Prostitutas não confiam nem na própria sombra e nem podem. Muitas são as cicatrizes que trazem no corpo e na alma. Não têm histórias escritas em livros e aqueles que escrevem sobre elas, são gigolôs das letras. São traídas, ferem e são feridas. Defendem um relacionamento que não querem ter, mas precisam. Não precisam de homem, precisam do dinheiro dele e do relacionamento que disputam: um amor que não recebem e nem dão. Tudo é negócio, a vida, um ócio, monotonia de esperar no apagar da luz, que brilhe sua estrela. Fingem. Apenas fingem que gostam e em paga, recebem dinheiro e fingimento. Aqueles a quem chamam de ‘meu homem.’ Não são seus, pertencem às esposas que os maridos deixaram em casa. Nada fica, nada sobra na vida da prostituta, nada além do palavroso queimando como fogo a vida chula que levam. E quando envelhece, dorme na rua inalando a creolina que os proprietários derramam sobre as calçadas, para não serem incomodados com a visita noturna dos moradores de rua. É assim no Rio de Janeiro e em muitas cidades pelo Brasil afora.
— Vamos dar um passeio hoje, na Vila Mimosa.
Ravenala recusou o convite, disse estar ocupado e desligou o telefone.
Ramayana insiste.
— Não queres mesmo conhecer a galeria de bares da Vila Mimosa?
— A que horas?
— Às vinte e duas!
— Vamos de ônibus ou de táxi?
— De carro próprio!
— Compraste um?
— Darei meu jeito com um amigo. Passarei em tua casa às 22:00h.
Às dez da noite, Ramayana chegou numa brasília amarela, dirigida por Leonardo. O motorista tinha face felina, redonda e com de bigode como gato.
—Entre, minha deusa — disse ele.
Durante os primeiros quinze minutos, o veículo se deslocava a uma velocidade assustadora. Silente, Ravenala escondia medo e terror.
— Já estamos na rua Ceará — disse Leonardo.
A voz do motorista parecia ter saído de uma caverna: queimava como lava brotada das profundezas de um vulcão infernal. Ravenala gelou com a visão que teve da rua Ceará: mulheres tatuadas, seminuas fervilhavam nas calçadas e portas de bares da Vila Mimosa. ‘Paga só dez reais por um beijo. O serviço completo na cama é vinte. ’ Os sete pecados capitais tremeram. Leonardo mordeu os freios, como se fosse acorrentar Ésquilo.
Ravenala gritou:
— Pelas sete chagas de Jesus, não pare!
—Pare! — disse Ramayana.
Lentamente o carro seguia, desviando-se de transeuntes. Os ferros da lataria passavam quase esfregando nas barracas, que ocupavam parte da rua. Na calçada da direita, uma prostituta tirou a parte de cima e balançou os seios para Leonardo... 'Vamos fazer amor, meu bem?...’ Distraído, o motorista atropelou um bêbado que atravessava a rua. Duas mulheres arrastaram o corpo e o lançaram no matagal. ‘Este aqui, amanhã tá fedendo!’ Disse uma delas. As cenas que Ravenala via lembravam a descrição que o padre Davi fazia do inferno. Ela mesma se sentia no inferno e já não tinha certeza se o que via era real, ou imagens formadas em sua mente por um surto de medo. Naquele instante, um homem estendeu a mão e disse com autoridade: Pare! E a brasília amarela estacou. O motorista que transportava almas para o inferno fugiu a pé. Ravenala sentiu-se como que suspensa, entre o céu e o inferno. “ Meu Deus, meu Deus!” Ela Não sabe por quanto tempo ficou em estado de choque, e quando deu acordo de si, outra pessoa ocupava o lugar que fora de Leonardo. Olhou o novo motorista e viu uma coroa de espinhos sobre a cabeça dele. O homem sorriu docemente: “Vou te levar para a casa, minha filha.”
Sonho ou pesadelo?
