amanhã lhe entrego o laudo.

_ Hoje, o mais rápido possível. Precisamos dar uma satisfação a Imprensa.

_ Impossível, tenho outros…

Interrompido por um gesto do Investigador, colocando o dedo sobre a boca, indicando silêncio, e na sequência, outro gesto pedido celeridade.

Ele acenou com a cabeça contrariado e completou.

_ Verei o que posso fazer.

VAZA A NOTÍCIA

Alguns minutos depois da saída do perito, Praxedes estava em sua sala e foi bruscamente interpelado por um repórter que adentrou a sala, perguntando qual o posicionamento da investigação. Mal se levantou, havia uma "manada" de pessoas entrando, e pensou. Começou.

_ Vou responder as perguntas, desde que se organizem.

_ Quem matou o Dr Picalho. Perguntou um repórter.

_ Não há nenhum indício de assassinato. Estamos aguardando o laudo do perito, para identificarmos a causa da morte.

_ Ele sofreu ameaças? Foi tiro? Houve luta?

_ Não posso responder a estas questões ainda, mas assim que tiver um posicionamento vocês saberão. Agora por favor saiam da minha sala e me deixem trabalhar.

Homero, repórter e informante de longa data de nosso protagonista, entra na sala de Praxedes, espalha-se na cadeira a sua frente, e vai logo perguntando.

_ O que você acha?

_ Ele foi assassinado. Você sabe alguma “treta” que ele esteja envolvido.

_ Apenas a de sempre.

_ Sei, mas será que algo novo aconteceu?

_ Ah, vindo de Marisa, sempre haverá surpresas.

_ Eu cansei de avisá-lo que marido traído, qualquer hora pode dar “novidade”.

_ Não sei, este caso é antigo, se fosse para acontecer algo, já deveria ter acontecido.

_ É, mas me diga, porque acha que foi assassinato?

_ Ainda estou agindo pelo instinto, não tenho nada para afirmar minha tese. Assim que sair o laudo, poderei realmente dizer se estou certo.

_ Pô, Praxedes. Vai esconder de mim?

_ Não meu Caro, não tenho nada mesmo.

A LINHA DA INVESTIGAÇÃO

Praxedes olhava nervoso, o relógio da parede que marcavam 18:30, pensava o porque do perito ainda não ter lhe dado notícias.

Trimm, toca o telefone que é atendido de pronto.

_ Praxedes.

_ Não foi causa natural. Informa Perito Figueroa.

_ Havia veneno misturado ao Vick Vaporub?

_ Se você não cometeu o crime, você é um gênio. Exatamente.

_ Imaginei, porque não encontrei a embalagem.

_ Ele foi envenenado. Encontramos resíduos nos lábios. Estranho isso não?

_ Ele sempre teve o hábito de hidratar os lábios com Vick, nunca entendi, mas…

_ Então foi isso. Alguém envenenou o frasco, e ao passar nos lábios, acabou ingerindo.

_ Tem como saber, o tempo aproximado que ele possa ter ingerido?

_ Pela potência do veneno, creio que pouco tempo antes da morte.

_ A quanto tempo ele está morto.

_ Pela rigidez do corpo, acredito que ele morreu entre 18 e 19 horas de ontem.

_ Mais algum detalhe que possa me ajudar.

_ Creio que tenha tido um encontro, pois há marcas de batom no pescoço e o corpo cheira a perfume feminino.

_ Interessante. Nada mais.

_ Não.

_ Obrigado.

Agora que tinha certeza sobre sua tese, ele deveria arregaçar as mangas e partir para o trabalho.

Na manhã do dia seguinte, encontrou Dona Leci na cozinha, e a mesma ainda assustada com o acontecido.

_ Bom dia, Dona Leci.

_ Bom dia Seu Praxedes.

_ Preciso lhe fazer umas perguntas.

_ Claro, o que quer saber?

_ A senhora que encontrou o corpo do Dr Picalho?

A mulher desabou a chorar, e foi amparada por Praxedes.

