Homens da mesma farinha

A profissão dele era passarinheiro. Significa que caça e vende passarinhos. Fez para mim, que sempre fui curioso do assunto, um célere relato do que é ser um profissional altamente capaz, de boa fama e reconhecido pelo mundo afora.

Quem caça, não só prende ou, as vezes mata, mas antes, julga. Primeiro julgamento, tem que ver se a presa é de valor significativo para o dispêndio de energia da captura. O segundo julgamento é o ganho em aprisionar o pássaro: se for raro, forte, líder dos seus pares ou simplesmente ágil o bastante para escapar da prisão, o valor da empreitada do passarinheiro será melhor gratificada. O último julgamento preliminar, pois depois dará o veredito principal sobre a vida e a morte do passarinho, é perceber qual será o reconhecimento público pela apreensão do bicho. Quanto mais palmas e elogios advindos dos olheiros simpatizantes, melhor fica o seu labor.

Sair de manhã cedo para a captura é sempre uma prática bem vista, mas certos passarinheiros preferem as sombras da noite, quando podem agir com mais firmeza e ter a confiança de que não serão importunados pelos defensores dos passarinhos livres. Nas ações noturnas, contam sempre com a ajuda de outros caçadores, desde que não os contrarie. O barulho sem motivo afasta seus aliados. A vaidade deve ser moderada nestas circunstâncias porque atrai a inveja dos outros caçadores, tanto quanto de passarinheiros de hierarquia superior. De vez em quando deve viajar para fora da sua terra, no dever de prestar contas aos estrangeiros. Já foi até convidado a dar palestras no exterior, tudo lhe foi pago.

Há de ser duro com a presa, sem perder a ternura jamais. Deve tratar os passarinhos com educação e respeito, pelo menos, para que estes acreditem que seu aprisionador é um sujeito distinto dos demais, um profissional isento e perfeitamente capaz de ser misericordioso, apto a manter a compostura nas adversidades, principalmente quando o passarinho luta para se manter livre ou apenas pela justiça natural de continuar a democraticamente bater as asas, botar ovos ou cantarolar pelos quatro cantos da terra aos ouvidos e aprovação dos ouvintes.

Num titubeio de sua parte, confessou também a mim os seus requintes das maldades na profissão: não admite ser contestado publicamente por seu jeito de agir, afinal Deus o criou para caçar passarinhos que corrompem a convivência com os seres vivos por sua formosura e graça no cantar; nunca se pode ter em dúvida que os meios se justificam pelo fim almejado, seja ele qual seja, ou aqueles quais forem; e finalmente, não aceita que lhe digam o que é eticamente certo ou o que é moralmente errado, pois o que vale ao passarinheiro são suas convicções.

Pobres - e não tão pobres - passarinhos que contam apenas com suas asas para fugir do passarinheiro audaz.

Já estava me esquecendo de contar que as orientações do brilhante passarinheiro viraram uma famosa cartilha que a mídia divulga como verdade absoluta para todos os que se arvoram de justiceiros, benfeitores e caçadores esporádicos, mas esquecem de olhar seus pés descalços, enlameados e com um chinelo havaiana bem desgastado.

"Homines sunt ejusdem farinae"