Beba água

Passavam das três da madrugada quando quatro adolescentes, dois rapazes e duas moças, desceram de um táxi e entraram na emergência do West Middlesex University Hospital, em Isleworth, Grande Londres. Uma das garotas, Mia Hancock, 18 anos, vestido sujo de vômito, parecia estar bêbada e tinha que ser amparada pelos dois rapazes. A outra moça, Claire Duncan, visivelmente constrangida, tentou esclarecer a situação para o médico de plantão:

- Ela tomou alguma coisa...

- Que espécie de coisa? - Questionou o plantonista. - Preciso saber o que foi, para poder iniciar o tratamento correto.

- Eu acho que era... ecstasy. Mas foi só ela quem usou, nós estamos limpos.

- MDMA é uma droga classe A. Porte ou uso devem ser comunicados à polícia; eu lamento, mas terei que fazer uma notificação do ocorrido.

- Eu entendo - respondeu a jovem, mortificada.

- De antemão, recomendo que denunciem o traficante, caso saibam quem é - sugeriu o médico. - Até para afastar a suspeita de tráfico de drogas de vocês.

- Os garotos o conhecem - admitiu Claire.

* * *

Quando a Polícia Metropolitana de Londres invadiu a quitinete que Isai Ramos e seus comparsas usavam para embalar e estocar drogas, eles não ofereceram resistência. Levados para autuação na delegacia, Ramos foi surpreendido quando o detetive responsável informou-lhe que havia mais uma acusação pendente contra ele:

- Você vendeu MDMA para um grupo de quatro adolescentes do West Thames College, sexta passada?

- Vendo ecstasy para um bocado de gente - retrucou Ramos em tom desafiador.

- Pois vá se preparando: uma das suas clientes morreu depois de usar a droga. Que espécie de porcaria você está misturando no MDMA? Heroína? Morfina?

- Eu não vendo bagulho malhado - protestou Ramos. - Tem gente que não sabe que tem problema com ecstasy e descobre da pior maneira possível! Sou traficante sim, mas não assassino!

- Desta vez você não escapa, Ramos - sentenciou o detetive.

Menos de 24 h depois, a acusação de assassinato foi retirada.

* * *

- Água?

O inspetor Highsmith encarou surpreso o legista, que viera esclarecer o relatório sobre a morte da adolescente Mia Hancock, uma garota morena, bonita e cheia de vida, cujas fotos eram um sucesso no Instagram.

- Intoxicação por água, inspetor - explicou o legista. - É uma condição extremamente rara, mas que ocorre vez por outra. A autópsia não detectou nenhuma outra substância suspeita no corpo da garota além do MDMA. O excesso de água no organismo provocou um edema cereberal, que a levou ao coma e ao óbito.

Por ironia, a causa da morte fora justamente o conselho - bem-intencionado - dado aos consumidores de ecstasy: que bebessem muita água para compensar a perda de líquido provocada pela aceleração do metabolismo, induzida pela droga. No caso de Mia Hancock, que já usara MDMA em pelo menos três vezes antes sem maiores sequelas, a última dose fora fatal: sentindo-se mais sedenta do que o habitual numa rave, ela ingerira o equivalente a 7,5 litros de água em menos de 90 minutos. Começou a passar mal e os amigos a haviam levado inicialmente para a casa de um deles, temerosos de que fossem submetidos a um interrogatório caso a deixassem num hospital.

- É um efeito inesperado da nossa política anti-drogas - ponderou o legista. - Os garotos ficaram com tanto medo de serem associados ao tráfico, que demoraram a procurar socorro médico. A rapidez no atendimento poderia ter salvo a vida dela.

- [25-06-2018]