Ensaio do coral
- 12-A-21, queira responder. Código 1, Quesada.
O policial Ignacio Quesada, sentado ao volante, olhou contrafeito para o rádio do Chevrolet Caprice, estacionado sob uma árvore próximo ao Athens Park, sul de Los Angeles. Ao seu lado, um copo de café na mão, seu parceiro Franklin O'Rourke encarou-o contrafeito.
- Fez alguma merda?
Quesada devolveu-lhe um olhar atormentado, limpando com as costas da mão gotículas de suor que haviam surgido em sua testa. Depois, estendeu a mão para o rádio e pegou o fone.
- 12-A-21, Quesada falando.
- Retorne imediatamente à delegacia - foi a resposta seca do operador. - O sargento quer falar com você.
- Roger.
Pôs o fone de volta ao gancho e ligou o motor.
- O que aconteceu? - Indagou O'Rourke, fechando o cinto de segurança.
- Bati na minha mulher - respondeu Quesada em voz baixa, sem desviar os olhos do caminho em frente.
* * *
Quando Ty Morgan, um sujeito grandalhão de cabeça raspada, chegou ao bar, os outros quatro já estavam à sua espera, cervejas na mão: Chris Jackson, um negro magro com porte de jogador de basquete; Andrew Delgado, um latino de modos suaves; Mike Cooper, o mais jovem do grupo, um garoto de louro de óculos, cara de universitário, e, finalmente, o ruivo Franklin O'Rourke.
- Ensaio do coral sem Quesada não é ensaio do coral - sentenciou ele, após pegar uma lata de cerveja da mão da garçonete e sentar-se à mesa com os companheiros.
- Ele cansou de ouvir você defendendo Bush e foi vomitar em outro lugar - retrucou Jackson, sorriso irônico no rosto.
- Sério... o que foi que houve? - Insistiu Morgan. - Ouvi uma história na central, quando fui entregar os relatórios, no fim do turno...
Os olhares convergiram para O'Rourke, que tomou um gole de cerveja antes de responder.
- Quesada teve que entregar a arma e o distintivo. Está suspenso por um mês - foi a resposta lacônica.
- Então era verdade o que estavam comentando... ele enfiou a porrada na mulher - comentou Morgan.
- Pelo menos, não estava de serviço na hora... imaginem o escândalo. A imprensa já vive pegando no nosso pé... - avaliou Delgado, servindo-se de uma porção de amendoins salgados.
- Aquela vadia estava pedindo - resmungou O'Rourke. - Estava chifrando o Quesada com o dono do mercadinho, na rua onde eles moram!
- Como foi? - Indagou Cooper, ajeitando os óculos.
- Quesada terminou o turno, trocou de roupa e foi até o trabalho da vagabunda, em Westlake - contou O'Rourke. - Se fosse só pelos tapas que ela levou na cara, acho que até daria pra minimizar a situação... mas o Quesada estava nervoso, sacou a arma de serviço, enfiou na cara dela... avisou que não ia ter próxima vez.
- Cristo - gemeu Delgado.
- A dona da loja onde a vadia trabalha chamou a patrulha, mandou que ela desse queixa... o Quesada já havia saído - finalizou O'Rourke.
- Bando de piranhas! - Grunhiu Morgan. - Protegem-se entre si!
E virando-se para a garçonete:
- Ei, Donna, mais cinco aqui!
* * *
Quando Ignacio Quesada entrou no bar, um mês depois, foi recebido por seus cinco companheiros com uma salva de palmas. E depois, Chris Jackson começou a cantar "When A Man Loves A Woman", à capela. Quesada ergueu as mãos, pedindo silêncio:
- Preferia ser recebido com "Smells Like Teen Spirit", do Nirvana - declarou, com uma careta.
Sentou-se à mesa e uma lata de cerveja foi posta em sua mão.
- Um mês de estaleiro lhe fez bem - avaliou Ty Morgan. - Você até emagreceu!
- Aquela mulher estava te intoxicando - avaliou Delgado. - Melhor ficar longe dela.
Quesada lançou-lhes um olhar de tristeza.
- Elisenda acabou comigo, essa é a verdade. Mas querem saber o que é mais difícil?
E antes que alguém perguntasse, completou, olhar perdido no vazio:
- Não poder conviver com as crianças.
- Ela conseguiu um 273.6 contra ele - explicou O'Rourke, citando a seção do Código Penal sobre ordens de restrição.
- Mas que escrota... - irritou-se Morgan. - Um pai não poder ver os próprios filhos!
- Sim, isso machuca - admitiu Quesada.
Morgan deu-lhe uma palmada nas costas.
- Mas, amanhã, você volta ao serviço ativo... a sua ficha sempre foi limpa, nada de mal vai lhe acontecer.
- Não lhe recomendaram que fosse fazer terapia? - Inquiriu Cooper.
Morgan lançou-lhe um olhar aborrecido.
- Terapia para quê? Quesada só ficou fulo nas calças com a traição da mulher... sorte dela que ele é um sujeito tranquilo!
- A melhor terapia é o trabalho - sentenciou O'Rourke, encerrando o assunto.
* * *
- 12-A-26 informa Código-6 para o seu 187, central. Estou vendo o 12-A-18 em frente à casa... policial Cooper de prontidão - informou Ty Morgan pelo rádio da viatura, enquanto estacionava atrás do Caprice guarnecido por Mike Cooper, de pé ao lado da porta do motorista, aberta.
- Roger - aquiesceu o operador da central. - Acha que vai precisar de reforços, 12-A-26?
Ty Morgan mordeu os lábios, ao ver a expressão consternada no rosto de Cooper.
- Negativo, central... Código-4.
- Roger.
Ao seu lado, Delgado abriu o cinto de segurança e perguntou, cautelosamente:
- Essa rua... não é onde Quesada mora?
Morgan balançou a cabeça, afirmativamente.
- Essa é precisamente a casa dele...
Saíram da viatura e caminharam até Cooper, que os encarou como se não entendesse o que estavam fazendo ali.
- Jackson está lá dentro? - Indagou Morgan.
- Sim... - respondeu Cooper, branco como cera.
- Mortos?
- Três.
- Cristo - sussurrou Delgado.
Morgan correu para a casa, cuja porta da frente estava aberta, seguido por Delgado, que havia sacado a arma. Depararam-se com Jackson, que estava parado no meio da sala, expressão vazia no rosto.
- Ele matou os dois e depois se matou - declarou ao vê-los.
- E as crianças? - Inquiriu Delgado, guardando a arma no coldre.
- Estão bem. Trancadas no quarto... não tive coragem de soltá-las, pois poderiam ver os corpos - admitiu Jackson.
Lá fora, ouviu-se a sirene de uma ambulância.
Tarde demais.
- [30-05-2018]