_ Calma Dona Leci.

_ Ele me tratava tão bem. Apenas a mim, ele confiava a chave da sua sala, e agora ele se foi.

_ Todos sabemos da empatia que Picalho tinha para com a Senhora.

_ Sim. Como um homem tão bom, pode morrer assim?

_ Dona Leci, apenas a Senhora tinha a chave da sala, exceto ao Doutor?

_ Sim, ele só confiava em mim. Vivia falando a todos o quanto eu sou de confiança.

_ Quando a senhora chegou pela manhã, notou algo diferente?

_ Não, mas também, não tive nem tempo de perceber, tamanho o susto.

_ Entendo. A Senhora pode me acompanhar até a sala, por favor?

_ Ai, não queria entrar lá, mas se for preciso para ajudar.

_ Sim. Preciso sim.

Dentro da sala, Praxedes pergunta a Dona Leci, como todas as manhãs fazia a faxina, se sentia falta de algo. Ela passeou os olhos pela sala, e balançou a cabeça negativamente. Praxedes agradeceu e a dispensou em seguida.

Praxedes começou a juntar os detalhes, o sumiço do frasco, o porta-retratos, a marca de batom, o perfume. Não tinha jeito, teria que intimar Marisa e o seu marido.

Deco, entra afobado na sala e diz:

_ Praxedes, fiquei sabendo do laudo, e preciso lhe contar algo que ouvi no bar.

_ É sobre o caso? Se não for, não tenho tempo agora.

_É sim. Fiquei sabendo que o Dr Picalho foi ameaçado pelo Senhor Feitosa, diante de muita gente no domingo passado. Parece que tem mulher no meio.

_ Alguém confirma esta história?

_ Sim, muita gente viu.

_ Hum, este caso tá ficando cada vez maior.

SENHOR FEITOSA

Homem mais rico da cidade, fazendeiro, viúvo, muito conhecido em toda região, influencia política, nos tempos antigos diriam tratar-se de um Coronel. Dono do jornal da cidade, da Rádio, ou seja, não havia uma palavra publicada ou informada na cidade que não passasse pelo crivo dele.

Muito mulherengo, havia centenas de histórias envolvendo mulheres.

Após a conversa com Deco, Praxedes foi tirando tudo que poderia ser útil para a investigação, até que soube que Feitosa estava interessado em Marisa.

Ele coçou a cabeça, e imaginou que esta investigação seria um precipício.

Organizou sua agenda, e resolveu começar pelo Senhor Feitosa. Pediu que intimassem o “Sinhô Feitosa” como era conhecido em Queimada.

A secretaria pediu para confirmar o nome do intimado sabendo ser pessoa tão importante, e Praxedes com sua calma rotineira, ratificou o nome.

Para espanto de Praxedes, duas horas depois do pedido, a secretaria bate a porta e diz:

_ O homem tá ai.

_ Quem?

_ “Sinhô Feitosa”.

Praxedes estranha a rapidez e pede a moça para dizer-lhe para entrar.

_ Praxedes, o nome do Senhor, tô certo?

_ Sim Senhor Feitosa, por favor, sente-se?

_ Imaginei que o Senhor quereria falar comigo, devido ao “arranca-rabo” que tivemos no domingo, e com esta tragédia, quis adiantar o expediente. Não tenho nada com o acontecido. Nem tava aqui no dia do crime.

_ Sei. Mas o Senhor pode me dizer o motivo da ameaça?

_ Não é surpresa pra ninguém, que o Picalho saia com a Marisa, e eu mais ela, tínhamos tido uma conversa semana passada, e nós estávamos começando a nos entender. E no sábado, ela me ligou dizendo que o Picalho tava insistindo em querer se encontrar com ela, que não queria mais. Não tive dúvida, encontrei-o no bar, e avisei pra ele deixar ela em paz e ele me desrespeitou, foi quando disse, que estava se metendo com o cara errado.

_ Entendo.

_ Mas nem precisei fazer nada. Riu Senhor Feitosa.

