~*SENHOR DAS DESCONFIANÇAS*~ cap. XLIII
Entrando no quarto a fim de descansar depois de mais um dia cumprido, Ruan retirou o colete e a gravata, jogando-os sobre a cama; caminhou até o janelão e abriu-o, sentindo de imediato a brisa da noite soprar contra o seu rosto e lhe causar uma sensação de prazer; então atravessou o janelão com os olhos fitos na Lua Nova que tão tímida se escondia por trás das nuvens, e apoiou-se nas grades da varanda, contemplando mais de perto a noite e seus encantos. Mas seus olhos cansados pediam para ele voltar para o quarto e ter uma longa noite de sono. Ruan deu um comprido bocejo e espreguiçou-se enquanto continuava com a vista presa ao céu, ora somente quando girou para regressar adentro do quarto, foi que notou que Thalia estava na varanda do segundo quarto ao lado, mas se mantinha de costas para Ruan, olhando a outra parte do céu, e lembrou-se Ruan de que ela tinha trocado de quarto com a irmã e por isso a via ali; acabou desistindo de entrar no quarto para ficar na lateral da varanda e observar Thalia, como um jovem com um olhar intruso, na casa ao lado da de uma moça bela.
- Noite linda, não acha? - ele disse num tom quase alto, conseguindo chamar a atenção de Thalia, que surpreendida virou-se para ele.
- Ruan!? - Thalia disse, sem perceber que era a primeira vez que chamava-o somente pelo nome e sem mais nenhuma reverência, o que pareceu agradá-lo, em razão do semblante risonho que lhe mostrou; ora Thalia ficou muito desconsertada pela presença demasiada inesperada de Ruan na outra varanda, no entanto seus inquietos passos a arrastaram para o outro lado da varanda, para assim conseguir falar mais próxima dele - Sim, a noite está mesmo linda...
- Uma curiosidade - Ruan se escorava mais na grade, como se quisesse arrastá-las mais para perto de Thalia e não precisar falar num tom alto e correr o risco de acordar os que já dormiam -, o que há nesse quarto do meio?
- Ah, é um quarto também de hóspedes, está desocupado - ela disse, com muita simpatia.
- Hhm... Espere, já volto - ele se afastou das grades e vacilou antes de cruzar os janelões, mirando uma vez mais em Thalia - Não vai sair daí agora, vai?
- Anh... Não - Thalia respondeu com estranheza.
Então Ruan desapareceu dentro do quarto e Thalia voltou a admirar o céu negrume e com algumas estrelas pontilhadas, o que a fazia lembrar de muitas coisas boas que vivera e imaginar outras mil que ainda ansiava viver. Ficou distraída com aqueles pensamentos, até que uma voz que fazia seu corpo inteiro estremecer soou bem mais perto de sua varanda e, quando ela olhou para o lado, Ruan já estava na varanda vizinha do quarto de hóspedes, bem colada à dela, só uns quatro palmos de distância; Ruan tinha os braços apoiados nas grades e fitava Thalia.
- Como conseguiu entrar? - perguntou Thalia, rindo e se acercando da grade de sua varanda - A porta não estava trancada?
- Sim, estava - Ruan disse e mostrou a Thalia um grampo de cabelo em sua mão, no que ela riu e meneou a cabeça de um lado a outro.
- Pensei que esse truque não funcionasse.
- Eu também - ele sorriu, guardando o grampo no bolso da calça e deixando os braços na mesma posição de antes - Pensei que já dormisse a essa hora.
- Não tenho sono... Acho que é por conta da ansiedade.
- Por que vamos visitar sua avó amanhã? - ele perguntou, embora parecesse estar afirmando algo.
- Sim - confirmou ela, retraíndo os ombros.
- Tem medo que ela não suporte minha pressão e acabe revelando as reais verdades? - tinha o rastro de um sorriso no canto da boca.
- Por que acha que ela ainda esconde alguma verdade?
- Por quê? Bom, porque quase sempre quando desconfio que há alguma coisa a mais na história, acabo estando certo no final - Ruan falou num tom imodesto fitando Thalia, almejando ver como ela receberia essas palavras.
- Então acho melhor eu não duvidar - Thalia mostrou um adorável sorriso que Ruan gostou.
- Mas fique tranquila, prometo não fazer à senhora Eloise mais de vinte perguntas.
Os dois riram, todavia os risos foram altos e temeram em alguém tê-los ouvido, portanto se calaram por alguns segundos para o caso de aparecer alguém em uma outra janela e encontrá-los ali. Mas por sorte ninguém os ouviu.
- Melhor eu ir me deitar, antes que meus pais me vejam aqui ainda de pé - disse Thalia, dando dois passos para trás, mas sendo obstruída pela voz de Ruan.
- Ainda é cedo - falou Ruan de uma maneira tal como torcesse para ela ficar um pouco mais.
- Sim, em algum outro lugar do mundo - riu ao falar e pensou que conseguiria arrancar uma risada também de Ruan, mas foi estranho, pois ele estava com o olhar vidrado no rosto dela e não reagia - Então... Tenha uma boa noite...
- Pressa, Lia... - a frase de Ruan saiu meio que incompleta, mas nada que parecesse tão incorreto, mas que confundiu a Thalia, que não soube se havia sido uma pergunta ou uma exclamação.
- É que já está tarde e...
- E se eu te der um bom motivo para ficar um pouco mais?
- E qual seria esse motivo? - perguntou ela, apertando os lábios.
- Você está sem sono - o tom da voz de Ruan foi ficando mais sóbrio, parecia até que o sono que momentos atrás pesava em seus olhos tivesse ido embora de vez.
- Mas os outros têm e podemos acordá-los com nossa conversa.
- Se quiser... Eu posso murmurar - disse a última frase bem baixinho.
Mas repentinamente a janela do quarto dos pais de Thalia, lá na frente, se abriu e os dois se apressaram em sair das varandas, com tempo só para uma rápida despedida.
- Boa noite! - disse ligeiramente Thalia.
- Boa noite, fada linda - disse Ruan, entrando no quarto.
Thalia já ia fechar o janelão quando escutou aquelas últimas palavras que Ruan disse e cerrou os olhos para sorrir e suspirar, fechando assim lentamente o janelão.
Já o Sr. Arantes olhava de um lado para o outro na varanda de seu quarto, à procura dos donos daqueles sussurros e risadas que interromperam seus sonhos mais que os roncos de sua esposa. Porém, ele nada viu lá fora.
- Meu Deus - ele disse, coçando a cabeça e dobrando as sobrancelhas - Será que estou ouvindo coisas?
- Não, Carlos - falou a Sra. Arantes, que despertara e vira o marido fora da cama -, é a alma penada daquela maldita da sua mãe, que está assombrando a casa.
~*Continua...