CONFISSÕES DE UM PRESIDIÁRIO.
- Responda-me, como tudo isso aconteceu?
- Eu não me lembro de como isso começou, ou melhor, quando começou, o que eu posso dizer é que eu tive uma infância normal, pelo menos eu a considero normal, eu tinha muitos amigos, e como toda a criança sempre fui muito travesso, coitada da minha mãe, quase arrancava os cabelos de tanto nervoso que passava comigo, também não era para menos.
- Você morava com sua mãe e irmãos?
- Até os doze anos de idade eu morei em um sítio, desculpe uma fazenda, essa fazenda ficava no interior de Minas Gerais, próximo à cidade de Rio das Antas, que lugar maravilhoso e encantado.
- Quantos irmãos você tinha? Quem era o mais velho?
- Eram dois irmãos e uma irmã, eu sou o mais velho, depois vem o Fábio e a caçula Anita, sempre fomos muito unidos. Como irmão mais velho a culpa de todas as traquinagens dos meus irmãos recaia sobre mim, as chineladas e palmadas eram sempre para mim, como minha irmã era a caçula, você já pode imaginar né... Ela aprontava todas e se livra da culpa, meu irmão Fábio era o tipo calado e ficava mudo diante de nosso pai, como eu sempre tentava explicar os fatos a culpa sobrava para mim.
- Você acha que esse comportamento de seus pais, de alguma forma, influenciou para que você tomasse caminhos errados na vida?
- Não sei lhe dizer se isso influenciou no meu futuro desastroso, às vezes penso que sim, às vezes penso que não.
- Os seus pais preocupavam em lhe dar uma boa educação?
- Sim, os meus pais sempre nos deu uma boa educação, a escola era próxima da nossa casa, naquela época na fazenda tinha até a quarta série, da quinta série em diante tinha que ir para a cidade estudar.
- Você era uma criança muito travessa?
- Se eu era bagunceiro... Mas é claro que era, sempre aprontei todas, brigava quase todos os dias.
- Então você tem um temperamento forte?
- Sim doutor, o meu temperamento era muito forte, explosivo, sempre foi, e por causa disso apanhei a beça. Lembro-me da minha primeira briga, foi na terceira série, com um menino da mesma idade, o motivo foi muito besta doutor, estávamos na fila do recreio, o folgado do menino cortou a fila, e bem na minha frente, eu tentei dialogar com ele, mas dai ele deu de ombros, não perdoei aquilo, dei-lhe uma tremenda bofetada na cara, o resto você já sabe, socos e pontapés, fomos para diretoria, nossos pais tiveram que comparecer na escola; levei uma tremenda surra do meu pai naquele dia.
- Como você avalia sua infância?
- Minha infância foi assim… De certa forma normal, toda criança apronta briga e tudo mais, a única coisa que era diferente em mim, isso eu reconheço doutor, era o meu temperamento explosivo, aquilo é anormal, coisas mínimas me tiram do sério.
- Você sempre morou com a sua mãe e seus irmãos?
- Quando completei doze anos eu fui morar na cidade de Rio das Antas, na casa de um tio, o motivo era os estudos, mas foi bem nessa época que as coisas começaram a acontecer. Eu estava entrando na adolescência, foi uma fase difícil da minha vida, pelo menos no meu ponto de vista.
- Você tinha muitos amigos na escola?
- Sim claro, tive muitos amigos na escola, e todos eles eram os piores da escola, minhas amizades definiriam quem eu seria, é sempre assim doutor, as amizades da adolescência influencia no nosso futuro, se não diretamente, indiretamente, no meu caso foi dos dois jeitos, indireta e diretamente.
- Como foi conviver com os seus tios?
- Não foi nada bom doutor, os meus tios brigavam muito, não tinha lugar, bastava um mínimo de qualquer desentendimento e pronto, estava feita a briga.
- Eles discutiam na sua frente?