_ O Senhor não precisa me mostrar, mas se quiser fazê-lo, eu agradeceria. O senhor tem o registro da ligação da Sra Marisa?

Feitosa olhou-o de cima abaixo, e com um sorriso maroto no rosto, enfiou a mão no bolso interno da jaqueta, retirou o celular e os óculos, procurou pela ligação e mostrou ao Investigador.

_ Posso anotar o número para confirmar?

_ Sim, meu rapaz. Fique à vontade.

_ Obrigado. Agradeço sua cooperação.

_ Por nada.

CERTEZAS INCERTAS

Já era passado da meia-noite, Praxedes não conseguia dormir, passando os rostos de todos que falou, e como era de costume, ele assemelhava uma investigação a um novelo de lã, enquanto não achasse o fio, ela não servia para nada. Relia suas anotações e alguns fatos não encaixavam, então precisava ficar mais atento, acreditava que todo criminoso, no fundo quer ser pego, então a razão de dar sinais, muitas vezes imperceptíveis para os leigos.

Na outra manhã, além da investigação, havia muitas rotinas do trabalho que um investigador Chefe deve cumprir, então saltou cedo da cama, tomou um café gelado do fundo da garrafa, e pensou de quando seria, visto que não havia feito no dia anterior. Engoliu com cara nada boa, e partiu para a Delegacia.

Depois de muito pensar, revirou na sua gaveta uma foto antiga que havia tirado com Dr Picalho, quando recebeu um prêmio do Prefeito pela solução de um caso ocorrido na Prefeitura. Nesta foto estava Picalho, o Prefeito e Praxedes, na sala da vítima.

Encontrou a foto, e procurou um detalhe na mesma, e encontrou. O porta-retratos desaparecido estava lá, em tamanho minúsculo, mas dava pra entender que era uma foto com muitas pessoas, e antiga. No envelope onde se encontrava a foto, estava o nome da loja confeccionadora da mesma, e partiu para lá no mesmo instante, na esperança de obter mais dados.

Lá chegando, encontro Zé Fotógrafo, amigo de longa data, colega de infância, e saudaram-se, falaram um pouco do passado até que Zé, lhe perguntou:

_ O que te traz aqui meu amigo?

_ Preciso saber se há como aumentar esta foto, ao ponto de reconhecer quem esta neste porta-retratos?

_ Me lembro deste dia, eu tirei esta foto.

_ Sim, mas há como?

_ Difícil dizer, que conseguiremos aumentar, sem problemas, quanto a reconhecer as pessoas, apenas quando estiver pronta.

_ Por favor, tente.

_ “Vamô lá”.

Passado alguns instantes, após procurar nos arquivos, Zé encontrou a foto. Abriu o arquivo e focou no porta-retratos e foi aumentando.

_ Este é o máximo.

_ Ótimo, são doze pessoas.

_ Reconheci quase todas, apenas este aqui, não sei quem é.

_ Verdade, também não reconheço.

_ Zé, me ajudou muito. Sexta tomamos uma por minha conta.

_ Opaaaaa, to dentro.

_ Um abraço.

A FOTO

Das doze pessoas, seis já eram falecidas, três há muito haviam se mudado da cidade e não haviam notícias, um era desconhecido, e dois brilhavam como fogo. O marido da Marisa, e o Senhor Feitosa. Era hora de falar com Bartolomeu, o enganado da história.

Praxedes tentava traçar perguntas, isentando o fato de saber do caso de Marisa e Picalho. Não seria nada fácil levar este depoimento, mas já se fazia necessário.

Pediu a secretária para intimar Bartolomeu.

Um detalhe sobre Bartolomeu, era uma pessoa fora dos padrões normais. Seu apelido era trator, devido a força e tamanho, media aproximadamente dois metros, e pesava em torno de 130 quilos. O homem era um monstro.

Em sua sala sentado, Praxedes suava frio, ao saber que aproximava a hora da conversa com Bartolomeu, sabido por todos na cidade, ter um ciúme doentio de Marisa. Como bom policial prevenido, deixou a pistola engatilhada na gaveta para o caso de algo sair do controle.

