~*SENHOR DAS DESCONFIANÇAS*~ - cap. LV
Estava Thalia de joelhos no chão, enquanto fazia movimentos dançantes com os dedos, desmanchando os embaraços da trança mal feita nos cabelos da irmã Celina e fazendo uma mais perfeita; pôs por último a fita para prender o final da trança e girou para si o corpo da menina, apreciando-a de frente.
- Agora está bem melhor - disse Thalia, sorrindo para a irmã.
- Obrigada, Lia - falou a menina, beijando a irmã na bochecha e logo deixando o olhar cair ao piso - Sinto falta da mamãe...
- Eu também, princesa - Thalia passou a mão no alto da cabeça da menina, como um gesto de carinho - Mas acredito que logo ela estará de volta.
Celina meneou a cabeça de baixo para cima e sorriu de modo singelo para sua irmã; mirou o olhar em Ruan, que até esse momento permanecia de pé perto da estante, apenas a observá-las. Então voltou a fitar Thalia em sua frente, mudando o semblante para mais feliz.
- Vou perguntar ao papai se ele quer brincar de boneca comigo - disse Celina, animando-se.
Thalia sorriu para ela, não somente por vê-la animar-se, mas também por achar graça em imaginar como o pai receberia o convite da filha pequena. Brincar de boneca? Talvez não fosse o que um homem candidato a prefeito devesse fazer! Todavia um pai, que amava seus filhos de todo o coração e ainda na ausência da mãe, com certeza faria. Então a menina correu dali e desapareceu para o salão, à medida que Thalia reerguia-se do chão e mirava a vista na porta aberta, dando visão para a parede de cor pálida do corredor.
- Sinto pena por minha irmã, pois, nós sendo adultos conseguimos melhor compreender o por quê de minha mãe estar presa... Mas Celina é só uma criança e sei que lhe dói muito a ausência de mamãe - desabafou Thalia, ao passo que jorravam rios de lágrimas de seus olhos melancólicos, e seu rosto se voltava para o chão, desfalecendo; mas o levantando, ela viu que Ruan a fitava imutavelmente e passou a enxugar as lágrimas com as mãos - Desculpe...
- Não, eu entendo - disse Ruan, se aproximando mais de Thalia - Também já fui assim como você.
- Muito preocupado? - ela supôs.
- Não, chorava como uma menina - ele explicou e os dois riram forte - É verdade! Se eu levava um "fora" de uma menina, eu chorava; se eu tirava nota baixa na escola, eu chorava... Com tudo eu chorava!
- E como você conseguiu superar isso? - ela perguntou, sentindo que a tristeza estava abandonando seu coração e o rosto secando.
- Eu não superei! - disse Ruan, fazendo Thalia rir novamente - Até hoje choro. Mas não com tanta frequência e nem em público.
- Só você para me fazer rir - Thalia fitou-o com paz.
- Só? Não - ele corrigiu - Também os pássaros que cantam lá fora, o dia que nasceu mais uma vez... O ar que te faz viver!
Thalia expandiu os lábios, à medida que enxugava a última lágrima que deslizava pela maçã de seu delicado rosto. Foi uma emoção tão repentina, uma dor no peito de súbito! Porque no fundo ela era tão frágil quanto sua irmã pequena. Ruan fechou a porta, sem causar barulho, e voltou a atenção para Thalia, bem em sua frente.
- Eu sou uma boba, não sou? - Thalia perguntou.
Ruan não disse nada, alcançou os lábios dela e colou neles os seus, a beijou de modo intenso, sentindo com importância o seu gosto; levou sua mão para a cintura dela e ela tocou com a mão sua nuca, levando os dedos por entre os cabelos dele, enquanto se encostava na porta. Quando suas bocas delicadamente se apartaram, Thalia fitou os olhos nos lábios de Ruan, já ele preferiu admirar o olhar de Thalia; ambos respiravam ofegantes. Então Thalia olhou Ruan nos olhos e deu um envergonhado riso, baixando o rosto e levando com a mão a mecha solta do cabelo para trás da orelha; Ruan também riu, eram risos de satisfação, queriam dizer que aquilo havia sido bom.
- É uma pena que você tenha que ir - sussurrou Thalia, ao passo que Ruan ia beijando seu pescoço e a fazia suspirar.
