~*SENHOR DAS DESCONFIANÇAS*~ cap. XLVII
Thalia e Ruan continuavam no escritório, cada um movendo por sua vez uma peça no tabuleiro de xadrez, à medida que prosseguiam com a conversa.
- Estou aqui pensando... Se minha avó se escondeu todo esse tempo, deixando que pensassem que ela havia morrido naquele acidente - dizia Thalia, escolhendo uma de suas peças para deslocar -, então ela poderá receber alguma pena por conta disso?
- Olha, eu já não trabalho nessa área de leis e punições - falava Ruan, franzindo a testa com a estratégia bem inteligente que Thalia fez na jogada -, mas acredito que, não só sua avó, mas também você e os demais envolvidos nesse caso poderão ser entimados a uma audiência no tribunal, para o esclarecimento dos fatos.
- Uma audiência? - Thalia indagou com demasiado assombro, pregando os olhos no rosto de Ruan.
- Calma, foi só uma hipótese. E se for mesmo assim, vocês poderão contratar um bom advogado - disse ele, movendo sua "rainha".
De repente uma vibração chamou a atenção de ambos, a tela do celular de Ruan, que estava bem ao lado do tabuleiro, acendeu; então ele aproveitou que era a vez de Thalia mover uma peça e pegou o celular.
- Também não posso mentir para você dizendo que depois do caso ser revelado todos terminarão bem - Ruan continuava dizendo, mas subitamente emudeceu e seu rosto foi empalidecendo, tudo depois de ler a mensagem que acabara de receber em seu celular.
- Está tudo bem? - perguntou Thalia, notando a mudança repentina no semblante de Ruan.
- Pode me dar um minuto? - a voz dele saiu engasgada e suas mãos tremiam enquanto segurava o aparelho.
- Claro...
Ruan levantou-se da cadeira e saiu do escritório, levando o celular com ele. Thalia permaneceu sentada, embora sua vontade, quase incontrolável, era de ir atrás de Ruan e ter em conhecimento o que o impactara tanto! Ficou mirando o olhar na porta e imaginando o que ocorria lá fora... A maneira que Ruan se retirou da sala, tão estranho e assustado, deveras intrigou-a demasiado, por isso não conseguiu conter-se ali à sua espera e andou até a porta, olhando discretamente para o corredor; Ruan estava mais à frente e tinha o celular no ouvido, mas não dizia nada, estava esperando ser atendido. Isso demorou alguns segundos a acontecer.
- Alô, Amanda? O que foi aquela mensagem? - dizia Ruan ao celular, num tom chocado - Por favor, me diga que foi só uma brincadeira! Que você... Amor, por que está fazendo isso comigo? Amanda?... Amanda?
Ruan encostou o braço em volta da testa na parede, retirou o celular do ouvido, segurou-o na medida da barriga e ficou olhando para a tela acesa, até se apagar. E vendo o desfalecer de Ruan, Thalia voltou para a cadeira e se sentou; esperou Ruan voltar para a sala, enquanto isso observava o tabuleiro; teve tempo para estudar o movimento de cada peça, de prestar atenção em seus detalhes, de perceber os erros em suas jogadas e as geniais jogadas de Ruan; o "peão" negro que ele provavelmente moveria, a "torre" que ela poderia derrubar - será que Ruan tinha percebido? -, as peças que ele já tinha conseguido dela e a cadeira vazia em sua frente, onde antes estava um homem inacreditável, imprevisível! De uma beleza de suspirar, de um olhar intimidador e ao mesmo tempo irresistível... "O que aconteceu? Quanto tempo mais ele há de demorar? Será que ainda está lamentando com o rosto na parede?" era o que Thalia se perguntava.
E finalmente Ruan retornou à sala, rodeando a escrivaninha e ocupando sua cadeira; seu semblante não tinha se modificado, ao contrário, continuava pálido e assustado. Thalia o observou preocupadamente e reconheceu seu mau estado, ora dissimulou quando ele a olhou uma vez.
- Desculpe, mas terei que abandonar o jogo, é que lembrei que tenho que ajudar Thiago com... Com umas pesquisas - Thalia mentiu, pois achou que Ruan precisava ficar sozinho e que não estava em condições de prosseguir com o jogo.
- Tudo bem - falou Ruan com uma voz fraca e sem demonstrar nenhuma sombra de riso.
- Com licença.
Thalia se pôs de pé e deu de ombros, olhando só mais uma vez para Ruan, que nem esperou-a sair para deitar o rosto encima da escrivaninha e cair em lamentação. Então Thalia cruzou a porta da sala e se foi. Aquele sábado não tinha sido bom para quase ninguém.
~*~
- Que Domingo perfeito! Hoje nada poderá estragar o meu dia - dizia a Sra. Beatriz Arantes, de frente para o janelão de seu quarto, acabava de acordar; mas bateram na porta e isso a distanciou da bela vista do céu azul lá fora e do jardim com mesclas de cores - Quem é?
- O mordomo, senhora Beatriz - disse o empregado, passando da porta para dentro do quarto, sem nenhuma autorização, e fitando a mulher de cima a baixo com um olhar descarado, pois ela ainda estava de camisola; mas não era sempre que o mordomo agia assim. Só quando se tratava da Sra. Beatriz - O detetive deseja que a senhora desça para o grande salão.
- Já estragou - ela revirou os olhos e puxou com estupidez o robe pendurado na cabeceira da cama para vesti-lo - E pare de me olhar assim! Parece até que vai me comer com os olhos...
- Perdão - ele melhorou a postura, todavia pareceu não entender a ordem de Beatriz, pois continuou fitando-a do mesmo jeito.
Ao descer para o salão, Beatriz estranhou a presença de seu marido e seus filhos e de todos os empregados da mansão ali e também o detetive, no que diminuiu a velocidade dos passos quando descia os degraus da escada.
- Posso saber quem lhes deu permissão para sairem de seus afazeres? - ela ralhou, lançando um olhar ríspido para os empregados.
- O detetive me pediu para ordenar a Robison que os chamasse - contou o Sr. Carlos Arantes, em rebate, e olhou para Ruan ao seu lado, mostrando-lhe um sorriso - O detetive finalmente tem algo a nos revelar sobre o mistério do sumiço das... Ah, vocês já sabem. E eu estou demasiado empolgado para ouví-lo!
- Ah, não... Então é sobre isso? Prefiro não ficar para ouvir essas bobagens - ela deu meia-volta, mas foi chamada a atenção antes de pôr o pé no primeiro degrau para subir a escada.
- Que pena, pois eu pretendia começar exatamente com a senhora - disse Ruan, mirando nela.
- O quê? - virou-se para fitá-lo - Não me meta nisso! Não tenho nada a ver com esse caso ridículo.
- Será? - ele mostrou um sorriso marrento nos lábios - Não sei... Mas penso que a senhora tenha muito a ver com isso.
- Então prove! - falou ela em alta voz, aproximando-se de Ruan.
- Provarei! E peço aos demais que, por favor, não se retirem em nenhum momento, até tudo aqui ser esclarecido - Ruan dizia, andando por frente de cada um dos que ali estavam - E se alguém tinha um compromisso ou planejava um passeio, melhor que cancele, pois preciso que todos estejam presentes para assistirem às grandes revelações e participarem delas também, claro, já que todos aqui têm um segredo, e eu eu já os descobri.
~*Continua...