Bartolomeu chegou a Delegacia sem saber o porque de estar ali, foi conduzido a sala de Praxedes, sentou aguardando uma explicação.

Praxedes cumprimentou-o e foi logo perguntando:

_ Bom dia, pedi para que viesse, pois tenho algumas perguntas?

_ Sobre o que?

_ A morte de Picalho.

_ O que isso me diz respeito?

_ No dia do ocorrido, um porta-retratos da estante do Dr Picalho, desapareceu. Consegui levantar uma foto, onde aparecia o referido, e ao aumentarmos a mesma, reconheci sua presença na foto. Por isso você foi chamado.

_ Entendo, sou eu mesmo. Mas isso foi a tantos anos, ainda não entendo?

Praxedes pensou que não poderia de forma alguma dizer-lhe o verdadeiro motivo, pelos menos por enquanto.

_ Você tinha algum problema com Dr Picalho?

_ Nunca gostei dele, cara mulherengo, e tenho mulher bonita, sabe como é?

_ Entendo. Por acaso você o encontrou no dia do crime?

_ Não. Fazia tempo que não o via.

_ Certo. Era só isso. Você está dispensado.

JUNTANDO OS CACOS

Praxedes chegou cedo naquele dia outra vez, como já estava se tornando costume desde assassinato. Lia e relia suas anotações, olhava seu quadro de anotações na parede, mas nada fazia sentido. Havia voltado a cena do crime diversas vezes para encontrar algo que lhe houvesse escapado, mas nada. Perdido em seus pensamentos, é despertado por Dona Leci, que entra para fazer a limpeza.

Ela começa, reclamando do excesso de gente entrando e saindo da delegacia, por certo, aumentava lhe o trabalho, e Praxedes cordial lhe responde:

_ Está um caos, há noites, não consigo dormir pensando neste caso.

_ E o senhor, já encontrou o assassino?

_ Nem de longe, alguma peça não se encaixa neste mistério.

_ Todos falam no corredor, que foi o fazendeiro, que mandou matá-lo.

_ Sim. Ele é o maior suspeito, mas não posso ficar falando sobre isso,

nem com a senhora, preciso do sigilo neste momento.

_ Entendo. O senhor era muito amigo do Dr Picalho.

_ Sim, nos dávamos muito bem.

_ Não abriu a janela hoje? Posso abri-la?

_ Nem me dei conta disso. Claro, por favor.

_ Toda manhã, o senhor chega, vai até a caixa de correspondências, pega um cafezinho, entra na sala, joga a bolsa no sofá, abre a janela, senta na cadeira e dá uma “bufada”. Risos.

Ele sorriu, olhou pra ela e disse:

_ Este sou eu.

_ Terminei Sr Praxedes. Tenha um bom dia.

_ Bom dia.

Assim que ela saiu, ele mergulhou novamente em seus pensamentos. Tinha um faro, e este não lhe apontava para os dois maiores suspeitos. Faltava o olhar do assassino e isso lhe corroía. Precisava descobrir quem era o último homem daquela foto. Teve a ideia de ir ao bar mais antigo da cidade, e perguntar ao Samuca, se lhe era familiar.

Samuca era um típico dono de bar, boa praça, conversador, mas se as coisas saíssem da normalidade no bar, “o bicho pegava”.

Chegando ao Flores Bar, saudou o velho anfitrião, pedindo um café e já avisando que precisava de algo.

Samuca se prontificou a ajudar, até porque sabia que as perguntas lhe renderiam saber de coisas que outros não sabem e isso para um fofoqueiro conhecido, era algo que lhe causava comichões.

Após tomar o café, Praxedes tirou a foto do bolso e mostrou-a a ele, questionando sobre a pessoa que ele indicava, se lhe era familiar.

_ Deixe pegar meus óculos lhe digo com certeza

_ Chagas.

_ Quem?

_ Chagas, uma história triste.

