~*SENHOR DAS DESCONFIANÇAS*~ cap. XXXIX
Impactado com as palavras do detetive, Henrique perdeu os movimentos e seus olhos se encheram de temor. Carlos estava bem ao lado e ainda não tinha se recuperado do susto que levou com a atitude agressiva de seu amigo para com o detetive minutos atrás, entretanto, ouvindo o que o detetive acabara de dizer, ficou intrigado e muito curioso e embora quisesse perguntar sobre aquilo, Henrique deixou-o sem espaço.
- Como é? - indagou Henrique, encarando com intriga o detetive Ruan.
- É isso mesmo - falou Ruan, massageando os lábios cortados pelo golpe -, eu sei seu segredo! Sei que você é na verdade filho de duas pessoas muito humildes que vivem no interior de Minas Gerais e os esconde por vergonha! Eu vi a foto deles que caiu de sua casaca.
Henrique ficou estupefato, estava mais surpreso do que os demais com o que Ruan contou! Foi um golpe profundo bem em seu peito, tão profundo que podia sentir o sabor da dor amargar em sua boca. Carlos, que fitava Henrique de modo inacreditável, aproximou-se um pouco mais dele, à medida que o mordomo finalmente se deslocava para a porta do outro salão, mas vacilou ao abrí-la, porquanto teve curiosidade de ouvir a discussão.
- Henri, isso... É verdade? - Carlos perguntou ao amigo, torcendo em seu interior para que ele repudiasse, para que dissesse que não passava de uma balela.
Henrique abandonou o rosto de Ruan, para virar-se de lado e fitar seu amigo Carlos; respirava com tamanha profundidade e tinha os músculos tensos.
- Se é verdade? Sim, é verdade! É a mais pura verdade! - respondeu Henrique, num tom forte e grosseiro - Eu menti todo esse tempo, meus pais não são ricos e tampouco donos de hotéis. Na verdade sou filho de uma merendeira e de um carpinteiro que moram numa mísera casinha em Minas e nunca sequer tiraram os pés daquela terra! Muito menos estiveram num hotel.
- Mas, por-por que você nunca me contou isso? - a voz de Carlos estava abalada e ele franzia a testa, inconformado.
- Por que nunca te contei? Por que nunca te contei? - repetiu, soprando um ar de deboche e fez um gesto com a mão para se expressar melhor - Veja você! Trata seus empregados como se não fossem nada, vive humilhando as pessoas só porque têm algo a menos que você. Imagine quando soubesse que seu melhor amigo é filho de um carpinteiro e de uma merendeira! Você que sempre foi orgulhoso, odiou os pobres... E quando falava deles cheio de ignorância e repulsa, eu logo me lembrava de quando ainda era menino e morava com meus pais naquela velha casinha, onde tinha buracos no teto e rachaduras nas paredes; meu pai com aquela camisa de sempre, serrando a madeira e minha mãe preparando a janta no fogãozinho velho. Então eu tive que trocar a casinha por uma pilha de andares, a velha camisa de meu pai por um terno, a madeira por notas de dinheiro, tirar minha mãe de frente do fogão para uma mesa de escritório... E quando percebi, com toda aquela invenção, eu já tinha me tornado filho de duas pessoas que na verdade nunca existiram!
- Como pôde, Henri? Como pôde esconder isso de mim? Eu que todo esse tempo confiei em você! - disse Carlos, com o queixo caído e o semblante nublado; mas Henrique movimentou a cabeça para o lado e deu uma pequena risada, não foi exatamente uma risada, um sopro de graça, embora não fosse o real sentimento que estava em seu peito naquele instante.
- E se eu tivesse te contado antes, acaso faria alguma diferença? - questionou o amigo, com os olhos entrecerrados.
- Saia de minha casa! Agora! - ele vociferou, estendendo o braço e apontando para a porta da frente da mansão.
- Eu já esperava esse seu comportamento - mostrou um discreto sorriso no canto da boca -, você sempre foi um homem muito previsível.
- Fora daqui!
Henrique lançou um olhar pesado a Carlos e voltou-se para Ruan, que até aquele momento não soubera o que fazer, senão manter-se em seu canto.
- Espero que esteja satisfeito, detetive Gaspar - Henrique falou ao detetive e Ruan pôde perceber como ele apertava os dentes ao falar; então Henrique andou até o cabideiro e puxou sua casaca, à medida que o mordomo corria para lhe abrir a porta. E ele se foi. Mesmo a ponto de explodir de tanto furor, Carlos ainda se virou para Ruan e depois de um profundo suspiro, fitou-o com mais calma, todavia sem perder a seriedade.
- Você fez um ótimo trabalho, detetive Gaspar - disse ele - Graças a você acabo de descobrir que não se pode confiar em mais ninguém nessa vida! E aqueles que pensamos ser nossos verdadeiros amigos, na verdade são os mais falsos. Obrigado, serei eternamente grato por isso.
Após dizê-lo, Carlos subiu a escada, mas Ruan permaneceu ali, com a cabeça baixa e a mão ocultando a vergonha em seu rosto. Estava se condenando pelo que acabara de fazer.
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- Não era você mesmo quem vivia exaltando o senhor Sanches, dizendo que ele era seu grande amigo, seu amigo fiel!? - falava Beatriz, enquanto o marido estava sentado na ponta da cama e rangia os dentes tal como uma fera que foi perturbada por um caçador; encostado no portal da porta escancarada do quarto, estava o filho do casal, Thiago, a assistir a cena dramática e ouvir o falatório enfatigante de sua mãe - Eu bem que tentei abrir seus olhos para ver que o senhor Sanches não era tudo isso o que você pensava... Mas você não ouvia ninguém mais, a não ser seu "grande amigo"! Agora viu aí? Ele acaba de te...
- Cala essa boca! - Carlos ralhou, girando o rosto para ela e lançando-lhe um olhar irado; pôs-se de pé e caminhou até a janela aberta, conseguindo tomar um pouco de ar e pregou os olhos no horizonte que ia escurecendo, enquanto mergulhava em seus pensamentos - Como ele pôde fazer isso comigo? Eu o confiava todos os meus pensamentos, todas as coisas... Sempre o elogiei, querendo ser ao menos um terço igual a ele... E o que ele fez? Me enganou! Me enganou!
- O senhor fala isso - dizia Thiago, sem se afastar da porta -, mas não pensa em como também deve ter sido difícil para ele revelar a verdade!?
- Sem essas filosofias agora, Thiago - disse, ao passo que dava as costas para a janela e andava depressa para fora do quarto, descendo as escadas e chegando no grande salão, onde só o mordomo estava - Mas também duvido Henrique pôr mais uma vez os pés nessa casa. E ai de você, Robison, se abrir a porta para aquele farsante! Está me ouvindo?
- Sim, senhor - Robison consentiu.
~*Continua...