BRINCANDO COM FOGO - A MORTE DE GIL - 3ª PARTE

Brincando com fogo

Sem o sucesso esperado, a política deixou de ser seu objetivo principal, então Gil aproveita a experiência adquirida, enquanto lidava com pessoas, principalmente em dificuldades e auto promove-se a resolvedor autônomo de problemas alheios.

Gil passa a dedicar-se com mais afinco, na solução das demandas da de pequenas invasões e de seus moradores, habilidade que já havia posto a prova, quando tentava cooptar o voto alheio.

Assim ele passou a frequentar os corredores das repartições públicas, não mais pelo interesse do reconhecimento pessoal e nem de quem o concedia o cargo de confiança, mas em busca de soluções que lhe rendessem vantagens financeiras.

A primeira empreitada surge, quando um amigo pede seu auxílio para legalizar um pequeno loteamento irregular, para que pudessem ter água encanada e energia elétrica.

Sete famílias tinham invadido um espaço formado por três terrenos de 10 por 65 m, cada um, que estava baldio, e dava ares de ser de herdeiros. Do empenho dele, além da solução dos preitos, ainda conseguiram um orelhão e uma parada de ônibus, bem na esquina do pequeno acesso de 5 por 65 m resultante da divisão de oito lotes de 8 por 25 m, destinado um para cada família e um para o próprio Gil, que aproveitou-se na hora da divisão do espaço bem ao fundo, onde seria o retorno para os carros.

Da organização dada por ele, resultou um recanto harmonioso e aconchegante. Coisa melhor não poderia ter acontecido, pois talvez o lote tenha lhe rendido o equivalente a a R$ 30.000,00, muito bom, dois terços da remuneração como cargo de confiança, durante um ano.

Diante do sucesso, Gil passou a organizar outros loteamentos, cobrando pelos lotes, o equivalente a dois salários mínimos. A coisa tomou corpo e então ele montou um pequeno staff. Dois ajudantes para fazerem o levantamento cartorial e saberem das condições da área alvo.

A decisão sempre recaia em áreas nunca maiores do que 2.000 m2. Assim ele mantinha um bom controle sobre as 10 famílias que no máximo, fossem acorrer a oferta.

Com o staff, havia a necessidade de que pelo menos três invasões dessem certo, para que tivessem um bom ganho descontando o gasto com administração, marcação de lotes e outra providências.

Não demorou muito e a justiça decretou a reintegração de posse de uma área que era pública e lá veio o prejuízo, pois tiveram que devolver parte do dinheiro e não perderam os lotes que sempre reservavam para eles próprios.

O primeiro fracasso trouxe atrito entre eles, pois o parceiro que havia ficado de verificar a situação do terreno a ser invadido, não o fizera, por preguiça e mentira que estava abandonado, sem pagamento de impostos a muito tempo.

Para recuperar o atraso, tiveram que aumentar a demanda, então escolheram uma chácara de 60 m de frente por 120 de fundos. Repartida em 50 lotes. Como sempre ele reservava-se na ocupação lá no fundão.

Desta vez a coisa era grande, muitas pessoas, a maioria desconhecida muitas vindas de cidades da periferia da capital.

O trato era um salário mínimo de entrada e o outro depois de um mês. Mais da metade não conseguiu saldar a segunda parte, então durante seis meses ele e o staff receberam migalhas, mas a espera valia a pena, pois de um rendimento bruto de 100 mil reais, o lucro era de aproximadamente 70 mil reais, 30 mil reais para os dois ajudantes e 40 mil reais para o próprio Gil.

As negociações com os devedores foram desgastantes e lhe renderam animosidades, coisa que não foi pior, pois só ele sabia os caminhos da negociação para instalação de água e energia elétrica e outras necessidades, então mesmo com os atritos, todos dependiam dele.

Dois dos primeiros lotes foram reservados para o Antonio e o José, os dois ajudantes, no de Antonio deles estabeleceu-se uma pequena ferragem, onde os moradores poderiam adquirir material hidráulico, elétrico e de construção, já no de José, estabeleceu-se um comércio em geral, principalmente de alimentos e material de limpeza. Gil também cobrava um pedágio deles sobre as vendas, uma espécie de sociedade, coisa que não os agradava.

Eram muitos problemas e Gil já não dormia direito, ali ele era o prefeito, o síndico, o zelador para onde fluíam todas as demandas e reclamações.

Próximo da casa dele, a Madalena ocupava um lote, ela de temperamento forte, não demorou muito e pôs para correr o companheiro e passou a arrastar a asa para o Gil.

O assediado resistia a investidas, mesmo que nunca fora visto com nenhuma mulher e quando indagado dizia ser separado e sem filhos, mas não misturava o trabalho com as coisas do coração.

Segundo alguns comentários, eles saíram juntos algumas vezes.

Gil não suportava ver lixo amontoado pelo beco e muito menos os mosquitos, assim estava sempre montando uma fogueirinha, que servia para manter o local limpo e espantar os mosquitos, aliás, beco para o qual já tinha encaminhado o pedido de legalização, sob a denominação de acesso dos Ipês.

Justamente o local favorito dele, para fazer fumaça era bem em frente do lote de Madalena.

Depois que andaram se estranhando, Gil e Madalena, alguns vizinhos diziam que ela o assediava, no intuito de que ele aliviasse suas dívidas, mas as investidas não surtiram efeito.

De fato ele separava bem as coisas e por isto passou a cobrá-la quase que diariamente. Claro que não fazia isto só com ela. Tendo inclusive sugerido que ela vendesse para ele o lote e a pequena casa que construirá e que estava por acabar. De tanto ele cobrar ela sumiu por alguns dias e ninguém sabia onde ela tinha ido parar, mas bastou um incêndio na casa dela, para que chegasse quase junto com os bombeiros.

Fora o gás, que vazara e talvez alguma centelha tivesse dado a ignição necessária para dar início ao incêndio, que não prosperou, mais porque o gás estava no fim, do que a atuação dos soldados do fogo.

Nos dias que seguiram-se quase todos do loteamento puseram a culpa em Gil e Madalena inclusive registrou ocorrência na polícia.

Gil acuado colocou o seu lote e a casinha a venda, por 25 mil reais.

Nos últimos dias de outubro, a Primavera era sufocada por um calorão, que mais parecia janeiro, calor que trazia os mosquitos. A maioria não tinha energia elétrica, devido a distância da rede pública, sem ventilador e já sem poder acender uma fogueirinha, a vida se transformara numa tortura, para Gil e muitos dos invasores.

Nem bem passara 30 dias do principio de incêndio na casa de Madalena e agora a desgraça recaiu sobre a casa de Gil, consumida inteiramente pelas chamas, exceto a pequena cozinha de alvenaria, de onde o gás vazara para incendiar o restante da moradia.

Coincidentemente os dois incêndios causados pelo vazamento de gás, entretanto o último, tendo ocorrido na madrugada e com o Gil dormindo dentro de casa. Socorrido, foi levado ao pronto socorro, com mais de 80% do corpo queimado, assim agonizou por dois meses no hospital, quando faleceu, sem jamais ter recuperado a consciência.

Alguns comentários davam conta que ele teria tentado o suicídio, mas outros que fora Madalena que mandara o ex companheiro, sabotar a instalação de gás da casa incendiada. No final das contas o ocorrido foi tratado como uma fatalidade.

Terceira Parte - Brincando com fogo , do conto policial: A morte de Gil.

ItamarCastro
Enviado por ItamarCastro em 17/07/2017
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