Contou Samuca, que Chagas era o melhor amigo de Picalho, sempre estavam juntos, e Chagas havia se casado muito novo, e Picalho, sempre na esbórnia, convidava-o para as noitadas. Num dos convites aceito, na volta, se envolveram num acidente, onde morreram três pessoas no trevo de Queimada. Na época, o pai de Picalho, por ser muito influente, convenceu todos que o motorista era Chagas, o qual foi condenado, e embora Picalho não estava tranquilo com a situação, por ser Delegado novo, com uma carreira pela frente, silenciou-se. Chagas ao ser preso, não suportou a injustiça e enforcou-se na primeira semana de detenção.

_ Caramba. Nunca ouvi rumores sobre esta história.

_ Não é pra menos, o pai de Picalho, na época deu cabo de alguns faladores, então o assunto se tornou perigoso, e caiu no esquecimento.

_ Rapaz, que história regalada.

_ Pois é. Mas me diz uma coisa, o que isso tem a ver agora, porque queria saber quem era este?

Praxedes riu, bateu nas costas do amigo e lhe disse:

_ Depois, meu caro, depois.

PROCURANDO O NOVELO

Praxedes, após ler tudo que havia sobre o fatídico acidente, fez um levantamento da vida de Chagas, mas não havia registro de nada relevante. Sua companheira da época, porque não havia registrado o casamento, era conhecida por Lurdinha, moça que ele conheceu fora da cidade, quando trabalhou na linha férrea. Não havia registro de filhos, irmãos, e os pais já falecidos, ou seja, ele praticamente não existiu.

Naquela tarde, o diretor ligou para Praxedes e lhe deu um ultimato, três dias, para a solução do caso, e o mesmo tentou debater mas sem sucesso.

No outro dia, Praxedes pede licença ao Diretor para ausentar-se da cidade para seguir uma pista que envolvia o crime. O diretor quis saber, mas Praxedes, explicou que não era nada oficial, apenas conjecturas. Ele ficou o dia todo fora, retornando no finalzinho da tarde, e ao chegar a sua casa, Deco estava estacionado diante da mesma aguardando-lhe a chegada.

_ Deco, o que faz aqui?

_ Há quatro horas estou esperando você.

_ Porque?

_ Bartolomeu e Senhor Feitosa se pegaram no boteco, e Bartolomeu quase matou Feitosa, ele está na UTI, e os capangas de Feitosa mataram Bartolomeu.

_ Alguém sabe o que iniciou a briga?

_ Marisa.

No outro dia, Praxedes solicitou que intimassem Marisa, assim que fosse conveniente, pois se fazia necessário saber a versão dela.

A pressão aumentava conforme os dias iam se passando, Praxedes ainda não encontrava o fio, e isso jamais tinha acontecido em sua carreira. Sempre foi conhecido pelo faro apuradíssimo, por capturar uma mentira assim que fosse pronunciada, mas neste caso, nada. Seus instintos o levavam para outro lado, mas eram apenas conjecturas.

Chegado o último dia dado pelo Diretor, coincide com a chegada de Marisa à Delegacia. Marisa não era uma mulher comum, por onde passava homens e mulheres a seguiam com os olhos, era um belo espécime de ser humano, linda, cabelos, boca, olhar fulminante, muito bem trajada, discreta mas com muito “sex apeeal”. Entrou na sala de Praxedes, sentou-se diante dele, cruzou as pernas e disse:

_ Eis me aqui.

_ Bom dia Sra Marisa. Sei que o momento não é oportuno, mas preciso lhe fazer algumas perguntas.

Ela acenou com a cabeça e ele começou o interrogatório.

_ Vou direto ao ponto. Qual o seu grau de intimidade com o Dr Picalho?

_ Fomos amantes, mas eu havia terminado há algumas semanas.

_ Qual o motivo do rompimento?

_ Isso é relevante?

_ Vou refazer a questão?

_ A Senhora esteve com ele no dia do assassinato.

_ Não. Mas ele me ligou naquela tarde.

