933-TRAGÉDIA NA FAMILIA MURDOQUE-2A. parte

2ª. parte – Capataz de iniciativa

[ Para o completo entendimento deste conto,

recomenda-se a leitura da primeira parte

desta narrativa, conto # 932 da Série Milistórias ]

Jorge confidenciava à esposa Eládia o que pensava sobre o inusitado caso das mortes das vizinhas.

—As mulheres poderiam estar deprimidas, sim. Mas a depressão não levaria a uma das três a armar aquela tragédia.

—Ara, Jorge, deixa de coisas. O delegado e os médicos disseram que foi o que foi, e você ainda pensa que foi diferente.

—Não é só isso, não. Tem o caso do revólver. Como é que Joana, a que supostamente matou a mãe e a irmã conseguiu o revolver? Já tinha em casa? Ela sabia atirar? Como aprendeu? Parece que era boa atiradora, pois não desperdiçou balas. Três tiros certeiros e no tambor ainda tinha mais balas. Foi o que o Delegado Ferraz disse.

— Então, Jorge, deixa de procurar chifre na cabeça de cavalo.— dizia a esposa.

Não ouvindo o que Eládia lhe dizia, Jorge continuava manifestando suas dúvidas.

— Tem outra coisa: as posições dos corpos das mulheres. Todas deitadas, como se estivessem dormindo... por cima das colchas. Parece que teriam sido colocadas, dormindo, sim, ou desmaiadas, sobre as camas, antes de levarem o tiro na cabeça.

— E Joana, a que matou a mãe e a irmã, estava numa posição tranqüila, deitada sobre o assoalho da sala de visitas. O braço direito estendido ao longo do corpo, a mão ssegurando o revolver entre as pernas delineadas pelo vestido. Ora, quem dá um tiro na cabeça não põe o revólver entre as pernas.

— Jorge, Jorge... que adianta você ficar matutando sobre isso? — admoestava Eládia, sem sucesso de tirar da cabeça do marido aquelas idéias tão sem propósito.

Por outro lado, uma espécie de amizade solidária cresceu entre Sebastião e Jorge. O taxista ficou muito impressionado e emocionado mesmo com o estado de desamparo e desespero de Sebastião. Passaram a se encontrar pra tomar uma cerveja nas tarde de sexta-feira, num bar que ambos já conheciam, e conversar. O assunto, por mais que tentassem varia, acabava sendo sempre as mortes das três mulheres.

Sebastião, inconformado, ouvia as dúvidas que Jorge lhe confidenciava.

— Mas o que seria? Uma chacina? Latrocínio? Minha mãe e minhas irmãs não tinham muito dinheiro, recebiam pouco do Leopoldo e eu ajudava no que podia.

Mistério. Pouco falavam de Leopoldo, que por ocasião do fato, limitou-se a aparecer no dia do enterro. Alegando muito que-fazer na fazenda, voltou na tarde para a fazenda em Pirapóra.

— A fazenda. E agora, como ficava? — Uma tarde Jorge perguntou a Sebastião.

— Leopoldo sempre quis vender a fazenda. Por mim, também já teria vendido há muito tempo. Mas minha mãe e as meninas nunca concordaram.

— E agora , vocês vã vender?

— Ainda não sei. Depois das mortes, Leopoldo nunca mais apareceu e eu também não tive ânimo de ir lá prá conversarmos.

— Leopoldo é o dono de fato da fazenda, pois sabe que o Sebastião não tem coragem de enfrentá-lo. — Pensou o motorista de taxi.

Jorge foi sendo dominado por suas desconfianças. E aos poucos ia passando essa desconfiança a Sebastião. Até que um dia, criando coragem, Jorge, entre um gole e outro de cerveja, falou:

— Olha, Sebastião, eu nunca acreditei nessa história de sua irmã matar a mãe, a irmão e depois meter um tiro na cabeça. Esta história está mal contada.

— Que é que você acha? — Perguntou Sebastião com visível ansiedade.

— Acho que foi crime, sim. Como, quem e por quê, não ouso nem imaginar. Mas se fosse você, mandava investigar.

— Investigar?

— É, investigar, sim. Por um detetive, um policial aposentado, sei lá, alguém pra investigar. Descobrir a verdade.

— Descobrir... o quê?

— Ôh, Sebastião, tenha paciência!

Naquela tarde, despediram-se meio amuados um com o outro.

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No próximo encontro, Jorge foi direto ao assunto:

— Sebastião, esta semana fiquei conhecendo o dono de uma agencia de detetives que pode te ajudar a desvendar o “nosso” mistério.

— Mas... é de confiança?

— Acho que é. Chama-se Marco Davante. Sei onde fica o escritório, vou te levar lá, é só você marcar quando quer ir.

Foram numa quinta à tarde. A “Agencia M. Davante” ficava no 12º. Andar do Edifício Guarapuava, era grande, ampla, luminosa. O próprio Marco Davante, os atendeu.

Depois de ouvir com atenção a narrativa do acontecido, e as ponderações de Jorge, disse:

— Fizeram bem em me procurar. É evidente que não se trata do que parece ser. Minha investigação será sigilosa, peço aos dois que não comentem nada com ninguém, pois o sigilo é a alma do meu negócio. Não vou procurar os arquivos policiais, para não levantar suspeitas sobre minhas investigações. Mas investigarei tudo e todos. E irei, sim, até Pirapóra, me informar sobre seu irmão Leopoldo.

Uma importância foi paga adiantadamente por conta dos serviços.

— E quando tiver notícias,vou transmiti-las diretamente ao senhor Sebastião. — finalizou o investigador Marco Davante.