O triângulo amoroso arquitetado, sem a anuência de uma das partes, caiu por terra e Ramayana soltou sua voz anserina de ex-presidiária: ‘Pô, meu! Tipo assim... vamos deixar essa mariposa em casa.’ O Pastor que agora dirigia o veículo, parou no Aterro do Flamengo. ‘Acorda, Talita Ravenala! O pesadelo acabou.’
Acordou.
Ravenala estava em casa, deitada com traje domingueiro. Levantou-se, olhou no espelho, e viu na testa uma cruz traçada com cinzas. “Que será isto? Hoje não é quarta-feira.
O calendário viaja no ponteiro das horas: dias, meses e anos, pingam apressados como chuva passageira. A vida passa. Ligeira,
a morte tem pressa de chegar.
Nunca fora presa por pequenos furtos. Sempre alegava que acontecera apenas um esbarrão, e se passava por estudante, exibindo um livro que não lia. Mas, quando se envolveu com tráfico de drogas, o corporativismo do pai não prevaleceu. Ramayana foi apanhada pela ronda do tenente Durão. Não adiantaram os protestos: “Sou filha de oficial.” A informação constava em seu RG. E esse registro em época de ditadura salvou a pele de vários filhos de militares, envolvidos em pequenos delitos. Mas o tenente Durão era aroeira-de-sete-cascas. Não levou em conta a paternidade da moça. E Ramayana curtiu seis meses de cadeia, em presídio feminino no Rio de Janeiro. Ela conseguiu a custo de muito dinheiro, provar que a quantidade de drogas, não era aquela informada no processo. Não negou a droga encontrada em sua bolsa, disse que portava pequena quantidade para consumo próprio. Conquistou pois, a. liberdade mediante o arrolamento de falsas testemunhas, e a contratação de um advogado conhecido por Diabo Louro. Ramayana escreveu com mão canhestra a história de sua vida e deixou sua imagem gravada em monumento de cera. Dividiu com outra prostituta, as imundices e depravações de uma cafua de bordel na Vila Mimosa, comeu do fruto proibido e bebeu água do Nilo, ferida pela a vara de Moisés. Até que... A luz de emergência de uma viatura avança o sinal vermelho. A rua Ceará se agita, um velho grita: ‘Mataram uma mulher na Vila Mimosa.’ Afastando-se da cena do crime, Conchita e Leonardo caminham ocultando seus vultos cambaios. A mulher cobria suas carnes com um vestido amarelo-palha em frangalhos, na boca um cigarro apagado, à cintura uma bolsa com peças íntimas e três pedras de craque. A noite era escura como o negrume de suas almas.
***— Vamos dar um passeio hoje, na Vila Mimosa.
Ravenala recusou o convite, disse estar ocupado e desligou o telefone.
Ramayana insiste.
— Não queres mesmo conhecer a galeria de bares da Vila Mimosa?
— A que horas?
— Às vinte e duas!
— Vamos de ônibus ou de táxi?
— De carro próprio!
— Compraste um?
— Darei meu jeito com um amigo. Passarei em tua casa às 22:00h.
Às dez da noite, Ramayana chegou numa brasília amarela, dirigida por Leonardo. O motorista tinha face felina, redonda e com de bigode como gato.
—Entre, minha deusa — disse ele.
Durante os primeiros quinze minutos, o veículo se deslocava a uma velocidade assustadora. Silente, Ravenala escondia medo e terror.
— Já estamos na rua Ceará — disse Leonardo.
A voz do motorista parecia ter saído de uma caverna: queimava como lava brotada das profundezas de um vulcão infernal. Ravenala gelou com a visão que teve da rua Ceará: mulheres tatuadas, seminuas fervilhavam nas calçadas e portas de bares da Vila Mimosa. ‘Paga só dez reais por um beijo. O serviço completo na cama é vinte. ’ Os sete pecados capitais tremeram. Leonardo mordeu os freios, como se fosse acorrentar Ésquilo.
Ravenala gritou:
— Pelas sete chagas de Jesus, não pare!
—Pare! — disse Ramayana.