_ O que ele queria?

_ Sair comigo novamente, mas disse não, porque já estava a fim de uma outra pessoa.

_ Você verbalizou a Picalho, quem era a outra pessoa?

_ Sim. Queria que ele me deixasse em paz, então falei de Feitosa.

_ E qual foi a reação dele?

_ Disse que iria matá-lo, e a mim também, caso não reatasse com ele.

_ Sabe me dizer se Picalho e Feitosa se falaram neste dia.

_ Meia hora depois de falar com Picalho, Feitosa me ligou dizendo havia recebido uma ligação de Picalho ameaçando-o de morte.

_ Hum. Interessante.

_ Porque?

_ Feitosa esqueceu de comentar este detalhe comigo.

_ Sobre o incidente que vitimou seu marido, o que pode me dizer?

_ Eu queria me separar a muito tempo, mas todos sabem o quanto Bartolomeu era bronco e ciumento. No dia, eu disse a ele que havia me apaixonado por Feitosa, e que iria deixá-lo.

_ Nem terminei a frase, ele saiu feito louco de casa, tentei acompanhá-lo mais foi em vão.

_ Então, esta foi a última vez que viu seu marido com vida.

_ Sim.

_ Uma última pergunta. Porque envenenou Picalho?

Ela sorriu, e falou tranquilamente:

_ Sei que meu comportamento de mulher não é adequado, mas não sou assassina. Estou dispensada.

_ Sim, mas não saia da cidade.

Ela acenou e saiu.

UMA IDEIA, UMA SOLUÇÃO

Todos na cidade já faziam apostas sobre a autoria do crime, e Feitosa estava pagando 2 por 1, ou seja, todos acreditavam que ele havia apagado Picalho. Por mais que ele tivesse a motivação, como ele envenenaria o frasco, teria ele entrado sem ser visto, talvez um capanga, mas dentro da delegacia? Se perguntava Praxedes.

De costas para a porta, olhando o céu através da janela que deixava uma brisa reconfortante entrar, foi interrompido por Dona Leci.

_ Posso entrar seu Praxedes.

_ Claro. No que posso ajudá-la.

_ Encontrei seu carrinho, estava na sala da limpeza.

_ Ah, muito obrigado. Eu ganhei este carrinho de minha finada Mãe, quando tinha 12 anos.

_ Não sei como foi parar lá. Mas guarde-o com cuidado para não perdê-lo.

_ Sim senhora.

Praxedes chegou ao seu limite, a prazo dado pelo Diretor estava se esgotando, e ele cheio de conjecturas, resolveu sair para dar uma espairecida e tentar desvendar a trama.

Passadas algumas horas, Praxedes com sorriso estampado no rosto, ligou para o Diretor, e disse ter solucionado o caso.

O diretor quis saber de pronto mas ele fez questão de dizer pessoalmente. O Diretor não quis aceitar, mas devido à gravidade de todo acontecido, disse-lhe que desceria até a delegacia.

Praxedes pediu a Deco que reunissem todos os funcionários da delegacia na sala de reuniões pois a solução do crime exigiria sigilo de todos que trabalhavam no prédio.

Quando o Diretor chegou, estavam todos reunidos na sala, e uma cadeira estava reservada a ele. Sentou-se e foi logo dizendo que esperava a solução.

Praxedes então começou a explanar.

Logo que cheguei a Delegacia no dia do crime, fui interpelado por Deco dizendo sobre o acontecido

_ Se usasse o celular, não teria sido o último. Disse o Diretor.

_ Obrigado pelo conselho Senhor.

_ Após adentrar na sala, senti o cheiro de “Vick” no ar, e ao ver os lábios de Dr Picalho roxeados, quis me certificar do frasco, pois já suspeitava devido a mania de lubrificar os lábios, que era sabido de todos na delegacia.

_ Além de não encontrar, notei a falta de um porta-retratos, na prateleira, devido as marcas de poeira.

