Não compre flores
O professor Andreas Laughton interrompeu seu desjejum ao ouvir a campainha da porta. Ao abrir, de roupão e pijama, deparou-se com um policial em trajes civis, distintivo erguido na mão, à frente de dois guardas uniformizados.
- Inspetor Highsmith, Scotland Yard - identificou-se o primeiro policial. - É o Sr. Andreas Laughton?
- Sim, sou eu. O que significa isto?
- O senhor está preso pelo assassinato do professor Elmer Farnborough - foi a resposta seca.
* * *
Ellery Queen acabara de despejar uma generosa porção de mel sobre suas panquecas, quando ouviu soar a campainha. Praguejando, interrompeu sua rotina matinal e foi atender. Seu humor não melhorou ao deparar-se com o inspetor Highsmith.
- Highsmith! Eu o convidei para o café da manhã?
- Bom dia, Sr. Queen... bem, não! - Admitiu o policial com um sorriso amarelo. - É constrangedor, mas preciso de sua ajuda num caso...
- Para vir ao meu apartamento à esta hora da manhã, imagino que seja um caso de segurança nacional... - Queen escancarou a porta e fez um gesto para que o inspetor entrasse.
- Quase isso... - respondeu Highsmith após fechar a porta atrás de si. - Um conselheiro da rainha foi encontrado morto em sua casa, e suspeitamos de assassinato... mas não temos nenhuma prova objetiva.
- Conselheiro da rainha... - bufou Queen, encaminhando-se para a cozinha com o policial em seu encalço. - Creio que muita coisa melhoraria no Reino Unido se vocês tivessem um presidente eleito!
- Por favor, não vamos discutir política agora - suplicou o inspetor. E, ao ver a mesa do café posta:
- Vejo que gosta de mel... onde comprou este?
Queen o olhou torto, antes de pegar o pote de mel sobre a mesa e exibir o rótulo.
- Este é o autêntico mel Tupelo, da Geórgia, que encontrei casualmente na mercearia da esquina. Por quê? Estou infringindo alguma lei britânica por não consumir mel nacional?
Highsmith ergueu as mãos num gesto apaziguador.
- Não, não, longe disso... talvez seja mesmo mais saudável consumir mel produzido nos EUA. Ao menos, por enquanto.
- Café? - Indagou Queen, fazendo um gesto para o bule, e sentando-se à frente do seu prato de panquecas.
- Acho que vou aceitar - respondeu Highsmith, ocupando o assento oposto ao detetive novaiorquino.
* * *
- Então... esse Elmer Farnborough foi encontrado morto pela diarista, à mesa do café da manhã... como eu estou agora? - Ellery Queen deu uma dentada em um pedaço de panqueca generosamente lambuzado de mel.
- Sim... exatamente como você está agora - assentiu o inspetor. - Ele também era fã de panquecas com mel.
- Mas não de mel Tupelo.
- Não de mel Tupelo. Na verdade, ele produzia o próprio mel, em Kensington.
- Kensington, região urbana de Londres? Onde ele mantinha o apiário?
- No telhado do prédio onde morava.
- Me pergunto sobre a qualidade do mel produzido num ambiente poluído como esse - ponderou Queen.
- Até prova em contrário, tratava-se de mel de excelente qualidade. Mas o professor Farnborough o produzia em quantidade suficiente apenas para o próprio consumo. Provavelmente, as abelhas não possuíam muitas fontes de néctar próximas...
- Faz sentido. Mas, pelo que pude entender, a suspeita é que este mel, produzido pelas abelhas do tal conselheiro da rainha, tenha sido envenenado?
Highsmith pousou a xícara de café no pires e umedeceu os lábios antes de responder.
- Foi nossa suposição inicial, mas uma análise toxicológica não detectou nenhuma substância venenosa adicionada ao mel. Na verdade, para nossa surpresa, o mel não foi adulterado: ele É venenoso!
- Só falta agora você me dizer que as abelhas tramaram a morte do apicultor - Queen encarou fixamente o inspetor à sua frente.
Highsmith balançou negativamente a cabeça.
- Não, Sr. Queen. Isso seria muito Black Mirror.
* * *
Ellery Queen começou a retirar a mesa do café e a empilhar a louça sobre a pia, enquanto falava com o inspetor.
- Imagino que tenham feito uma lista dos principais beneficiados com a morte de Farnborough.
- Sim... na verdade, podemos reduzir a lista a um único nome: outro professor, Andreas Laughton. Ele e Farnborough disputaram a indicação para conselheiro da rainha, e Laughton perdeu. Consta que não ficou muito satisfeito com isso.
Queen começou a arrumar pratos, xícaras e talheres na lava-louças.
- Perder uma indicação para um cargo é motivo para matar alguém? - Questionou.
- Talvez não seja para nós, mas estas indicações também envolvem mais do que prestígio pessoal... podem representar bons contratos com a iniciativa privada. Laughton e Farnborough eram os principais especialistas em um único campo da entomologia, e com a morte de Farnborough, Laughton é o beneficiário direto.
- Mas não acredito que a rainha o vá indicar seu conselheiro, não é? - Queen ligou a lava-louças e voltou a sentar-se.
- Pouco provável. Mas se Laughton matou seu rival, que é nossa principal hipótese, provavelmente o fez também para sinalizar que a honraria não o interessa mais. Pior: pode ter descoberto um método de matar que não deixa vestígios!
- Não há crime perfeito - atalhou Queen. E, após consultar o relógio de parede da cozinha:
- Quero ver o relatório toxicológico da vítima às 10 horas. Se for o que eu estou pensando, pode expedir um mandado de prisão para este Andreas Laughton.
* * *
Andreas Laughton lançou um olhar insolente para Ellery Queen.
- Então fui preso com base na avaliação de um detetive particular estrangeiro? A Scotland Yard está mesmo em decadência!
Encostado à parede da sala de interrogatórios da chefatura de polícia, Queen folheava vagarosamente uma prancheta com várias folhas impressas presas. Não deu nenhuma atenção ao comentário do professor. Finalmente, voltou os olhos para ele e comentou:
- Que interessante! O relatório toxicológico do falecido professor Farnborough indica que ele morreu pela ingestão de altas doses de oleandrina... que fazia parte do mel que ele consumiu.
Laughton ficou em silêncio.
- E, por um levantamento que solicitei à Scotland Yard, sempre tão eficiente, descobri que um bom samaritano andou investindo no replantio de arbustos decorativos na região de Kensington... e, ainda mais especificamente, no quarteirão onde residia o professor Farnborough.
Laughton mordeu os lábios. Encostado na parede oposta à Queen, o inspetor Highsmith acompanhava atentamente a mudança de expressão do acusado.
- O bom samaritano gastou uma boa soma na compra de pés de oleandro, que produz belas flores cor-de-rosa. Parece que as abelhas de Farnborough puderam finalmente encontrar um grande suprimento de néctar... só que, infelizmente, envenenado com oleandrina desde a origem!
Laughton havia ficado branco como cera, mas não pronunciou uma única palavra.
- Preciso dizer o nome do bom samaritano? - Indagou suavemente Ellery Queen.
- Nunca conseguirão provar nada - resmungou Laughton entredentes.
Highsmith postou-se à frente dele, mãos na cintura:
- Sr. Laughton... basta que o júri seja convencido.
- [14-02-2018]