~*SENHOR DAS DESCONFIANÇAS*~ cap. XLI

O Sr. Henrique Sanches saiu da biblioteca tão enfezado que a empregada precisou se distanciar para não ser agredida. Ao passo disso, o detetive Ruan Gaspar se colocou prontamente de pé e mirou Henrique com o corpo tenso e apertando os lábios.

- Olá, senhor Sanches - Ruan cumprimentou-o, estando alguns passos distante dele.

- O que faz aqui? - Henrique indagou com muita rispidez - Já não bastou o que fez ontem, ainda tem que vir me infernizar em minha casa?

- É exatamente sobre o que houve ontem que venho tratar.

- O que foi? Por acaso eu deixei outra fotografia cair por aí? - ele revirou-se, a observar o piso.

- Na verdade, venho para me desculpar - falou Ruan, aparentando deveras estar se sentindo culpado.

- Agora vai dizer que está arrependido pelo que fez? - Henrique disse, com um sopro de graça.

- Para ser sincero - Ruan olhou na medida do ombro -, acho que de todas as coisas que revelei, essa foi a primeira de que me arrependi.

- Não me diga? - espremeu o olhar, como não estivesse convencido.

- Acredite, não era minha intenção meter-me na amizade de vocês! - Exclamou Ruan, retrocendo o olhar ao rosto de Henrique e mostrando desespero no tom de sua voz - Não cabia a mim revelar a verdade sobre seus pais! Se alguém tinha que fazer isso e, se quisesse, esse era você.

- Então por que o fez?

- Eu estava com os pensamentos turvos, também fui levado pela indignação do momento! Não pensei direito antes de agir... Me perdoe, não pretendia prejudicá-lo.

- Tudo bem - disse, dando as costas para Ruan, pegando uma garrafa de vinho encima do balcão e enchendo uma taça - Sabe, você até facilitou meu trabalho...

- Como assim? - perguntou Ruan, desentendido; então Henrique se virou para ele e ofereceu-lhe uma taça de vinho - Não, obrigado.

- É verdade! - Henrique recolocou a garrafa no balcão e segurou a taça com vinho até a metade - Assim não foi preciso eu mesmo acabar com minha maior amizade.

Henrique voltou-se para Ruan e viu no comportamento dele que tinha conseguido constrangi-lo como almejava; andou até a poltrona, não a que Ruan antes estava sentado, mas outra ao lado, e sentou-se cruzando as pernas e segurando a taça de vinho. Sendo assim, Ruan também se sentou.

- Até que consegui manter esse segredo por muito tempo - disse Henrique, passando o dedo indicador num movimento circular no fundo da taça, enquanto mirava-a na altura do queixo - Mas o monstro tirou a máscara e se revelou. Até agora não sei se o monstro era você ou o segredo.

- Hhm... Mas, me diga: por que tem vergonha de seus pais? - questionou, esperando Henrique tomar um gole do vinho para lhe responder.

- Quer mesmo saber? - indagou, com um tom rude e continuou após o consentimento do detetive - Eu nunca gostei da vida que levava com meus pais lá em Minas. Éramos pobres, eles não podiam me dar tudo o que eu queria e eu queria muito! Queria crescer, aprender mais, ter uma grande profissão e ganhar muito dinheiro! Não me conformava com aquela miséria. Por isso resolvi vir trabalhar em São Paulo e quiça aqui conseguir realizar meus sonhos...

- E deixou seus pais lá? - Ruan relaxou as costas na poltrona para ouvir atentamente Henrique.

- Sim, porque vim sem saber se permaneceria aqui, talvez eu não tivesse sucesso - contava Henrique, bebendo um pouco mais de vinho e depois fitando Ruan - Mas eu prometi a meus pais que se eu conseguisse me tornar um homem bem sucedido aqui, sempre os ajudaria com algo. E sucedeu que conheci muitos senhores ricos e até milionários! Donos de empresas, fábricas, bancos... Entre eles, Carlos, a quem me apeguei muito e nos tornamos melhores amigos. Aprendi a lhe dar com o dinheiro da forma correta, até que abri o maior cassino da cidade e me tornei também um milionário.

- Então ajudou seus pais?

- Não - respondeu sem hesitar, todavia com um semblante perturbado - O caso é que agora eu era um dos homens mais ricos e respeitados da cidade, meus amigos também! Mas meu passado era miserável e sujo; meus pais eram meu passado... Eu não podia dizer aos meus amigos que era filho de duas pessoas tão pobres!

- Então inventou que seus pais eram donos de hotéis - disse Ruan, levando o corpo para frente e deitando os braços sobre as coxas, tendo as mãos unidas.

- Sim - confirmou Henrique, sentindo um pesar em sua consciência e com a vista lançada ao piso - Eu os escondi dos outros e até de mim mesmo; muitas vezes quando eles me ligavam, eu não atendia e, quando atendia, eu dizia que a situação aqui também estava difícil e que o cassino não ia bem, que estava a ponto de falir... Só para não ter que me sujeitar a ajudá-los em algo.

- Mas, por quê? - perguntou Ruan, forçando as sobrancelhas a quase se encontrarem.

- Porque eu já tinha repetido tanto para os outros que era filho de ricos que até eu mesmo passei a acreditar nisso e a alimentar essa mentira! Era como se eu já não conhecesse meus pais de verdade, como se não devesse nada a eles... Como se não mais existissem - a última frase de Henrique exalou um ar de amargura e ele fez uma pausa para meditar acerca das lembranças que transbordavam de seus pensamentos, retomando a palavra só alguns segundos depois - Mas num certo dia, meu pai ligou e dessa vez eu atendi; ele dizia que minha mãe estava enferma na cama. Nós sabíamos que ela já carregava alguns problemas de saúde, mas ele disse que dessa vez ela estava bem pior e que desejava muito me ver... Pelo tom da voz de meu pai, parecia mesmo grave. Eu prometi que iria ver minha mãe no Sábado, que seria minha folga...

- Então você foi vê-la? - a frase de Ruan pareceu mais uma afirmação.

- Se fui vê-la? - ressaltou Henrique, dando uma risada descontente, que ele sabia bem fazer - E se eu te disser que naquele Sábado fui convidado a uma comemoração com os amigos e não tive coragem de rejeitar? Eu liguei para meu pai e disse... Eu disse... Disse que não poderia viajar porque os voos haviam sido cancelados. E só o que ouvi ele dizer sob isso, com uma voz tão seca e abatida, foi: ela vai ficar muito mal, mas direi isso a ela.

- E depois? - perguntou Ruan, com tamanha dificuldade em maquiar sua indignação.

- Bom, eu fui comemorar com meus amigos! É, isso mesmo, enquanto minha mãe sofria na cama, eu brindava à "felicidade" com meus amigos milionários - disse num tom mais sério, que foi tornando-se melancólico - Eu só estava esperando aquela comemoração acabar para voltar para casa, ligar para meu pai e saber enfim se minha mãe ainda vivia... Ou se tinha morrido.

- É... Chocante - Ruan afirmou baixando o rosto, ele ainda se mantinha na mesma postura, as costas curvadas e os braços sobre as coxas; mas levantou o rosto prontamente, para fitar Henrique - Você ligou?

- Sim - respondeu -, mas não naquele dia... Não tive coragem. Liguei só um dia depois e meu pai disse que minha mãe já havia melhorado um pouco e que uma tia minha havia ido cuidar dela. Por isso ele me falou, da forma mais grosseira e dolorosa, que eu não precisava mais aparecer lá. Nós acabamos discutindo por telefone

~*Continua...

Lyta Santos
Enviado por Lyta Santos em 11/10/2016
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