_ Acontece, que como Picalho era uma pessoa com muitos inimigos, isso tornava o caso de difícil solução. Lembrei que havia tirado uma foto com Picalho, mais o Prefeito, e O Zé Fotografo, ampliou a foto ao ponto de perceber todas as pessoas da foto.

_ Das doze presentes, seis já eram falecidas, três a muito haviam partido de Queimada e dois ainda moravam aqui e apenas um, eu não conhecia. Esta é a foto em questão, onde podem perceber a presença de Feitosa e Bartolomeu. Dois com motivos para executá-lo. Este último, alguém aqui sabe quem é?

_ Todos balançaram a cabeça negativamente.

_ Então fui ao Samuca, que além de reconhecê-lo como Chagas, ainda contou a história trágica do seu fim.

_ Meu pai me falou sobre este acontecido. Disse o Diretor.

_ Sim senhor. Chagas foi acusado injustamente de dirigir o veículo que matou três pessoas num acidente no trevo de Queimada. O verdadeiro motorista era Picalho, que por ser filho do Desembargador Picalho, foi inocentado, e todos foram pagos ou ameaçados para ficarem em silêncio. Chagas enforcou-se no terceiro dia de prisão, e a história caiu no esquecimento. Acontece que Chagas havia se “juntado” a uma moça chamada Lourdes Esteves, que fui investigar no dia que pedi licença ao Senhor para me ausentar, mas não encontrei nada. Estranhei o fato de não achá-la, e este fato me deixou “encafifado”.

_ Com tudo acontecendo tão rápido, tinha pouco tempo aprofundar minha investigação, então tive uma ideia, dada pela nossa assassina.

_ Uma mulher? Marisa? Perguntou o Diretor.

_ Não. Nossa assassina chama-se Lourdes Esteves Chagas, agora peguem as três iniciais e somem ao final um “i”, e saberão que envenenou Picalho.

_ Leci? Dona Leci? Disse Deco aos berros. Você enlouqueceu.

_ Não meu caro. Não é verdade Dona Leci?

_ Sim. Eu matei este desalmado, e mataria mais mil vezes se fosse necessário.

_ Mas como? Ela trabalha aqui há anos?

_ Sim. Ela precisava ser de confiança para não levantar suspeitas.

_ Como conseguiu o veneno, dona Leci? Perguntou Praxedes.

_ Tenho um sobrinho que é químico.

_ Entendo.

_ Como soube que fui eu?

_ Quando a interroguei, perguntei-a se havia notado algo diferente, e sabendo que apenas a senhora tinha a chave da sala, e coincidentemente foi a pessoa que teve acesso à cena do crime antes de todos, teve a oportunidade de pegar o frasco de “vick”, também a única coisa que ligaria a senhora, a Picalho, ou seja, o porta-retratos, e para atrapalhar minha investigação, passou um pouco de batom no pescoço e perfume na vítima. Naquele tumulto, ninguém perceberia alguém saindo com um porta-retratos, batom e perfume num balde de limpeza.

_ Tudo isso não me revelaria.

_ Sim. A Senhora cometeu o erro de detalhar meu comportamento todas as manhãs, isso demonstra uma pessoa observadora, que ao perguntar sobre algo diferente na sala, imediatamente a senhora teria me dito sobre o porta-retratos na parte central da sala.

_ Mesmo com isso, precisava ter certeza, então com muito medo, peguei meu carrinho que estimo tanto, que fica guardado em minha gaveta, já com a ideia de muitos não o ver, e coloquei-o no dia anterior na área de serviço, pois sabia que uma pessoa detalhista iria se lembrar. E para fechar minha investigação, comparei o tipo sanguíneo de Lourdes com o da senhora, através do cadastro dos funcionários.

_ Devo admitir que estou impressionado. Disse o Diretor.

_ Obrigado Senhor.

O diretor se levantou satisfeito como um pavão, estufou o peito e disse:

_ Chamem a imprensa.

RRSabioni
Enviado por RRSabioni em 29/06/2018
Reeditado em 20/05/2021
Código do texto: T6377181
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