POR QUE ZÉ CARLOS PERDEU O EMPREGO?
José Carlos, um sarará, magro de pelo menos 1,80 m, que esbanjava futebol, tanto que fez testes em duas ou três equipes da primeira divisão de futebol, do Estado. Todas as vezes foi dispensado, pois gostava de uma noitada de festa com cerveja, nas noites de sábado.
Dava gosto vê-lo tabelar com jorginho e um dos dois finalizar com o gol. Na época estava na moda as tabelas entre Pelé e Coutinho.
O Zé Carlos, já beirando os 30 anos, vivia de biscates, nada fixo, complementado por pagas para jogar na várzea.
Num dos domingos ele chegou de táxi e a turma aglomerou-se na volta, parecia uma autoridade, mas era o Zé, desceu, sempre elegante, trajes bem passados, carregando a chuteira reluzindo o preto, pela graxa bem acabada. O roupeiro do time colocou o pé entre os dois fios de arame mais rasteiros e o meia, abaixando-se um pouco, dirigiu-se ao vestiário improvisado, num capão de pitangueiras com camboins.
No deslocamento até o campo ele foi ladeado pelos demais companheiros, todos cumprimentando-o e inteirando-se das novidades.
Nós, os pequenos, curiosos, mas sem coragem de perguntar o que estava acontecendo, pois pareciam moscas num pedaço de carne estragada.
Ali na copa, ele não bebia, deixava para os sábados a noite, mas cruzava apanhando uma pepsi-cola, que escorria pela goela num golpe somente, o conteúdo gelado, da garrafinha de vidro, suada e cheia de fragmentos de serragem, posta junto as barras de gelo no tonel.
De ouvido na copa ficamos sabendo, que o Zé havia entrado para a guarda de trânsito, passara a compor o grupo seleto das autoridades, elas tão longe de nós, talvez as mais palpáveis fossem o Soldado Mirim e o Cabo Teles, o primeiro nem tanto assim, pois era pintor, na milícia estadual e o segundo, o encarregado do postinho policial, um dia sim, outro não, quase como um escravo da sociedade.
Passado o regozijo, veio a partida, como sempre ganha pelo time local, todos remunerados por partida, mediante os auspícios de Seu Antonio, o bicheiro, mantenedor do time.
Assim sucederam-se domingos e mais domingos, até que o guarda de trânsito deixasse de ser novidade.
Num domingo ele não apareceu, no seguinte também e não tardou a ser substituído, pois candidatos não faltavam. Claro que sem a categoria dele.
Então veio a notícia, o Zé Carlos havia sido flagrado levando bola, para liberar um infrator. Justamente durante o estágio probatório. Todos perguntaram-se por que ele não esperou mais um pouco. Não teve jeito , foi exonerado, sem direito a nada.
Próximo ao mercado, ele deparou-se com um veículo em local não permitido e foi logo puxando o bloco, mas a lábia do infrator provavelmente corroeu-lhe a índole, até então, de boa praça e ele aceitou uma nota de Cr$ 10,00 que fora passada junto com a carta de habilitação. Do outro lado da rua estava o fiscal, seu superior, que assistiu a tudo e providenciou na autuação do corrompido e do corruptor. Apoiado por dois guardas civis que faziam o quarteirão.
Zé Carlos primeiro foi afastado provisoriamente e depois em definitivo.
Perdeu o emprego, a garantia de não precisar os biscates e a dignidade.
As noites de sábados passaram a se repetir nos domingos, nas segundas, até que todas as noites passaram a ser de sábado, regadas com cerveja, depois cachaça, vinhos e qualquer coisa que viesse pela frente.
Perguntado pelos amigos que o bancavam, respondia que o recurso estava tramitando.
Veio a reforma do sistema policial em meados de 1967 e a guarda de trânsito foi absorvida pela polícia militar quase que no mesmo tempo o recurso saiu, dando ponto final, estava indeferido.
Pouco depois olhos no fundo, perda de peso, tosse e escarro com raias de sangue, ele estava com tuberculose.
Tratamento interrompido por duas vezes e ele finou-se depois de ter espiado a partida do time que que em tantas tardes de domingo havia defendido.
Segundo as investigações da polícia, ele havia recebido "bola" somente aquela vez.
Malditos dez cruzeiros, que não chegaram a ser novos, nem tão pouco usufruídos, pois grampeados, acompanharam o processo até o arquivo.
Então se Cr$ 10,00 eram e são tão insignificantes, por que Zé Carlos perdeu o emprego?
- Certamente que hoje o Zé Carlos também perderia o cargo, se flagrado pelo fiscal, pois mesmo que aconteçam desvios de conduta, a prática não é institucional das guardas, coisa que não parece ser a índole em determinadas instituições que deveriam representar os anseios do povo.
Claro que uma coisa não justifica, nem inválida outra, entretanto, nos dias de hoje a corrupção, a propina incorporaram-se ao cotidiano, de tal forma que o próprio Presidente do pais, diz abertamente que demitirá afilhados de políticos, que não o acompanhá-lo votando como ele quer, ou seja, por terem a personalidade de representarem seus eleitores.