Ruan continuou sem dizer uma única palavra e beijou novamente a boca de Thalia, de modo carinhoso e ao mesmo tempo cheio de ânsia. Ao término do beijo, ele deu mais um celinho em Thalia e ela o fitou com um olhar amoroso, elevando a mão até o alto da cabeça dele e penetrando os dedos em seus cabelos loiros, bagunçando-os propositamente.
- Thalia!? - ouviu-se a voz do Sr. Carlos Arantes no corredor.
- Melhor eu ver o que meu pai quer - Thalia falou, olhando para a porta e fazendo menção de que ia se retirar.
- Calma... - disse Ruan, segurando-a pelo pulso e a cercando, com um ar de graça - Então você me beija loucamente, bagunça meus cabelos e ainda quer ir embora sem mais nem menos?
- Ruan, se meu pai me vir aqui, vai ter uma má impressão - ela murmurou, com um olhar apreensivo para ele.
- Bom, pelo menos agora tenho uma linda lembrança de nós dois - ele mostrou um sorriso.
- Tenho que ir...
Thalia soltou delicadamente seu pulso da mão de Ruan, observou aquele rosto marcante pela última vez, receando que essa deveras fosse a última vez que o veria, e abriu a porta para sair.
~*~
- Vou sentir sua falta - disse a pequena Celina, abraçando o detetive para se despedir dele.
- Eu também, princesinha - falou Ruan, sorrindo para ela e tirando do bolso um chocolate para dá-la.
A menina pegou o doce com alegria e correu para perto do pai. Depois dela, foi a vez de Thiago se despedir do detetive.
- Vou sentir sua falta também - Thiago disse, abraçando o detetive e dando tapinhas em suas costas.
- Digo o mesmo, Thiago. Ah, ainda quero te ver tocando muito pelo mundo a fora! - falou o detetive, trocando um sorriso com o rapaz.
Em seguida, se aproximaram do detetive a Sra. Eloise e o Sr. Wagner, para junto também despedirem-se.
- Sentiremos sua falta - falou o Sr. Wagner por sua esposa e ainda sem perder o humor - Embora eu só te conheça a algumas semanas. Ah, e por alguns jornais também.
- Foi um imenso prazer conhecer o senhor - disse a sorrir para ele o detetive, olhando em sequência para a Sra. Eloise - E a senhora também!
Eles recuaram e o próximo a se despedir foi o Sr. Carlos Arantes, com passo firmes e rápidos.
- Eu não sentirei sua falta - disse friamente Carlos, mas é claro que não passou de uma brincadeira.
- Eu sei - Ruan afirmou, rindo.
- Passe bem em seus próximos dias de missões e nunca se esqueça de nós! - tocou no ombro dele e sorriu.
- Não esquecerei.
O Sr. Carlos afastou-se... E foi o último. Ruan entristeceu, com vazio diante dele, porquanto esperava mais alguém, todavia esse alguém não apareceu. Então olhou para aqueles que ali estavam, memorizando cada riso, cada expressão e aparência, deu um rápido giro com os olhos para contemplar pela última vez aquele salão, que um dia foi cheio de mistérios e segredos, mas também de risos, sabores e perfumes. Assim, apanhou suas malas e girou para a porta, a qual Celina abriu rapidamente, depois de correr, e Ruan sorriu com gratidão para a menina; já ia cruzar a porta, quando ouviu rápidos passos descendo a escada, era Thalia, que o procurava em atraso para se desespedir.
- Nossa, acho que enchi demais essas malas - dizia Ruan, relaxando as malas no chão, só para ganhar tempo até Thalia o alcançar.
Ao descer o último degrau da escada, Thalia mirou a vista em Ruan, tímida para se aproximar, não fosse a irmã para empurrá-la e dizer que todos já haviam se despedido do detetive e só faltava ela. Então, lentamente, Thalia foi se acercando de Ruan, ao passo que ele a fitava ansiosamente.
- Adeus - disse Thalia, a dois passos de distância do detetive.
- O correto é: "Xeque-mate!" - falou Ruan, a sorrir para ela.
Thalia riu e, sem temer, abraçou-o, sentindo a essência de seu perfume, a maciez de sua amada camisa branca e apreciando por último sua gravata xadrez, a mesma que ele usou quando chegou na mansão e seria também a mesma de quando ele fosse embora. Agora satisfeito, Ruan apanhou as malas, recebeu os acenos de todos, até dos empregados (pelo menos os que restaram) e cruzou os portões da mansão.
~*Continua...