UM JÚRI COM PSICOGRAFIA DE CHICO XAVIER: O CASO DE CAMPO GRANDE.
O ano é 1981 na cidade de Campo Grande, Estado de Mato Grosso do Sul, refinado bairro do Jardim dos Estados: local de mansões imponentes de pecuaristas, empresários e políticos. O casal Maria e João Metelo estava no quarto, num domingo de madrugada, de maio, oriundos de um casamento que foram padrinhos, na Igreja São José, conhecida por fazer as cerimônias da elite campo-grandense.
Estavam preparando-se para ir dormir, quando se escuta um estampido de arma na suíte, deflagrando tiro.
A empregada, Tereza, que morava no quarto dos fundos, coloca rapidamente seu roupão e vem em direção a mansão do casal João e Maria, enfrentando um vento frio e uma temperatura de 10 graus.
Lá, perto da cama do casal, vê o corpo desfalecido de Maria Metelo, com um tiro no pescoço, esvaindo-se de sangue, e João Metelo chorando, com a arma, pistola 9 mm prateada, em punho, sentado na poltrona do quarto do casal.
Tereza pergunta:
- Meu Deus, o que foi isso, seu João? Que faço agora? Chamo a Polícia?
João responde, chorando e de cabeça baixa:
- Não, Tereza. Eu não sei o que eu fiz, a arma disparou na hora que fui limpar....
Mesmo assim, Tereza sai e disca o telefone da Polícia 190 que chega pelas 7 horas da manhã, juntamente com o carro do IML, para buscar o corpo de Maria, além de fazer uma perícia no local. A arma foi recolhida e levada à perícia no 1° Distrito Policial, o que já foi automaticamente detectado pela imprensa local que corre para mansão do casal João e Maria: a imponente casa dos Metelos (uma das mais luxuosas do bairro).
Pelas 13 horas, ali estavam mais de 20 jornalistas na frente da mansão, com máquinas de fotografia, gravadores e câmeras de filmar, num clima frenético de cobertura. Além disso, curiosos estavam na frente, para ver qual seria a reação de João Metelo, que, para todos, acabava de cometer um crime passional: matou por algum tipo mórbido de ciúmes.
Nem os parentes entendem o que aconteceu. O telefone da casa não pára de tocar.
O irmão de João Metelo não pensa duas vezes: usando o poder econômico da família apressa-se em contratar o melhor advogado da cidade, Dr. Ricardo Trad, para ir ao encontro do seu irmão no distrito policial, que já fora conduzido pela PM para que fosse tomando seu depoimento pelo delegado plantonista: o Dr Pedro Sian.
Dr. Ricardo impetra, na terça-feira mesmo, de maio de 1981, um habeas corpus preventivo, junto ao Tribunal de Justiça, que pede que João Metelo responda o processo em liberdade, pois, conforme seu relato, a arma dispara acidentalmente no quarto, naquela madrugada de domingo, alvejando culposamente a esposa. Preenchiam-se assim as condições de liberdade provisória (réu com endereço fixo, sem vida pregressa etc) até que saísse uma sentença condenatória ou de absolvição de Metelo.
A imprensa escrita e televisionada põe-se a acusar João de crime por ciúmes, um feminicídio de maneira cruel, contra a esposa, mas Ricardo, o advogado, que é espírita também, tem um pressentimento que tornaria este júri algo muito peculiar.
Ele vai a Uberaba, em Minas Gerais, para, em 1983, obter uma psicografia assinada por Chico Xavier.
Em Uberaba, ele e o cliente, após comunicar ao juiz do caso, Dr Barata, a sua saída da comarca, sentam frente a frente com o médium, e Maria manifesta-se numa carta:
"Meu amor, como vai você? Estou num lugar lindo, cheio de paz. Estou com sua mãe aqui, Dona Lindalva Metelo. Quero dizer que a minha morte não foi culpa sua, mas um acidente. Vi que você ia limpar a arma que você coleciona a tanto tempo. Eu te perdoo meu bem: eu te amo ".
João chora copiosamente ao ouvir a carta, narrada por Chico. Era agnóstico antes da morte da esposa. Havia assistido, a alguns anos, o Programa Pinga Fogo, onde o médium de Uberada foi sabatinado, mas não se convencera do espiritismo como ciência.
Na volta a Campo Grande, Dr. Ricardo anexa a psicografia ao processo, para a fase de instrução e julgamento.
O promotor Caxias Siuf, ao ser notificado da psicografia como prova dentro do processo penal, coloca-se veemente contra, manifestando-se nos autos e dando entrevista a imprensa, na qual diz:
"As provas que devem ser anexadas ao processo são científicas, como tá bem claro no laudo da Polícia. Acho um absurdo que tenham pessoas que acreditem que os mortos falem com os vivos. Para mim, a defesa acabou de rasgar o Código de Processo Penal do Brasil".
No entanto, o júri foi marcado para maio de 1984.
Salão lotado.
Os 7 jurados são assim dispostos:
Luiza, de 22 anos, estudante de Direito.
Pedro, 47, marceneiro e católico fervoroso.
Dica, de 60 anos, dona de casa e umbandista.
Paula, 30 anos, professora primária e budista.
Carlos, 30 anos, enfermeiro da Santa Casa de Campo Grande.
Geruza, 30 anos, empregada doméstica.
Pelozu, 60 anos, bancário aposentado.
A advocacia consegue escalar jurados religiosos, coisa que a promotoria não queria, mas é vencida na hora de excluir por causa da habilidade de Trad. O advogado sabia olhar além da aparência dos jurados e tinha a convicção que um juri com muitos estudantes universitários, em especial com mulheres jovens, seria ruim para defesa.
Advogado e Ministério Público prontos para o embate, na fase oral de sustentações e réplicas, onde os jurados apenas olham o desempenho dos capas pretas. Será um juri entre o laico e o sagrado; o advogado passa meses lendo as obras de Kardec como O Livro dos Espíritos e O Livro dos Médiuns, buscando mostrar nos autos que os espíritos são um fenômeno científico. Já o promotor usa de René Descartes para colocar dúvidas na psicografia, com argumentos materialistas e racionalistas.
Passados 5 dias de acalorados debates, o júri absolve João, impressionados com a psicografia, com 4 a 2. Os mais novos jurados, com menos de 30 anos, são os suspeitos de condenarem, mas não logram a maioria.