Lentamente o carro seguia, desviando-se de transeuntes. Os ferros da lataria passavam quase esfregando nas barracas, que ocupavam parte da rua. Na calçada da direita, uma prostituta tirou a parte de cima e balançou os seios para Leonardo... 'Vamos fazer amor, meu bem?...’ Distraído, o motorista atropelou um bêbado que atravessava a rua. Duas mulheres arrastaram o corpo e o lançaram no matagal. ‘Este aqui, amanhã tá fedendo!’ Disse uma delas. As cenas que Ravenala via lembravam a descrição que o padre Davi fazia do inferno. Ela mesma se sentia no inferno e já não tinha certeza se o que via era real, ou imagens formadas em sua mente por um surto de medo. Naquele instante, um homem estendeu a mão e disse com autoridade: Pare! E a brasília amarela estacou. O motorista que transportava almas para o inferno fugiu a pé. Ravenala sentiu-se como que suspensa, entre o céu e o inferno. “ Meu Deus, meu Deus!” Ela Não sabe por quanto tempo ficou em estado de choque, e quando deu acordo de si, outra pessoa ocupava o lugar que fora de Leonardo. Olhou o novo motorista e viu uma coroa de espinhos sobre a cabeça dele. O homem sorriu docemente: “Vou te levar para a casa, minha filha.”
Sonho ou pesadelo?
O triângulo amoroso arquitetado, sem a anuência de uma das partes, caiu por terra e Ramayana soltou sua voz anserina de ex-presidiária: ‘Pô, meu! Tipo assim... vamos deixar essa mariposa em casa.’ O Pastor que agora dirigia o veículo, parou no Aterro do Flamengo. ‘Acorda, Talita Ravenala! O pesadelo acabou.’
Acordou.
Ravenala estava em casa, deitada com traje domingueiro. Levantou-se, olhou no espelho, e viu na testa uma cruz traçada com cinzas. “Que será isto? Hoje não é quarta-feira.
O calendário viaja no ponteiro das horas: dias, meses e anos, pingam apressados como chuva passageira. A vida passa. Ligeira,
a morte tem pressa de chegar.
Nunca fora presa por pequenos furtos. Sempre alegava que acontecera apenas um esbarrão, e se passava por estudante, exibindo um livro que não lia. Mas, quando se envolveu com tráfico de drogas, o corporativismo do pai não prevaleceu. Ramayana foi apanhada pela ronda do tenente Durão. Não adiantaram os protestos: “Sou filha de oficial.” A informação constava em seu RG. E esse registro em época de ditadura salvou a pele de vários filhos de militares, envolvidos em pequenos delitos. Mas o tenente Durão era aroeira-de-sete-cascas. Não levou em conta a paternidade da moça. E Ramayana curtiu seis meses de cadeia, em presídio feminino no Rio de Janeiro. Ela conseguiu a custo de muito dinheiro, provar que a quantidade de drogas, não era aquela informada no processo. Não negou a droga encontrada em sua bolsa, disse que portava pequena quantidade para consumo próprio. Conquistou pois, a. liberdade mediante o arrolamento de falsas testemunhas, e a contratação de um advogado conhecido por Diabo Louro. Ramayana escreveu com mão canhestra a história de sua vida e deixou sua imagem gravada em monumento de cera. Dividiu com outra prostituta, as imundices e depravações de uma cafua de bordel na Vila Mimosa, comeu do fruto proibido e bebeu água do Nilo, ferida pela a vara de Moisés. Até que... A luz de emergência de uma viatura avança o sinal vermelho. A rua Ceará se agita, um velho grita: ‘Mataram uma mulher na Vila Mimosa.’ Afastando-se da cena do crime, Conchita e Leonardo caminham ocultando seus vultos cambaios. A mulher cobria suas carnes com um vestido amarelo-palha em frangalhos, na boca um cigarro apagado, à cintura uma bolsa com peças íntimas e três pedras de craque. A noite era escura como o negrume de suas almas.
Extraído do livro "Estrela que o vento soprou.'