~*SENHOR DAS DESCONFIANÇAS*~ cap. LIII
Carlos havia se encaminhado para seu quarto, tinha deixado os outros no salão grande e subido sozinho. Olhando para a cama, ele lembrou-se de sua esposa, ou pelo menos de quando ela ainda era sua esposa, porquanto depois de tudo o que soube, da traição, do que aconteceu naquele acidente no rio, ele não conseguia mais pensar nela sem se acender o ódio em seu coração. Andou até o armário, abriu-o, pegou um vestido de Beatriz e abraçou-o contra o peito; sentiu o perfume cravado na roupa, inspirou-o e aquilo causou-lhe nojo e muita raiva! Então com as duas mãos apertando firme o vestido, o rasgou no meio e lançou-o contra a penteadeira, virando os frascos de perfume e cremes que haviam sobre ela. Carlos sentou na cama e com as mãos no rosto passou a chorar, sem voz, mas com muitas lágrimas correndo de seus olhos. O Sr. Wagner apareceu na porta e vendo o enteado naquele estado, sentou-se ao lado dele; mas Carlos se pôs imediatamente de pé e caminhou até o janelão aberto, todavia ao sentir o aroma das flores do jardim novamente lembrou daquele perfume maldito de sua mulher.
- Atchim! - ele espirrou e esfregou a ponta do nariz, dando meia volta - Odeio flores.
- Filho, por que não me deixa conversar com você? - perguntou o padrasto, que levantou-se da cama e tentou chegar perto de Carlos - Sei que está doendo muito aí dentro...
- É a fome - disse friamente Carlos, se desviando do padrasto -, o almoço está demorando. E não me chame de filho, não sou seu filho.
- Ai, que grosseirão! - fez uma cara engraçada e riu dele - Puxou sua mãe, ela também agia assim às vezes, quando eu lhe perguntava algo.
- Posso ter puxado meu pai. Você não o conheceu!
- Exatamente. Como poderia dizer que você puxou a seu pai, se nem sei como ele era?
- Um homem incrível! O melhor pai do mundo! E que, ao contrário de você, me elogiava e me motivava.
- Fala isso só por que nunca aprendeu a tocar violino? - indagou o Sr. Wagner, elevando uma sobrancelha.
- Antes fosse só isso. Mas você ficava rindo de mim! Todos riam de mim quando eu tocava - Carlos relembrava com desgosto.
- E o que eu podia fazer? Você deixava a ponta do arco entrar no seu ouvido! - ele deu uma gargalhada.
- Eu ainda estava começando e você não me ajudava! Só ficava rindo.
- Bom, você ser mau em tocar violino não quer dizer que seja mau em tudo o que faz...
- Eu me candidatei a prefeito - contou Carlos, num tom mais pacífico.
- Pre-prefeito? - Wagner encarou-o com uma enorme ânsia de rir presa na garganta.
- É - confirmou com seriedade.
- Que excelente! - tocou a mão no ombro de Carlos e sorriu.
- Acha?
- Você tem cara de político - falou, envolvendo o braço no ombro do enteado e juntos foram saindo do quarto - Deve ser por isso que maior parte dos alunos na aula de música votaram em você para sair da turma.
- Ha-ha-ha, muito engraçado.
~*~
- Declaro a senhora Beatriz da Silva Arantes como culpada! - o juíz deu a sentança, batendo o martelo na mesa - Está condenada a pagar uma pena de seis anos, em regime fechado.
- O quê? Não! - exaltou-se Beatriz, sendo segurada por dois policiais, que a tiravam de seu assento - Não podem me prender! Não...!
Enquanto era levada, os filhos de Beatriz, com excessão da pequena Celina que não estava no tribunal, derramavam lágrimas, contudo tinham que se conter, pois não podiam desafiar a decisão da autoridade. E os ali presentes foram se colocando de pé para deixarem o local, já o advogado de Beatriz batia o pé no chão com furor por ter perdido a causa. A Sra. Eloise se sentiu satisfeita por ter conseguido provar a tentativa de afogamento, porém não manifestou-se em festejo, para não constrangir os netos que lamentavam a prisão da mãe. Além disso, por ter omitido o conhecimento pelo crime cometido por Beatriz, a empregada Tayná foi submetida a prestar serviços comunitários por um ano, o que felicitou o Sr. Carlos Arantes, pois quem sabe assim Tayná aprenderia a usar melhor suas energias.
