Porque não Cristina ao invés de América

Gosto de escrever sobre o mundo. Não me atenho às descrições do momento, mas antes me aprofundo nas pesquisas históricas. Aprecio o oculto nas observações daqueles que já abordaram assuntos intrigantes. Estes dias me perguntei o porquê de América ser o nome do continente. Por justiça, se tinha que ter nome de gente, que honrasse o seu descobridor, o genovês Colombo, por mais apropriado, seria então usado seu primeiro nome: Colônia ou Cristina. Soa-me mal se fosse Columbia ou Cololandia, estes termos de arrogante anglicismo num continente de predomínio ibero-latino. Se fosse continente cristino ao invés de americano, lembrariam mais do messias, nesta terra de maioria evangelizada na tradição cristã. Contudo, é abusivamente real o nome "América" , vinda de um tal Américo. Tudo impróprio, sem contar que é absurdo ter seus habitantes originais chamados de índios , o que lembra as " Índias", outra evidência de um engano, quanto mais por saberem não ser as terras novas , parte das Índias do oriente, pelo menos, desde do ano de 1507. Foi este o ano de provável confecção do mapa dos cartógrafos franco-alemães, Martin Waldseemuller e Matthias Ringmann, no qual há um desenho do novo continente, constando o nome "América" sobre as vastas terras, donde hoje é nordeste brasileiro. Este desenho privilegiou com o nome, o local visitado pela quarta viagem transatlântica do aventureiro florentino, Amerigo Vespucci ou Américo Vespúcio. Por caminhos tortuosos, a ele foi atribuído ser o principal artífice da descoberta de quarta parte do mundo, sugeriram os autores do mapa-múndi: que nada mais justo se atribuir um nome de mulher derivado do seu nome, haja vista serem mulheres que nomeiam tanto Europa, quanto Ásia, sem contar (eu agora acrescento), a África. Só que nem descobridor foi esse afortunado Américo, pois tinha sido coadjuvante, talvez um financiador, mas certamente um "olheiro" nas expedições espanholas de Juan de la Cosa, de Juan Diaz de Solis e de Alonso de Hojeda, finalizando sua derradeira aventura nos mares "nunca dantes navegados", com os portugueses comandados por Gonçalo Coelho. A bem da história, muito menos foi ele um expoente da humanidade que justificasse nomear todo um continente, derivando disso o nome da nação predominante no século XX e XXI. Esta é a história de um crime de usurpação. Nela, Vespucci foi um mero serviçal da rica família Médici, em seu auge econômico e político. Foi empregado e também financiado pelos Médici perante a corte espanhola, estabelecido em Sevilha e Cadiz, a frente da empresa de suprimentos dos Médici. Mais provável que fosse um espião dessa família poderosa de Florença, frente as pretensões de fortalecimento comercial dos ibéricos na busca de ingresso privilegiado no comércio de especiarias no oriente asiático, ainda nas mãos dos árabes e dos italianos. Concorrência direta faz isso, vale tudo. Até enxertar um agente nos empreendimentos alheios. Florença era arquirrival de Gênova. Os portugueses e espanhóis eram católicos recém unificados, porém rivais entre si, depois de anos de guerras contra os povos mouros (islâmicos) que viviam por séculos na península ibérica. Os cristãos ibéricos obtiveram o franco apoio da ordem dos templários e da comunidade ibero-judaica, tolerada na península desde os mouros. Há quem diga que a comunidade judaica nutria o secreto projeto político de criação de estados nacionais na Europa e, certa é sua proeminência na ascensão dos países baixos no Flandres. Mas isso já é outra história. Na Espanha, Vespucci se portava como um provedor, quase banqueiro, não era verdadeiramente um explorador. Era especialista em escrever cartas descritivas, informes comerciais e relatos de viagens. Juntou os atributos de letrado, com a condição de bem relacionado. Esta aptidão foi assim executada nas cartas aos Médici, as quais foram reproduzidas por artistas e sábios na Europa, todos inebriados por notícias do novo mundo que os ibéricos ocultavam por estratagema. Dizem que a casa de Médici tem a glória de ter sido a restauradora das letras na Europa, após a tomada de Constantinopla pelos turcos e a acolhida dada àqueles que fugiram da derrocada do Império Bizantino. A história coloca Lourenço de Médici como o "pai das musas", devido ao asilo que Florença concedeu aos agentes da cultura bizantina e peninsulares, que deram origem formal ao "renascimento Italiano", por sua academia de artes, local esse que centralizou manuscritos de toda Ásia. Há que se cogitar ter havido forte empurrão ao nome "América" no apoio cultural aos artistas, nos financiamentos da banca do futuro Grão Ducado da Toscana ou até na imposição de seu poder político e religioso. Naqueles anos da academia de artes de Florença, ascenderam os papas toscanos Clemente VII, Leão X, Leão XII e Pio V. Assim, igreja romana, arte e poder político em Florença estavam diretamente associados. A essa altura, a imprensa já fora inventada e a produção tipográfica fez diferença. Era precioso divulgar em escala o quanto o novo mundo era algo magnífico, sendo o mais próximo do que seria o paraíso bíblico. Os ducados alemães dominavam a impressão gráfica. Entre eles o Duque de Lorraine e Alsácia, local de confecção do primeiro mapa. Fervilhavam-se ideias novas e controversas. Uma delas, a teoria da terra plana foi emparedada pela eventualidade de um mundo esférico, esclarecido por Fernão de Magalhães, anos depois. Nua e cruamente, os italianos superam os espanhóis na disputa cultural pela ideia do novo mundo, nomeando-o, divulgado pelo papel, nas palavras e com tinta. Esta forma de predominância foi copiada da prática secular da igreja católica romana, manuscrita e oral. Trata-se do poder das ideias, da força do contar a sua versão dos fatos e de reescrever a história com finalidades. Hoje este papel de exercício de poder ocorre a cada instante nos conteúdos disseminados na internet, no cinema, na TV ou pelas notícias de jornais, porém ainda mais pela produção intelectual da ciência, das religiões ou da arte. Cultura é poder. Não é à toa que os americanos do norte conseguiram, a muito custo, adquirir no início deste século, da Universidade Ludwig de Munique, na Alemanha, por US$ 10 milhões, a única versão conhecida do mapa-múndi primordial com o nome "América". Hoje é uma relíquia na biblioteca Thomas Jefferson do Congresso Norte Americano, tida como a sua "certidão de nascimento". O mundo sempre foi e sempre será daqueles que dominam o poder das ideias.