REALIDADE

Foi tudo muito rápido, porém com muita dor. Apenas dois minutos. Os irmãos Bill e Li jantavam num barraco na Vila Mixuruca com a mãe e a irmã quando ouviram batidas na porta de madeira. A mãe foi atender, Bill colocou a mão no revólver e Li ficou com os olhos arregalados quando cinco homens invadiram a casa dando gritos e agarrando os dois irmãos. Foram arrastados para fora do casebre pelos cabelos e braços e pernas. O revólver de Bill foi parar nas mãos de um dos invasores. As mulheres gritavam por socorro, mas os vizinhos ficaram quietos, apenas ouvindo a gritaria, com medo, não queriam se meter, não queriam morrer também, pois chegara a hora dos filhos de Dona Maria.

A irmã chorava e prometia se prostituir para pagar as contas dos irmãos. A mãe implorava pelos filhos e dizia “não matem, moços, meus filhos, eu vou pagar tudo que eles devem a vocês, eu juro, eu faço faxina todos os dias e trago dinheiro pra vocês...”

Não houve clemência; os irmãos foram jogados no chão embarrado e começaram os tiros. Dez tiros. Cinco balas para cada um. Furos e sangue nas cabeças, nos ombros, nos peitos, nas pernas, nos testículos... nos corações. Os irmãos ficaram dilacerados. Os homens correram até suas motos estacionadas num campinho próximo da vila. Sumiram. “Estes não vão calotear mais ninguém”, gritaram. Os vizinhos só saíram de seus casebres quando apenas o choro da mãe e da irmã fazia eco. Elas deitadas sobre os corpos ensanguentados, inconsoláveis. Um vizinho ligou chamando a polícia que chegou uma hora depois e recolheu os corpos com o carro do necrotério. No chão ficou uma poça de sangue. Sangue de quem estava devendo para os traficantes de crack, para os vendedores de cocaína. Os irmãos tinham uma sociedade e revendiam no centro da cidade as drogas que tanto mal fazem para outras gentes doentes. Os irmãos tinham passagens pela polícia. Haviam até matado. Foi acerto de contas, mais uma vingança, execução na Vila Mixuruca.

Quando acordei para tomar meu café, assisti a matéria no telejornal da manhã. Eles tinham apenas vinte e poucos anos.

Publicado no livro Barulho do Ócio, 2011,

ISBN 978-85-7727-359-1

VLADIMIR CUNHA DOS SANTOS
Enviado por VLADIMIR CUNHA DOS SANTOS em 14/11/2017
Reeditado em 14/11/2017
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