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Passaram-se quase dois meses sem notícias. Elas vieram sob a fora de um telefonema, solicitando o comparecimento de Sebastião Murdoque à Agencia M. Davante para entrega de um relatório parcial das investigações.

— Meu amigo Jorge pode ir comigo? — Perguntou Sebastião. — Afinal, foi ele quem teve a ideia da investigação e...

— Sim, claro, pois suas desconfianças nos ajudaram muito.

E lá estavam os dois, atentos e curiosos.

Davanti recebeu-os com a cordialidade que lhe era característica. Depois dos cumprimentos protocolares, e assentados confortavelmente defronte à mesa de trabalho de Davante, este passou um envelope pardo, grande, dizendo:

Aqui temos um relatório básico, sucinto mas com tudo o necessário para abrir um processo. Vou relatar em palavras mais comuns o que contém o relatório.

Colocando-se mais à vontade, Davante disse em voz clara e sem pressa:

— Foi um triplo assassinato. A mando de um fazendeiro de Pirapóra: Leopoldo Murdoque. Seu irmão.

Pasmos, os dois ouvintes não tiveram nada a perguntar, e o detetive continuou:

— Na véspera do acontecido, um homem ficou hospedado por dois dias no Hotel Melo, uma espelunca que fica no bairro Nóbrega, nas proximidades da casa de sua mãe e irmãs. Chegou dia 23 e saiu dia 24 de dezembro, à tarde. Tinha o aspecto severo e a aparência de homem que vivia sob intempéries. Uma fonte disse que parecia um boiadeiro.

— Fizemos um retrato falado. Foi fácil pois a aparência do hospede impressionara o dono do hotel, bem coma faxineira (que teve até medo do tal hóspede). E o dono de um bar na esquina, onde o tal tomara uns tragos de cachaça.

— Até aí, nada de mais. Com o retrato falado, fui pessoalmente a Pirapora, ver se descobria alguma coisa relacionada com seu irmão. E como descobri!

— Lá, praticamente todo mundo sabe que a Fazenda do Major Murdoque (assim é conhecida a fazenda de sua família, aliás, agora, sua e de seu irmão) é mal administrada pelo Leopoldo Murdoque, cujo tempo passa entre mulheres da zona, em domar cavalos brabos e na mesa de carteado do Clube Social. Os credores das dividas de jogo e despesas dos salões das prostitutas estão sempre atormentando Leopoldo. Felizmente, tem um capataz que administra a parte de criação de gado. Cara forte e audaz, mantém o rebanho da fazenda sempre em boas condições, faz as compras e as vendas e é graças a este capataz que a fazenda sobrevive. Gpnçalo Lopes é o seu nome e é mais conhecido por Gonçalão. E é dele o retrato falado do homem que esteve hospedado no Hotel Melo nos dias 23 e 24 de dezembro.

— Gonçalão tem uma grande ascendência sobre Leopoldo. E Leopoldo não é lá muito discreto, como acontece com jogadores e freqüentadores de casas de putas. Diversas pessoas em Pirapora, principalmente os credores das dividas de jogo, sabem da vontade de Leopoldo de vender a fazenda, para pagar as dívidas, mas que a mãe e as irmãs, e mais um irmão, todos residentes na capital, são contra essa venda.

— Ora, é óbvio que Gonçalão, embora sendo um vaqueiro rude, não é nada bobo e sua sobrevivência depende da Fazenda Pirapóra. Sobrepondo-se à vontade de Leopoldo, ou , quem sabe, a seu mando, esteve nesta capital para talvez visitar a mãe e as irmãs do patrão. E nessa visita, quem sabe? tenha engabelado as mulheres com alguma bebida, algum chá, antes de as colocarem para dormir...definitivamente.

— Entretanto, Gonçalão e Leopoldo ainda têm um empecilho para que a posse da fazenda seja só de Leopoldo. Este empecilho, meu caro Sebastião Murdoque, é justamente o senhor.

Sebastião meio que se levantou da cadeira, surpreso, assustado e já com medo de Gonçalão. Jorge, colocando a mão em seu braço, disse:

— Calma Sebastião. Dr. Davante ainda não terminou.

— Mas estamos próximos do fim. Quando saí de Pirapora, deixei lá meu auxiliar Valdique para vigiar os passos de ambos, patrão e empregado. Ele me telefona todas as noites. Ontem me telefonou dizendo que Gonçalão viajou de ônibus para cá. De forma que ele está aqui na capital e naturalmente não é pra comprar nem vender bois.

— Melhor avisar a polícia, disse Sebastião.

— Negativo, meu caro. Vamos preparar uma armadilha para apanhar o capataz.

Desta vez, o Gonçalão não irá usar arma de fogo, pois sua casa é em bairro movimentado, e alguém poderá ouvir os tiros. Nem punhal ou qualquer coisa parecida, pois terá de matar você, Sebastião, e sua mulher, que estará em casa na hora em que Gonçalão chegar. Terá de usar algo muito mais simples... mais sutil. Algo que irá aparecer um acidente.

— Vou fugir com Jandira. Não quero colocá-la em perigo.

— Negativo, Sebastião. Gonçalão não pode perder tempo. Como ele já está aqui na cidade, deverá atacar (Sebastião se encolheu na poltrona) hoje ou amanhã. Mais provável que seja hoje de noite.

— Mas... não tenho sequer um revolver em casa prá me defender.

— Não será necessário. Vamos planejar.

Final da série : conto #941 a ser editado próximamente

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 27 de fevereiro de 2016

Conto # 933 da SÉRIE 1.OOO HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 13/12/2016
Código do texto: T5852360
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