Consenso

-Você já desejou a morte de alguém?

-E mais do que desejar, você já quis matar alguém?

Talvez não de forma tão mórbida, nem de forma tão truculenta, o fato é que todos já quiseram matar alguém, ou sendo mais eufêmico, todos, sem exceção, já quiseram se livrar de alguém... para sempre.

A vítima estendida no chão era um exemplo cabal de uma pessoa odiada pelo mundo, se não pelo mundo inteiro, pelo menos por aqueles que a conheciam, ela era repulsiva à primeira vista.

O namorado nunca a perdoaria por toda infidelidade que a marcava; a falta de tato, e camaradagem, no tratamento que dispensava aos seus subordinados, na empresa em que trabalhava, definiam o perfil da “Megera domada”, ou não domada se preferirem; até as pessoas mais próximas, os parentes, ou colegas, por falta de amigos, reconheciam nela uma tigresa, não apenas pela beleza, e mais pelo espírito de isolamento, que ela adotava, apanágio da pantera.

Vários heróis das histórias em quadrinhos têm apenas um inimigo, isso facilita a investigação de qualquer crime , ao contrário do crime que estava sendo investigado, em que a vítima era odiada pelo namorado, pelos funcionários, pelos amigos, e, sobretudo, pelos inimigos, em profusão.

O perfil da vítima alterou a mecânica da investigação, não estava mais sendo procurado alguém que a odiasse, mas sim aquele que mais a odiava, a procura tinha por princípio colocar, em ordem crescente a aversão que ela despertava.

O placar sofria freqüentes alterações, cada suspeito, após o depoimento, pulava à frente, tornando a cada vez mais frágil o que se disputava.

Não havia um mediador, e mesmo que houvesse, com certeza ele teria, pelo menos um motivo, para desprezar aquela que a ninguém poupava, e por ninguém também era poupada.

O destino foi austero, pois mesmo não havendo um mediador expressamente designado, mas tacitamente coube ao investigador classificar a lista de suspeitos; e ele foi, intimamente, o mais parcial, o mais faccioso dos juízes. Encarregado, pelo cargo que ocupava, de investigar aquele assassinato, fora ele encarregado, para a mesma função, pelo fato de ser o pai do primeiro marido da vítima... seu filho que fora brutalmente desmoralizado pela conduta irresponsável e doente daquela a quem o policial classificava de sociopata, que agora estava morta, seu filho também estava, corroído pela vergonha e pelo álcool.

A justiça é subjetiva, e nem sempre é justa, o responsável pela investigação do crime, foi também, literalmente, o responsável pelo crime, e ele nunca ocupou a ponta da lista, afinal ela que foi morta era odiada por todos, e, no caso, o assassino foi o incumbido de fazer a lista.

Roberto Chaim
Enviado por Roberto Chaim em 10/03/2018
Reeditado em 10/03/2018
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