DANIEL II (continuação)
DANIEL II (continuação)
Acendendo um charuto fétido e barato, o Delegado Carlos se estica na cadeira empurrando as costas para trás procurando forças para expelir a fumaça dos pulmões, ele pega a caneta de ouro (presente de sua esposa) e começa a anotar alguns tópicos do caso. "São muitas as brechas, vários fios soltos" pensou ele.
Sua sala era fechada por vidros e persianas, quase sem iluminação. Aquele ar sombrio e solitário revelava o dia a dia do delegado, na sua mesa muitas fotos de crimes de toda natureza com pastas e relatórios deixados ali diariamente.
Após finalizar o mapa mental levantou-se e caminhou até a cafeteira, despejou o café requentado da manhã no mesmo copo que bebera o uísque e com olhos caídos transparecendo cansaço do plantão, observava dali a equipe trabalhando na delegacia, naquele momento decidiu que era hora de aposentar, já não era jovem, o gás foi se perdendo à medida em que percebeu que a sujeira que ele tirava da rua dobrava no dia seguinte.Virou-se para a parede examinando todos aqueles prêmios conquistados pela excelência durante a carreira de Delegado. Decidiu que esse caso seria o último, poderia se tornar professor ou quem sabe se dedicar aos netos.
Deixou de divagar e logo voltou à mesa submerso no caso; "Por que raios esse garoto mataria Sônia?
Pela gravação na boate ela estava à vontade com ele, esse garoto não me pareceu intimidador. Quando interrogado ele se manteve frio demais. Não...ele até respondeu as perguntas..mas mudou o semblante diante do advogado, geralmente os criminosos ficam confiantes quando representados e ele ficou sólido. E aquele sinal com a sobrancelha? Talvez ele seja inocente.
O carro ficou no local, a bolsa dela com tudo dentro, esse foi um crime passional".
Ao toque do telefone de disco, já interrompendo as reflexões, o delegado atende rapidamente:
-Alô.
-Dr. Carlos, encontraram um corpo no metrô.- Disse a policial Fran.
-Envie algum detetive novato para lá.
-É que...o corpo é do Daniel, o Sr. O interrogou ontem.
-Tem certeza?
-Sim, ele estava com a carteira no bolso.
-Droga! Ele era o único suspeito!
-Tudo indica suicídio, ainda estamos colhendo depoimentos dos passageiros e do condutor do metrô.
-Eu mesmo cuido desse caso, mas continue colhendo declarações, eu não descarto assassinato. Melhor, Fran!!Fran!!...
-Oi Dr.Carlos.
-Fran. Depressa! Me passe o endereço do Daniel, vou levar a mãe dele para reconhecer o corpo e ver o que ela sabe sobre o filho antes que saia nos jornais.
-Ok.
-E...me encontre lá, faremos isso juntos.
Mais tarde chegando na periferia, à paisana, em carro simples Fran dirigia com cuidado nos muitos buracos das ruas estreitas no qual só passava um carro por vez. Obrigando assim a descerem do carro para localizarem a casa de Daniel. "Fran, você está de colete? Não é bom ir a fundo das ruas só nós dois, em lugares assim é comum os logradouros não ter saída." Disse o Delegado.
Fran fez sinal que sim com a cabeça, vinha se mostrando uma boa policial, mas não era acostumada a fazer serviço de rua. Essa era uma oportunidade única de aprender diretamente com o Delegado.
"Dr. Olha lá na frente, na quadra, a gente podia falar com aqueles adolescentes, ver se reconhecem o endereço"
"Não Fran. Eles sentem o cheiro de policial. Nunca falarão. Vou te ensinar uma forma rápida de descobrir qual é a casa sem alarmar quem somos nós."
Na parte de baixo da rua, toda a extensão do caminho estava repleta de criaças jogando “bets”, após uma forte tacada a bola caiu sob os pés do Delegado. Ele pegou a bola e se aproximou das crianças.
-Ei guris! Vocês jogam muito bet! Porque não estão na quadra?
Uma delas respondeu:
-Sim, a quadra está ocupada pelos grandes, devolve aí a bola.
Agachando perto do menino, e cercado de crianças, o Delegado sorriu e interagiu pacientemente com as crianças;
- Garoto sabia que o significado de "bet" é aposta? E que essa madeira aí na sua mão imita o taco de beisebol? Bom, olha só filho...você tem uma boa tacada! E essa bola de vocês está rasgando, e pode ir longe e vocês não acharem.
-Talvez...-Disse o garoto inocente.
-Então. Eu posso dar um dinheiro para vocês comprarem umas cinco bolas iguais a esta, em troca você me leva até uma casa.
O menino pensou um pouco e respondeu:
-Bom, eu posso só apontar. Mas primeiro dá o dinheiro.
Fran encostou perto do garoto e mostrou a foto do Daniel e perguntou:
-Conhece esse rapaz? Qual é a casa dele?
O menino pegou o dinheiro e apontou: "É a casa do tio Daniel, aquela última casa de 'tába'. Com a bandeira do Brasil desenhada na calçada".
O Delegado deu um sorriso de canto de boca para Fran, os dois desceram a rua coberta por britas devido a falta de asfalto, com esperanças que a mãe de Daniel pudesse ter alguma pista, o Delegado chegou na casa simples de tábua, fechada, Fran bateu na porta, no qual, essa foi aberta na tarceira batida:
-Pois não? - Atendendo a mãe de Daniel, muito magra, aparentava ser uma Sra. Idosa, lhe faltavam os dentes e os que tinha estavam necrosados pelo uso da droga.
O Delegado continuou;
-Bom dia Sra. Eu sou o Delegado Carlos. Aqui é a casa do Daniel?
-DELEGADO? Sim é a casa dele sim, ele é meu filho. - Cadê meu filho? Ele saiu de manhã e...
-Calma Sra. Se acalme, podemos entrar para conversar?
Ela sentiu medo, achava que o filho estava preso, seu corpo tremeu, espantada com a presença da policia ela escancarou a porta assim deixando o delegado entrar:
-Então Sra. eu vim aqui porque o corpo do Daniel foi encontrado hoje. Achamos que ele suicidou-se hoje de manhã. Eu queria saber se a Sra. Pode me acompanhar até o IML para reconhecer o corpo?
O grito pôde ser ouvido na rua, as crianças pararam de jogar, os adolescentes da quadra pegaram suas bikes e saíram para ver o que acontecia e a mãe de Daniel desmaiou.
Fran correu para apoiá-la, a colocaram no sofá. Fran entrou na cozinha e pegou um copo de água, passando pelo corredor viu o quarto aberto, entrou. Pelo chão muitos cachimbos jogados.
Ela veio até o Delegado e sem saber como proceder eles se entreolharam.
Continua...