Já de volta à mansão, o Sr. Carlos Arantes foi recebido com um forte abraço da filha Celina, que havia ficado na mansão sob os cuidados de seu avô Wagner, que também não foi entimado ao tribunal.
- Papai! - disse contente a menina.
- Olá, minha princesa! O papai já está de volta para ficar com você - falou o pai, entrando no salão logo após os filhos e o detetive.
- E a mamãe? - a menina perguntou, observando o pai fechar a porta.
- Filhinha - ele ajoelhou-se diante dela para falar mais próximo -, sua mãe vai ter que passar um tempo fora de casa, porque... Porque ela teve que viajar para resolver uma coisa. Mas veja, a vovó Eloise e o vô Wagner ficarão aqui com a gente! Não é legal?
- Eles vão morar aqui? - perguntou Celina e o pai levantou o rosto para mirar o olhar em sua mãe e em seu padrasto.
- Por um tempinho, eu acho - ele respondeu.
À tarde, o Sr. Carlos, seus filhos, sua mãe e seu padrasto estavam a a conversar, entre risos e brincadeiras, sobre diversos momentos em família e recordações do passado, das viagens da Sra. Eloise no tempo da sua mocidade, de quando Carlos estudava música e não sabia segurar o violino, das orquestras que o Sr. Wagner participou e tantas e tantas outras lembranças jamais olvidadas. E naquela conversa toda, Thalia desviou a atenção para mirar a vista no corredor esquerdo do salão, pensando que Ruan poderia estar em seu escritório naquele momento e por que não havia se juntado aos demais no salão. Então, sem ser muito notada, Thalia foi se afastando do salão e caminhou para o corredor; ao chegar de frente à porta do escritório de Ruan, que só estava encostada, ela deu duas suaves batidas com a mão, enquanto ouvia alguns sons de livros sendo folheados e de zíper abrindo ou fechando.
- Entre - a voz de Ruan soou de dentro da sala.
Nisso, Thalia empurrou cautelosamente a porta e ia pedir licença para entrar, mas antes de dizer qualquer coisa, emudeceu, ao observar Ruan guardando alguns cadernos e objetos seus dentro de uma mala posta encima da cadeira. Ruan recolhia sua agenda que sempre deixava sobre a escrivaninha, perto da luminária, e ponhava na mala; Thalia receou a razão dele estar fazendo aquilo, mas tentou manter-se pacífica e ainda com um sorriso nos lábios.
- O que está fazendo? - ela perguntou, com uma voz meiga, no entanto, um pouco hesitante.
- Thalia - disse Ruan, deixando a coluna ereta e prestando atenção em Thalia, que se aproximava um pouco mais - Bem, acredito que minha missão aqui está cumprida. O caso foi resolvido e o juiz já deu a sentença... Ah, sinto muito por sua mãe...
- Ela está colhendo o que plantou. Não é mesmo?
- Quem sou eu para julgar? - Ruan fez a volta na cadeira em que estava a mala e chegou mais perto de Thalia, colocando as mãos nos bolsos e desprezando o que antes fazia.
- E não me veja como uma pessoa má, mas hoje agradeço por não ser parecida com minha mãe - Thalia falou.
- Pode não ser no coração, mas você é muito bonita como ela - ele exibiu um sorriso no canto da boca e percebeu como deixara Thalia encabulada - Mas também puxou a seu pai.
- Em quê? - Thalia franziu a testa ao perguntar.
- Na criatividade - disse Ruan, cheio de graça.
- Não fale assim... - ela riu - Pobrezinho de meu pai! Ele bem que tenta ter boas ideias, mas sempre acaba se cansando.
~*Continua...