O forasteiro
Nos recantos mais remotos da Amazônia, nos interiores inóspitos do Pará; eis que surge um sujeito metido a espertinho. Este, vira do sertão nordestino, mais precisamente do Ceará. Falava manso, a todos que o viam passava confiança. Encontrava-se naquelas vilas interioranas, pois fugia da forte seca que castigava seu estado natal, o que impedia-lhe de cultivar qualquer cultura que fosse. Acreditava que nas terras ricas de verde da floresta Amazônica teria mais chance de sobreviver. Viera sozinho, abandonara a família e ia de vila em vila a procura de algum pedaço de terra sem dono ou até mesmo de uma diária.
Já passava do meio dia, e não havia comido nada naquele dia. Estava com fome e não tinha nenhuma expectativa de conseguir algo. Não era tempo de frutas, por isso nem conseguiria furtar de algum quintal ou até mesmo de alguma tapera. Chegou em uma vila, eis que avistou um casa e dirigiu-se a ela. Na porta estava uma senhora fumando um cachimbo feito com caroço de tucumã e taboca. A senhora tinha feições indígenas.
— Boa tarde!
— Boa tarde! — respondeu a senhora com a boca cheia de fumaça, pois acabara de dar uma tragada.
O sujeito fez uma pergunta óbvia:
— A senhora mora aqui?
— Sim, moro aqui com meu marido, e para ser sincera é melhor o senhor se mandar daqui, pois ele está prestes a chegar do roçado e não gostará de vê-lo aqui — respondeu rispidamente.
— Qual o seu nome?
— Kaiçara!
— Tudo bem, dona Kaiçara, tomarei rumo; mas me diga: onde posso conseguir algo para comer, estou com muita fome!
— Seu nome?
— Jeislo.
— Olha, mais adiante...nessa estrada — dá uma longa tossida e prossegue com dificuldade — minha comadre tem um bar e lá ela vende comida também.
— Obrigado, senhora!
— Não há de que.
Jeislo prosseguiu seu caminho. No percurso vai pensando um jeito de conseguir comer de graça, pois encontrava-se sem nenhum vintém no bolso furado. Mais adiante de fato encontra um bar. Havia somente uns homens comendo e bebendo pinga.
— Boa tarde! — foi dizendo e entrando no recinto.
Obteve a resposta somente da senhora que se encontrava no balcão.
— Em que lhe posso ser útil?
— Preciso de comida, estou com muita fome.
— Já não temos mais comida, acabou — respondeu secamente.
— Mas a senhora não tem nada mais aí, por favor, dê uma olhada.
— A única coisa que restou foram esses cinco ovos cozidos aqui.
— Serve — Falou sorridente.
— Sente-se que o servirei.
Os ovos foram servidos. Ao começar a comer, começou também a pensar como sairia dali sem pagar pelos ovos. A televisão naqueles interiores era coisa rara. Sabendo disso, procurou tirar proveito.
— A senhora escuta ou assiste jornal?
— Só escuto pelo rádio, televisão eu não tenho.
Enquanto ia conversando, comia com voracidade os ovos. Quando já estava terminando começou a contar uma notícia.
— Não sei se passou no rádio, mas ontem quando assistia o jornal passou uma notícia sobre essa região aqui, a senhora sabe de algo?
— O que aconteceu que não tô sabendo? — Indagou com curiosidade dos fatos.
— Pois foi um acidente de avião, caiu aqui no meio da selva. Havia mais de cem pessoas, todos homens. O acidente foi tão forte que estraçalhou quem estava dentro.
— Cruzes! — Disse a senhora traçando um sinal da cruz sobre a testa.
Enquanto ia contando, o sujeito ia se levantando e caminhando em direção a saída com o último ovo na mão. A senhora ficou tão horrorizada com a história que nem notou o sujeito saindo.
— Pois foi — Continuou — Encontraram pedaços espalhados por todo o Brasil: umas mãos na Bahia, pés em São Paulo, cabeças no Amazonas, braços no Rio Grande do Sul...
Quando já estava fora do recinto a senhora gritou lá de dentro:
— Ei seu moço; e os ovos?
Já longe, respondeu:
— Acharam somente as partes maiores — E desapareceu.