Homicídio na Bela Manhã

“Os assassinos estão livres, nós não estamos.”

Renato Russo

Em um dia qualquer a fronteira Brasil-Paraguai é um lugar comum, no entanto, pombos arrulhando no ingazeiro e formigas andarilhas tornam as circunstâncias bem particulares. Particular como a lanchonete que fica à margem da pista. Uma vastidão de pastos de onde vinham os pombos e as formigas, permanece aos fundos.

Subitamente um ruflar de asas, som de freios. Dois homens de óculos, jeans novos e arrogância adentram o estabelecimento fronteiriço.

-O que vão querer senhores?

-Pra mim, nada. Pro chefe aqui, só informação.

Que pedissem, então, estava ali para ajudá-los, falou baixinho. Jogou o pano no ombro, retirou a garrafa de café do balcão e dirigiu-se para o caixa. Tinha olhos grandes e negros. Uma cascata de cabelos até a cintura. Pensava no calor da manhã quando foi interrompida pelo grandalhão de bigode e sardas:

-Olha aqui, moça, conhece esse cara?

-Depende...

Impossível não conhecer. Rodava com um Golf preto, exigindo respeito e medo nas zonas e bares da fronteira. Davam-lhe bom dia, às vezes, desejando-lhe boa morte. Não tinha residência fixa e nem contas a pagar. Dele falavam homicídios. Tinha raiva de polícia e ódio de informantes. Quando ela o via, misturava medo e admiração ao rosto dando-lhe uma nova maquiagem.

-O que você quer pra gente não perder a viagem?

-Pode ser em real, mesmo.

O homem mais baixo se aproximou, mostrando um distintivo fajuto. Que era da lei e precisava tirar de circulação um mal social. A garçonete assentia com a cabeça e os olhos brilhando para a carteira de couro. O desejo de belas roupas ativou os dois gigas de sua memória.

-Entre o Posto 6 e a Poliesportiva. Oficina velha.

-Se ele não tiver lá a gente volta.

Partiram devagar denotando a paz que não tinham. No Posto, pediram duas Cocas e ficaram tomando. Vez por outra punham os binóculos na cara. Numa das vezes viram o Golf se aproximando na alta. Entraram no carro e aceleraram para a lanchonete. Freada brusca, cheiro de borracha e morte. Abriram as duas portas e gritaram o de sempre:

-Polícia, parado!

-Saia pra fora com as mãos na cabeça!

O som de uma janela quebrando foi a resposta e o sinal para os dois entrarem. Um de costas para o outro num giro de cento e oitenta graus. Cadeiras reviradas, o café coando, moscas na mesa do fundo. A televisão anunciando pela boca aveludada de uma repórter que o dia seria quente. Logo à frente, a cena corriqueira.

-Então, no relatório ele não era perigoso...

-Papel suporta qualquer bobagem. Gente não.

Sob o balcão jazia a moça. A garganta parecia um enorme colar rubro. A mão esquerda segurava a base do pescoço enquanto a direita estava crispada em torno de uma nota de cem.

-Posso pegar o dinheiro, chefe?

-Se conseguir, sem rasgar...

Os pombos no asfalto bicavam despreocupados os grãos de soja que caíam das carretas e caminhões. As formigas recomeçaram outra fila, guiadas pelo instinto, que lhes dera uma nova direção: o balcão da Lanchonete Bela Manhã. Dali a pouco, os pombos voariam indicando a rota da fuga...

make
Enviado por make em 03/01/2018
Reeditado em 04/01/2018
Código do texto: T6215836
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