- Sim claro, eles brigavam muito na minha frente, não só de boca, era socos para tudo o que é lado, minha adolescência foi recheada de violência, começando pela casa do meu tio, depois na escola, e foi na escola que experimentei o cigarro pela primeira vez doutor, um colega chamado Bruno me ofereceu no recreio, daí foi uma consequência desastrosa, de um cigarro foi para dois e três, e depois veio à maconha, eram sempre as mesmas pessoas que ofereciam, depois veio o vício, nessa época eu já tinha atingido a maioridade.
- Neste período, você via seus pais e irmãos com frequência?
- Não, eu não via meus pais com frequência, eu diria que a cada cinco meses, é claro que eles perceberam, e também meus tios contaram tudo, no começo meus pais tentaram conversar comigo a respeito do meu comportamento, mas não adiantou muita coisa, a rebeldia já havia dominado meu coração, e um ódio descontrolado que não consigo explicar tomou conta de mim. Na verdade ditava as regras da minha vida.
- Então, você nunca conseguiu ter o menor controle de suas emoções e sentimentos?
- Não doutor, eu nunca tive controle das minhas emoções, era e é tudo uma bagunça dentro da minha cabeça, eu nunca consegui me controlar.
- Você se lembra da primeira vez em que roubou algo?
- Sim, eu me lembro perfeitamente da primeira vez que roubei. Foi um mercadinho próximo da casa do meu tio, lembra-se do Bruno que me deu o primeiro cigarro que mencionei agora a pouco, então, foi ele que me deu a arma, um trinta e oito bem velho e encorajou-me a roubar, ele me deu uma daquelas toucas ninjas, esperei o melhor momento e fui ao ataque.
- O que você sentiu naquele momento, em que estava roubando o mercado?
- Olha doutor é difícil dizer o que eu senti naquele momento, eu diria que mais medo, com dose de euforia e depois do roubo, uma sensação de alegria também, eu gostei daquilo, eu tive prazer em roubar. Depois é claro veio os outros roubos.
- Neste momento da sua história, você ainda morava com os tios?
- Não, eu não morava mais com meus tios, eles pegavam muito no meu pé doutor, e como eu tenho um temperamento descontrolado e agressivo, decidi morar sozinho, antes que eu fizesse algo de ruim com eles.
- Você teria coragem de fazer algo de ruim com seus tios?
- Se eu tinha coragem, mais doutor, é claro que eu tinha e tenho, deve ser por isso que pediram para que você viesse, não sei por que isso tudo tudo doutor, mais tudo bem, vamos lá, continuemos então.
- Você usava drogas nesse período?
- Sim eu era um viciado em drogas doutor, e o vício é como dizem, te escraviza, te domina, não adianta tentar fugir, não adianta doutor.
- Suas amizades eram as mesmas, com as pessoas que te davam drogas?
- Sim eu continuei com as mesmas amizades, o Bruno era um tipo de chefe do grupo.
- Então vocês tinham um grupo?
- Sim doutor, eu tinha um grupo, fazíamos barbáries, todos tinham medo de nós, principalmente de mim, pelo meu temperamento, e com o efeito das drogas eu ficava ainda pior. Vivíamos fugindo da polícia, meus pais por exemplo doutor, eu nem visitava mas, a única falta que sinto é da minha mãe, principalmente dos abraços dela.
- Você gostou dessa nossa conversa, quer continuar em uma próxima vez?
Gostei sim doutor, tudo bem então doutor, em uma próxima vez conversamos mais, foi até bom desabafar com o senhor.
- Podemos nos ver na próxima semana?
- Combinado então doutor, na próxima semana, tenho muita coisa a lhe contar, de certa forma isso parece me deixar um pouco mais aliviado, quem sabe o senhor consiga me consertar, não é mesmo doutor. E temos que ser rápidos doutor, sabe como é , eu não tenho culpa do Brasil ter leis tão frouxas, logo eu saia daqui doutor, vou estar na rua novamente, solto como um passarinho. Até mais ver doutor Fernando.